“Vós que, em outro tempo, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia” 1 Pe 2.10
Salvação — O amor e a misericórdia de Deus
Prezado (o) professor (a), o amor e a
misericórdia de Deus, por si só, são temas que poderiam ser tratados em
separado, ou seja, um por lição. Como aprendemos ao estudar os atributos de
Deus, o amor e a misericórdia podem ser classificados nos atributos denominados
de comunicáveis ao ser humano — o que significa que a Bíblia revela atributos
de Deus que não podem ser manifestar na pessoa (atributos incomunicáveis) —, ou
seja, atributos que podem ser manifestos na vida do ser humano. Nessa
categoria, além da bondade, da justiça, da verdade, o amor e misericórdia são
atributos que os seres humanos podem manifestar em vida. O plano de salvação de
Deus tem como fundamento o seu amor e misericórdia.
Amor. A Bíblia declara que o próprio Deus
é amor (1Jo 4.8,16). Isso significa que o amor é essência de Deus, a moral de o
seu próprio ser. Ele justificou isso ao oferecer o seu Filho para nos salvar
(Jo 3.16). Só o amor de Deus justifica seu caráter compassivo. Infelizmente,
nossa sociedade está acostumada com a perspectiva fantasiosa do amor, pois este
nos moldes modernos, na maioria das vezes, está baseado em palavras,
subjetividades e romantismos baratos. Entretanto, o amor que se revela nas
Escrituras Sagradas demonstra ação, atos de doar-se ou doar alguma coisa. É isso
que caracteriza o amor de Deus. Por isso, encontramos nas Bíblias,
principalmente nas antigas, o termo “caridade” no lugar do “amor”.
Diferentemente de nossa cultura, na Bíblia, o amor é inimaginável sem o sê-lo
por uma ação concreta. A prova do amor de Deus para com a humanidade foi o ato
de enviar o seu único Filho para nos salvar.
Misericórdia. No Antigo Testamento, de
acordo com os termos hebraicos rehem e hesed, a palavra
misericórdia pode significar “compaixão materna”, “mútua obrigação ou solidariedade”.
Já em o Novo Testamento, a palavra tem a conotação de piedade e compaixão, bem
como pode expressar a ideia de “companheirismo em meio ao sofrimento”. Os
textos de Lucas 10.37; Hebreus 4.16; Filipenses 2.1; Colossenses 3.12; Hebreus
10.28 ilustram respectivamente essas conotações e ideias. Logo, a salvação que
o Deus Pai proveu a todos os seres humanos por meio de seu Filho, Jesus Cristo,
é a prova cabal do amor e misericórdia de um Deus solidário ao ser humano, da
pessoa que se arrepende de seus pecados para encontrar uma novidade de vida.
Assim, vemos que a misericórdia de Deus dura para sempre! Revista Ensinador Cristão nº72
A partir de seu amor misericordioso, aprouve a Deus enviar seu Filho para morrer em lugar da humanidade.
Texto Bíblico - 1 João 4.13-19
Deus é um ser único e incomparável em um nível muito superior ao que conhecemos simplesmente por Ele ser Deus. Os critérios que Ele usa para definir o que Ele faz pelo ser humano não estão condicionados ao que o ser humano pode fazer por Ele e o quanto o ser humano pode amá-lo e corresponder a esse amor. Da mesma forma, sua misericórdia não encontra eco nas ações humanas que possam ter como objetivo algum merecimento, mas, exclusivamente, porque Ele é amor e exerce misericórdia deliberada e voluntariamente.
A salvação é a culminação do imenso amor e da misericórdia de Deus e somente é possível porque Deus amou o pecador infinitamente a ponto de entregar seu filho e continuamente tem misericórdia de seus filhos preservando-lhes a vida e concedendo-lhes perdão.
O MARAVILHOSO AMOR DE DEUS
O amor não é um atributo divino assim como os demais que lhe são próprios por ser Deus, pois o amor é a própria natureza e essência de Deus (1Jo 4.16). Sua principal característica é simplesmente ser amor e criar, manter e gerir todas as coisas sob essa essência. Deus não precisa esforçar-se para amar, pois nEle não se manifestam o ódio nem a raiva como nos seres humanos. Todavia, a Bíblia afirma que Deus manifesta ira, furor e punição, só que esses são frutos de sua justiça exercida com equidade, e não de qualquer patologia como nos homens. Essas manifestações são a consequência natural da alienação (separação) do homem de Deus, pois ninguém consegue viver alienado de Deus sem sofrer as consequências naturais desse afastamento.
Ele não ama com base na capacidade de alguém amá-lo. Ele não se envolve com base na capacidade de alguém se envolver com Ele. Ele não se doou baseado na capacidade de alguém se doar. Ele não espera ser correspondido para continuar oferecendo graça. Se Ele dependesse da correspondência humana para retroalimentar sua atitude graciosa, Deus seria um ser finito e limitado, dependente de fontes externas para estabelecer-se, mas não! Sua graça é infinita porque Ele não tem fim. Essa graça emana dEle, e é Ele próprio que a mantém, e também é Ele quem gera a energia permanente e transformadora dessa graça que Ele ofertou.
Nos seres humanos, o amor é uma força interior que impele ao autossacrifício e ao bem-estar do sujeito amado, que leva a nutrir, cuidar e proteger o ser que é alvo desse amor. O amor é a mais extremada e profunda forma possível de expressão do sujeito e também a mais incrível e gratificante forma de intimidade nas relações pessoais — nesse caso, baseada em relações de troca e em mutualidade. Até mesmo o amor de mãe, por mais sublime, altruísta e abnegado que seja, autorrealiza-se no bem-estar do filho/a amado/a (Is 49.15-16). Portanto, em certo sentido, o amor de mãe também é baseado em troca quando ela vê refletido em si mesma o seu cuidado no objeto do amor. O amor de Deus, porém, vai além dessa categoria humana de amar que tem como base a troca, pois o seu amor, mesmo não correspondido, não depende disso, tendo em vista que nenhuma criatura é capaz de amá-lo nem corresponder ao seu amor na mesma intensidade que Ele ama. Por isso, o amor de Deus é o que teologicamente se chama de incondicional, pois Ele ama sem ser amado, doa-se sem receber nada em troca, sacrifica-se sem ser reconhecido, entrega-se sem ser correspondido e tudo espera mesmo não recebendo nada. No grego, essa forma de amor é grafada com o verbo agapao e o substantivo ágape.
Somos apenas o alvo dessa graça que provém dEle e que é sustentada por Ele. Só é preciso estar disposto a cumprir o papel para o qual fomos designados, que é ser alvo dessa graça, desse favor, permitir que ela passe por nós, atravesse-nos e cumpra o papel designado a ela para cumprir em nós e por nós. Deus não ama porque merecemos, não importa o que façamos ou deixemos de fazer. Deus ama porque Ele é amor. Logo, não amar significaria negar sua própria essência, significaria Deus negar-se a si mesmo. Ao amar, Deus está apenas sendo leal a Ele mesmo. Ele não se doa por uma obrigação de ofício, mas, sim, pelo prazer de poder, mais uma vez e de novo, manifestar-se assim como Ele é. Quando Ele ama, simplesmente reafirma quem Ele é. Deus é amor, e sua graça será sempre derramada não por merecimento, mas, sim, porque Ele nunca deixará de ser quem Ele é. Eis aí algo que parece que Deus não pode fazer: Ele não pode escolher não amar, pois isso fere sua essência.
Deus ama não somente a criança abandonada, a menina abusada, aquele que foi morto por uma bala perdida, a mulher que teve sua casa incendiada pelo marido com ela dentro, mas Ele também ama aquele que abandonou a criança, o que abusou da menina, o que apertou o gatilho, o que incendiou a casa, embora Ele abomine essas atitudes e aja com justiça contra os maldosos. Deus amou aquele que não o reconheceu, aquele que o rejeitou, aquele que o traiu, aquele que o negou. O mundo não é um lugar belo e digno de ser amado, tem muito ódio e malignidade, mas, mesmo assim, Deus amouo. Por esse motivo, Jesus disse: “[...] sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13.1).
Jesus amou os do mundo exatamente como eles eram, sem fantasiar esse amor, sem ser enganado, pois conhecia o coração deles (Mc 12.15; Lc 11.17). Por isso mesmo, Deus não está iludido em relação a nós. Ele sabe quem nós somos, que pecamos, que temos dificuldade para amar, que muitas vezes viramos as costas para Ele; mas, assim mesmo, Ele continua e continuará amando incondicionalmente. Quando o homem disse “não” para Deus, só houve um jeito de Deus trazê-lo para si: dando as costas para si mesmo e encarnando como homem. Dizer “não” para si mesmo para dizer “sim” ao ser humano a quem Ele ama.
Um dos mais belos textos bíblicos do Antigo Testamento que exemplifica esse amor de Deus é a vida parabólica de Oseias, o profeta que toma para si uma mulher totalmente indigna de ser amada e, mesmo assim, ela é amada por ele, apesar das suas estripulias, traições, amantes e repulsas pelo profeta. Ele toma todas as medidas para que a sua esposa venha amá-lo; vai ao encontro dela, recompra-a no mercado de prostituição, leva-a para casa e cuida dela com um amor incondicional e não correspondido. Deus quer mostrar ao seu povo que, apesar de não serem merecedores do seu amor, Ele, assim mesmo, ainda continuaria amando-os (Os 11.8-9). O amor de Deus manifesta-se terno e compassivo, muito acima do amor humano, que é apenas responsivo. Em Oseias, Deus solicitou ao profeta que Ele fizesse uma demonstração real do seu amor para com seu povo, atestando, assim, que Deus ama mesmo que o alvo do seu amor seja totalmente perverso e indiferente (Os 11.1-4).
Deus é amor (1Jo 4.8, 16) e, por esse motivo, Deus prossegue amando até à morte, como demonstrado na própria morte de Cristo (Gl 2.20; Rm 5.8; 2Co 5.14). Ele é a própria essência do amor; nós, seres humanos, somos apenas dotados com a capacidade de amar, mas Ele é o próprio amor. O objeto desse amor é o mundo todo destinado à salvação (Jo 3.16) mediante a pregação do evangelho (At 1.8), ou seja, toda a criação existente, incluindo, logicamente, o homem.
Diferentemente de outras crenças e religiões cujas divindades precisam ser descobertas (no sentido de não se revelarem) e agradadas para aplacar-lhes sua ira patológica, a cristandade tem seu fundamento em um Deus que se revela e que deseja que a humanidade venha conhecê-lo. Essa revelação baseia-se em amor, pois não são as criaturas que amam para que Deus venha amá-las, mas é o Deus verdadeiro que as ama para, a partir desse amor, seus filhos venham amá-lo por terem sido amados primeiro (Jr 31.3). O objeto do amor, o ser humano, não tem nada para ser amado; portanto, o amor de Deus é espontâneo e ilimitado.
Os evangelhos não apenas descreveram ditames morais e éticos, mas também estão repletos de ações de Jesus que revelam o amor de Deus. Quando seus discípulos pediram para que Ele mostrasse o Pai, Jesus respondeu: “Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14.9). Foi por isso que Ele compadeceu-se dos pobres e marginalizados, curou os doentes, deu vista aos cegos, libertou os oprimidos do Diabo e estava sempre pronto para receber os mais miseráveis pecadores (Lc 15.11). Tudo isso aponta para o grande amor de Deus para com aqueles que não têm forças por si só de atraírem o amor e o cuidado dos outros (Lc 7.34), pois são indignos de serem amados pela seletividade do egoísmo e da individualidade humana; entretanto, Deus ama essas pessoas em Cristo Jesus.
É baseado nesse amor que o crente tem a sua segurança da salvação. É na revelação desse amor que ele firma sua confiança em Deus, que lhe ama incondicionalmente. Isso traz uma grande responsabilidade para o crente amar a Deus mesmo sabendo que seu amor é incondicional. Muitos têm medo de expor com clareza o amor de Deus porque os crentes podem abusar desse amor, entendendo que Ele amará do mesmo jeito, e, assim, eles aproveitarão para pecar; e Ele amará mesmo, mas é impossível entender o amor de Deus e não ser constrangido à obediência por amor (2Co 5.14). Quem não se sujeita obedientemente a esse amor é porque, na verdade, não o compreendeu nem o experimentou. É preferível servir a Deus por amor a servir baseado em ideias de medo e punição que são alienadoras e mentirosas em relação ao que Deus realmente é. Foi por isso que Oseias escreveu: “Atraí-os com cordas humanas, com cordas de amor; e fui para eles como os que tiram o jugo de sobre as suas queixadas; e lhes dei mantimento” (Os 11.4).
UM DEUS MISERICORDIOSO
A misericórdia de Deus é necessária em face da miserabilidade do homem. Por esse motivo, a Bíblia refere-se a Deus como o Pai das misericórdias (2 Co 1.3), de forma que tudo o que Ele faz é permeado por sua misericórdia (Sl 145.9), especialmente a obra de salvação pela qual estamos salvos (Tt 3.5). Assim, a misericórdia é a fidelidade de Deus para com a aliança de amor estabelecida com a humanidade (Sl 89.28) apesar da infidelidade e da indignidade desta.
Em grego, eleos (correspondente hebraico de hesed) significa expressar compaixão para com aqueles que sofrem alguma necessidade, ou que estão em extrema angústia, ou que estão em dívida e não encontram uma solução favorável. Este, portanto, é o significado da misericórdia referindo-se a Deus (Sl 103.13): a raça humana encontra-se em profunda angústia e dívida, merecendo a condenação eterna; Deus, no entanto, compadece-se dela fazendo irromper sua misericórdia em meio à desgraça humana simplesmente porque é um Deus de misericórdia e, então, traz-lhes perdão, alívio e descanso através de Cristo (Ef 2.4-5). Paulo afirma um grande gesto de misericórdia de Deus quando “havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz” (Cl 2.14).
Uma das mais belas histórias que retrata a misericórdia de Deus e que reflete exatamente o que Ele fez e faz por nós é a história de Nínive, retratada pelo profeta Jonas. Nela, a pecaminosidade daquela cidade extrapolou os limites da alienação humana, atraindo a justiça e a ira de Deus; mas, mediante a pregação dura do profeta Jonas, a cidade arrependeu-se, e Deus teve misericórdia dela. Isso causou a indignação do profeta, pois a misericórdia de Deus é paradoxalmente oposta a qualquer senso de justiça humano. Apesar disso, o profeta entendeu que a destruição da cidade era a coisa mais correta e justa que Deus poderia fazer (Jn 4.2).
Assim, a misericórdia de Deus faz-se necessária para que o estado de alienação e pecado em que o homem vive não faça com que sua ira e justiça divina irrompam em destruição e morte eterna. A misericórdia interpõe-se entre Deus e o ser humano, entre sua santidade e nossa pecaminosidade, entre aquilo que Deus deveria fazer conosco e aquilo que efetivamente Ele faz. Portanto, a misericórdia de Deus é infinitamente maior do que sua ira (Is 54.8). O nascimento, a vida e a obra de Cristo são a encarnação dessa misericórdia de Deus.
Quando andou na terra, os atos e palavras de Jesus demonstraram intensa compaixão para com os pecadores e com o sofrimento humano, de tal forma que as escrituras afirmam, por várias vezes, que Jesus sentiu compaixão (Mt 15.32; 20.34; Mc 8.2; Lc 7.13; 15.20; Jo 8.11). Baseado nessa misericórdia, o crente pode tranquilizar seu coração quando se sentir perturbado e afligido (Ef 2.4-5) e, quando em pecado, pode alcançar seu perdão e reconciliação (1 Jo 2.1), pois a sua misericórdia alcança-o a cada dia e nunca acaba (Lm 3.22, 23; Is 54.7); todavia, sua misericórdia não deve servir de oportunidade para o pecado (Jo 5.14; Hb 10.27). Certamente, uma das coisas mais difíceis da vida espiritual é receber o perdão de Deus.
Há alguma coisa em nós, humanos, que faz com que nos apeguemos aos nossos pecados e impeçamos que Deus exclua o nosso passado e nos ofereça um recomeçar inteiramente novo. Às vezes, até parece que quero provar a Deus que a minha mesquinhez leva-me a devolver a total dignidade da afiliação; persisto em insistir que conseguirei contentar-me em ser um servo eventual. Receber o perdão exige uma absoluta aceitação para deixar que Deus seja Deus e faça toda a cura, restauração e reparos.47
Quando aceitamos a misericórdia de Deus, também nos tornamos aptos a exercê-la em prol dos outros. Nos homens, o mais baixo grau de qualidade espiritual é a ausência de misericórdia (Rm 1.29-32); por isso, as Escrituras admoestam os crentes a terem entranháveis afetos e compaixões (Fp 2.1), como um sentimento que brota das mais intensas emoções e afetos. Por esse motivo, um dos sinônimos gregos da palavra misericórdia é justamente splanchnizomai (ter dó, ter misericórdia, sentir empatia), cuja raiz splanchna é entranhas, partes internas; por isso mesmo que, na antiguidade, significava a sede das emoções. A Bíblia ensina-nos a expressarmos ternos afetos de misericórdia (Cl 3.12) e declara que os misericordiosos são bem-aventurados e serão beneficiados pela misericórdia (Mt 5.7) quando necessitarem dela. Os escritores bíblicos querem afirmar com isso que a misericórdia deve ser exercida ativamente para com aqueles que não são dignos de amor e deve ser gerada como um sentimento que brota das entranhas, ou seja, extremamente profundo que brota do âmago do ser e que é manifestada em ações concretas de perdão, acolhimento e serviço em relação ao próximo.
AMOR, BONDADE E COMPAIXÃO NA VIDA DO SALVO
A primeira evidência da salvação na vida do crente é a maneira como ele ama a Deus. Esse amor é demonstrado na singela experiência de comunhão íntima com o Senhor (Sl 18.1; 116.1) e na obediência aos seus mandamentos (Dt 10.12; Jo 14.21). A segunda evidência é o amor demonstrado ao seu semelhante, que, conforme João escreveu, é a evidência material de seu amor para com Deus (1 Jo 3.17). Porém, a luta entre o amor e o desamor é acirrada nos corações.
Desde que a serpente disse: “[...] no dia em que dele comerem [do fruto da árvore que está no meio do jardim], seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus, serão conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.5), somos tentados a substituir o amor pelo poder. Jesus viveu essa tentação da maneira mais agonizante possível, do deserto até a cruz.48
O cristão que conhece e entende (racional e relacionalmente) o amor de Deus, reconhecendo-se como um pecador amado e alcançado por Ele, manifestará em seus relacionamentos o mesmo tipo de amor, pois seu amor deriva-se do próprio amor de Deus. Ele é a fonte desse amor que não cessa de jorrar e provê a capacidade de amar sempre de novo, mesmo sob circunstâncias adversas (Rm 5.5; 15.30). Estando em Cristo ou Cristo em nós (Gl 2.20), temos a certeza de que a capacidade de amar apoderou-se de nós e transformou-nos em pessoas amorosas, pois o amor que os seres humanos manifestam tem a sua fonte no amor de Deus.
O Antigo Testamento referiu-se a amar o próximo como a si mesmo (Mt 22.39), e essa realidade é muito difícil de ser atingida, pois o egoísmo e a individualidade fazem transgredir o mandamento. Jesus, porém, coloca outra medida ainda mais alta para o amor. Ele afirmou que deveríamos amar uns aos outros, assim como Ele nos amou (Jo 15.12). Sua medida de amor é entregar-se até à morte por alguém, ou seja, um amor extremado e imensurável. Nossa essência é pecaminosa, e a dEle é amor; amar como Ele amou é permitir que Ele habite em nós de forma tal que submeta nossa natureza caída ao esplendor de sua essência, que é amor. Amar como Ele amou vai além de parecermo-nos com Ele e fazer o que Ele faz. Não aprenderemos amar apenas fazendo o que Ele disse para nós fazermos, mas também permitindo que Ele viva em nós e ame a partir de nós; assim, não aprenderemos cognitivamente, mas aprenderemos vivendo a experiência de amar.
Nós, porém, somente teremos condições de amar como Cristo amou se primeiramente compreendermos a grandeza desse amor, como foi abordado anteriormente no tópico 1 deste capítulo. O motivo pelo qual muitos crentes não conseguem amar é porque nunca entenderam, por mínimo que seja, a grandeza desse amor, ou ainda, porque nunca o experimentaram em suas emoções, as quais não puderam ser tocadas por esse amor.
Sobre a capacidade de compreender o amor de Deus, Frank Macchia escreveu que, para os crentes pentecostais, as línguas faladas como evidência do batismo no Espírito Santo são uma linguagem de amor em que nosso entendimento tateia desajeitadamente para tentar entender o incomensurável49 e que o pentecostal recebe o batismo no poder do amor de Deus, que lhe preenche, para autotranscender as limitações de criatura, transpor fronteiras e desfrutar sensitiva e emocionalmente o amor santificador de Deus.50 Portanto, uma das maneiras de compreender, com base na experiência, o que é o amor de Deus, é por meio da ajuda do Espírito Santo, pois, humanamente falando, seremos levados a duvidar ou mesmo não compreender esse amor imensurável.
Sygmunt Bauman (1925–2017) afirmou que, para desenvolvermos nosso amor, precisamos ser amados. Não ser amado, recusar o amor, não entender que se é amado ou achar que não é objeto digno do amor alimenta a autoaversão (repugnância de si) porque o “amor-próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros”51; logo, quem se sente amado por Deus também não se ama e não pode amar o próximo. Dessa forma, para amar o próximo, passa-se por um processo de receptividade do amor de Deus, de entender profundamente esse amor, de viver e experimentar constantemente a realidade desse amor, de forma que a profundidade do ser desfrute objetiva e subjetivamente esse amor.
Assim, ao compreendermos o imenso amor de Deus, também seremos capazes de amar o próximo. “A práxis do amor eficaz consegue uma transformação da realidade. Transforma o círculo vicioso da ‘desgraça’ no círculo [divino] da graça, originando uma reação em cadeia de bênçãos.”52 Somente somos emocionalmente sadios se afirmamo-nos diante do nosso próximo como um alguém que cuida de nós e do qual cuidamos. Para superar nossas necessidades humanas, precisamos ser cuidados e cuidar dos outros; assim, garantimos nossa humanidade. Precisamos cuidar do outro para humanizarmo-nos.53 Entretanto, dentro de nós, “temos impulsos para a bondade, a solidariedade, a compaixão, o amor.” Mas, ao mesmo tempo, temos em nós “apelos para o egoísmo, a exclusão, a antipatia e até o ódio. Somos feitos com essas contradições, [...] gente de inteligência e lucidez e paradoxalmente rudeza e violência.”54
Somos inclinados a não amar. Sabemos que não amamos e nem sabemos amar, mas, através da salvação amorosa praticada por Cristo a nosso favor e uma vez convertido a Ele, que negou a si mesmo a sua condição de Deus para assumir a fraqueza humana, é arrancado do nosso coração o ódio e, então, cheio com a capacidade de amar. Assim, devemos ser esforçados para amar. Para isso, muitas vezes precisamos resignar a nós mesmos, suportar, minimizar, perdoar, não usar de violência nas palavras, acolher, cuidar e fazer tudo o que se relaciona ao amor. Como afirmou Fiodor Dostoiévski (1821– 1881), “o amor é um tesouro tão precioso que com ele podes comprar o mundo inteiro, e ainda redimes não só teus pecados, mas também os dos outros. Vai [amando], e não tenhas medo.”55
Amar o próximo como na parábola do Bom Samaritano (Lc 10.30ss) é amar não apenas aquele que escolhemos para ser nosso próximo, mas também aquele que se interpõe a mim, que eu encontro na caminhada e que precisa de mim. É o próximo que define que devo amá-lo (Mt 22.39), e não o meu desejo. O que define quem é meu próximo não é a distância ou a proximidade dele, mas, sim, a necessidade que essa pessoa tem daquilo que, sendo eu cristão, posso oferecer. Jesus muda radicalmente a forma como devemos amar. Ele desafia cada cristão a amar pessoas de etnias diferentes (Lc 10.25ss.); amar pessoas moralmente discriminadas e excluídas, opondo-se à “vanglória legalista e moralista” (Lc 7.34; Mt 21.31; Lc 15.1ss.; 18.11; Mc 2.15-17); amar os inimigos, contrariando o amor “incestuoso”, que não ultrapassa o raio dos próprios parentes e amigos (Mt 5.38-48); e amar os socialmente desprotegidos (contra a ideologia do “cada um por si, Deus por todos” (Mt 20.1-16)).56
Amor e sofrimento andam juntos. Quem ama precisa estar disposto a sofrer, pois as relações com o outro são precárias pelas próprias limitações do ser humano e pelo estado pecaminoso em que todos nós vivemos. Ninguém consegue satisfazer plenamente o outro numa relação, e isso precisa ser entendido para evitar frustrações, rancores e ter de exigir do outro além do que este pode dar, pois isso não é amor, e sim egoísmo. Entretanto, ao mesmo tempo em que as relações são precárias, elas também são uma manifestação do Reino de Deus entre as pessoas. Quando os relacionamentos são saudáveis e comprometidos, há um esforço para cuidar, nutrir, proteger, lutar, socorrer, prover, exercer misericórdia e estabelecer comunhão — tudo na potência desse amor. O apóstolo Pedro afirmou que esse amor é capaz de curar feridas: “[...] tende ardente amor uns para com os outros, porque o amor cobrirá a multidão de pecados” (1 Pe 4.8).
Certo teólogo disse que o sofrimento do amor é quando chegamos a ficar cansados de tanto amar, pois aqueles que precisam do nosso amor levam embora todas as nossas forças, e é exatamente por serem tão carentes é que precisam mais de nosso abraço. Precisa-se estar pronto a sofrer decepções, traições e incompreensões e entregar-se ao próximo em amor sempre novamente (1 Jo 3.14-18). Amar é correr o risco de não ser amado, de colher ingratidão, injúria e ser perseguido pelo mal em nome do amor. “Quanto mais alguém é capaz de uma entrega total, maior e mais forte será o seu amor. Tal entrega supõe extrema coragem, experiência de morte, pois não se retém nada e se mergulha totalmente no outro.”57
Quando Jesus lavou os pés dos discípulos, Ele afirmou que, como Ele havia agido em amor, os discípulos deveriam agir também (Jo 13.14), ou seja, o cristão deve demonstrar na prática a grandeza do amor de Deus, amando com um amor serviçal e sacrificial a todos a sua volta. Essa é a maneira mais grandiosa de demonstrar o verdadeiro discipulado cristão: amar uns aos outros (Jo 13.34).
Dentro dessa realidade de amar como Cristo amou, somos exortados pela Palavra de Deus a levar as cargas uns dos outros (Gl 6.2), a alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram (Rm 12.15), chorar com e pelos que não conseguem chorar e ser sensível ao insensível (Lc 19.41-44). O Novo Testamento descreve mais de 36 vezes, direta e indiretamente, a necessidade relacional de “uns aos outros”, das quais 13 vezes são ligadas diretamente ao amor: lavar os pés (Jo 13.14); amar cordialmente e honrar (Rm 12.10); acolher (Rm 15.7); admoestar (Rm 15.14; Hb 10.25b); mostrar afeto (Rm 16.16; 1 Co 16.20; 2 Co 13.12; 1 Pe 5.14); ser servo (Gl 5.13); suportar (Ef 4.2; Cl 3.13); ser benigno, compassivo e perdoador como Cristo (Ef 4.32); sujeitar-se (Ef 5.21); instruir e aconselhar (Cl 3.16); amar fraternalmente (I Ts 4.9); consolar com palavras (1 Ts 4.18; 5.11); edificar (1 Ts 5.11); exortar no sentido de animar, incitar, aconselhar, persuadir (Hb 3.13); considerar (Hb 10.24); confessar as culpas (Tg 5.16); orar (Tg 5.16); amar de coração ardente (1 Pe 1.22); e servir com dons (1 Pe 4.10). Assim, devemos tratar os outros como se fossem o próprio Jesus e servir os outros como se nós fôssemos Jesus. “Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo, todos morreram” (2 Co 5.14).
SUBSÍDIO LEXICOGRÁFICO
Misericórdia
“No Antigo Testamento, a palavra ‘misericórdia’, é a tradução da palavra grega eleos, ou ‘piedade, compaixão, misericórdia’ (veja seu uso em Lucas 10.37; Hebreus 4.16), e oiktirmos, isto é, ‘companheirismo em meio ao sofrimento’ (veja seu uso em Filipenses 2.1; Colossenses 3.12; Hebreus 10.28).
No Antigo Testamento, este termo representa duas raízes distintas: rehem, que pode significar maciez, ‘o ventre’, referindo-se, portanto, à compaixão materna (1Rs 3.26, ‘entranhas’), e hesed, que significa força permanente (Sl 59.16; 62.12; 144.2) ou ‘mútua obrigação ou solidariedade das partes relacionadas’ — portanto, lealdade. A primeira forma expressa a bondade de Deus, particularmente em relação àqueles que estão em dificuldades (Gn 43.14; Êx 34.6). A segunda expressa a fidelidade do Senhor, ou os laços pelos quais ‘pertencemos’ ou ‘fazemos parte’ do grupo de seus filhos. Seu permanente e imutável amor está subentendido, e se expressa através do termo berit, que significa ‘aliança’ ou ‘testamento’ (Êx 15.13; Dt 7.9; Sl 136.10-24)” (Dicionário Bíblico Wycliffe. 1ª Edição. RJ: CPAD, 2009, p.1290).
SUBSÍDIO TEOLÓGICO
“[...] É preciso compreender e comparar dois aspectos da salvação, que são: o aspecto legal e o aspecto ético e moral. No aspecto legal está a justificação, que trata da quitação da pena do pecado. Significa que a exigência da Lei foi cumprida. Porém, no aspecto moral, está a santificação que trata da vivência cotidiana após a justificação. Como compreender então a relação entre a justificação e a santificação?
Em primeiro lugar, a santificação trata do nosso estado, assim como a justificação trata da nossa posição em Cristo. Observe isto: Na justificação somos declarados justos. Na santificação nos tornamos justos. A justificação é a obra que Deus faz por nós como pecadores. A santificação diz respeito ao que Deus faz em nós. Pela justificação somos colocados numa correta e legal relação com Deus. Na santificação aparecem os frutos dessa relação com Deus. Pela justificação nos é outorgada a segurança. Pela santificação nos é outorgada a confiança na segurança. Em segundo lugar, a santificação envolve, também, o aspecto posicional. Na justificação o crente é visto em posição legal por causa do cumprimento da Lei, na santificação o crente é visto em posição moral e espiritual. Posicionalmente, o crente é visto nesses dois aspectos abordados que são: o legal e o moral. Legalmente, ele se torna justo pela obra justificadora de Jesus Cristo. Moralmente, ele se torna santo por obra do Espírito Santo” (CABRAL, Elienai. Romanos: O Evangelho da Justiça de Deus. 5ª Edição. RJ: CPAD, 2005, pp.73,74).
Fonte:
A partir de seu amor misericordioso, aprouve a Deus enviar seu Filho para morrer em lugar da humanidade.
Texto Bíblico - 1 João 4.13-19
Deus é um ser único e incomparável em um nível muito superior ao que conhecemos simplesmente por Ele ser Deus. Os critérios que Ele usa para definir o que Ele faz pelo ser humano não estão condicionados ao que o ser humano pode fazer por Ele e o quanto o ser humano pode amá-lo e corresponder a esse amor. Da mesma forma, sua misericórdia não encontra eco nas ações humanas que possam ter como objetivo algum merecimento, mas, exclusivamente, porque Ele é amor e exerce misericórdia deliberada e voluntariamente.
A salvação é a culminação do imenso amor e da misericórdia de Deus e somente é possível porque Deus amou o pecador infinitamente a ponto de entregar seu filho e continuamente tem misericórdia de seus filhos preservando-lhes a vida e concedendo-lhes perdão.
O MARAVILHOSO AMOR DE DEUS
O amor não é um atributo divino assim como os demais que lhe são próprios por ser Deus, pois o amor é a própria natureza e essência de Deus (1Jo 4.16). Sua principal característica é simplesmente ser amor e criar, manter e gerir todas as coisas sob essa essência. Deus não precisa esforçar-se para amar, pois nEle não se manifestam o ódio nem a raiva como nos seres humanos. Todavia, a Bíblia afirma que Deus manifesta ira, furor e punição, só que esses são frutos de sua justiça exercida com equidade, e não de qualquer patologia como nos homens. Essas manifestações são a consequência natural da alienação (separação) do homem de Deus, pois ninguém consegue viver alienado de Deus sem sofrer as consequências naturais desse afastamento.
Ele não ama com base na capacidade de alguém amá-lo. Ele não se envolve com base na capacidade de alguém se envolver com Ele. Ele não se doou baseado na capacidade de alguém se doar. Ele não espera ser correspondido para continuar oferecendo graça. Se Ele dependesse da correspondência humana para retroalimentar sua atitude graciosa, Deus seria um ser finito e limitado, dependente de fontes externas para estabelecer-se, mas não! Sua graça é infinita porque Ele não tem fim. Essa graça emana dEle, e é Ele próprio que a mantém, e também é Ele quem gera a energia permanente e transformadora dessa graça que Ele ofertou.
Nos seres humanos, o amor é uma força interior que impele ao autossacrifício e ao bem-estar do sujeito amado, que leva a nutrir, cuidar e proteger o ser que é alvo desse amor. O amor é a mais extremada e profunda forma possível de expressão do sujeito e também a mais incrível e gratificante forma de intimidade nas relações pessoais — nesse caso, baseada em relações de troca e em mutualidade. Até mesmo o amor de mãe, por mais sublime, altruísta e abnegado que seja, autorrealiza-se no bem-estar do filho/a amado/a (Is 49.15-16). Portanto, em certo sentido, o amor de mãe também é baseado em troca quando ela vê refletido em si mesma o seu cuidado no objeto do amor. O amor de Deus, porém, vai além dessa categoria humana de amar que tem como base a troca, pois o seu amor, mesmo não correspondido, não depende disso, tendo em vista que nenhuma criatura é capaz de amá-lo nem corresponder ao seu amor na mesma intensidade que Ele ama. Por isso, o amor de Deus é o que teologicamente se chama de incondicional, pois Ele ama sem ser amado, doa-se sem receber nada em troca, sacrifica-se sem ser reconhecido, entrega-se sem ser correspondido e tudo espera mesmo não recebendo nada. No grego, essa forma de amor é grafada com o verbo agapao e o substantivo ágape.
Somos apenas o alvo dessa graça que provém dEle e que é sustentada por Ele. Só é preciso estar disposto a cumprir o papel para o qual fomos designados, que é ser alvo dessa graça, desse favor, permitir que ela passe por nós, atravesse-nos e cumpra o papel designado a ela para cumprir em nós e por nós. Deus não ama porque merecemos, não importa o que façamos ou deixemos de fazer. Deus ama porque Ele é amor. Logo, não amar significaria negar sua própria essência, significaria Deus negar-se a si mesmo. Ao amar, Deus está apenas sendo leal a Ele mesmo. Ele não se doa por uma obrigação de ofício, mas, sim, pelo prazer de poder, mais uma vez e de novo, manifestar-se assim como Ele é. Quando Ele ama, simplesmente reafirma quem Ele é. Deus é amor, e sua graça será sempre derramada não por merecimento, mas, sim, porque Ele nunca deixará de ser quem Ele é. Eis aí algo que parece que Deus não pode fazer: Ele não pode escolher não amar, pois isso fere sua essência.
Deus ama não somente a criança abandonada, a menina abusada, aquele que foi morto por uma bala perdida, a mulher que teve sua casa incendiada pelo marido com ela dentro, mas Ele também ama aquele que abandonou a criança, o que abusou da menina, o que apertou o gatilho, o que incendiou a casa, embora Ele abomine essas atitudes e aja com justiça contra os maldosos. Deus amou aquele que não o reconheceu, aquele que o rejeitou, aquele que o traiu, aquele que o negou. O mundo não é um lugar belo e digno de ser amado, tem muito ódio e malignidade, mas, mesmo assim, Deus amouo. Por esse motivo, Jesus disse: “[...] sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13.1).
Jesus amou os do mundo exatamente como eles eram, sem fantasiar esse amor, sem ser enganado, pois conhecia o coração deles (Mc 12.15; Lc 11.17). Por isso mesmo, Deus não está iludido em relação a nós. Ele sabe quem nós somos, que pecamos, que temos dificuldade para amar, que muitas vezes viramos as costas para Ele; mas, assim mesmo, Ele continua e continuará amando incondicionalmente. Quando o homem disse “não” para Deus, só houve um jeito de Deus trazê-lo para si: dando as costas para si mesmo e encarnando como homem. Dizer “não” para si mesmo para dizer “sim” ao ser humano a quem Ele ama.
Um dos mais belos textos bíblicos do Antigo Testamento que exemplifica esse amor de Deus é a vida parabólica de Oseias, o profeta que toma para si uma mulher totalmente indigna de ser amada e, mesmo assim, ela é amada por ele, apesar das suas estripulias, traições, amantes e repulsas pelo profeta. Ele toma todas as medidas para que a sua esposa venha amá-lo; vai ao encontro dela, recompra-a no mercado de prostituição, leva-a para casa e cuida dela com um amor incondicional e não correspondido. Deus quer mostrar ao seu povo que, apesar de não serem merecedores do seu amor, Ele, assim mesmo, ainda continuaria amando-os (Os 11.8-9). O amor de Deus manifesta-se terno e compassivo, muito acima do amor humano, que é apenas responsivo. Em Oseias, Deus solicitou ao profeta que Ele fizesse uma demonstração real do seu amor para com seu povo, atestando, assim, que Deus ama mesmo que o alvo do seu amor seja totalmente perverso e indiferente (Os 11.1-4).
Deus é amor (1Jo 4.8, 16) e, por esse motivo, Deus prossegue amando até à morte, como demonstrado na própria morte de Cristo (Gl 2.20; Rm 5.8; 2Co 5.14). Ele é a própria essência do amor; nós, seres humanos, somos apenas dotados com a capacidade de amar, mas Ele é o próprio amor. O objeto desse amor é o mundo todo destinado à salvação (Jo 3.16) mediante a pregação do evangelho (At 1.8), ou seja, toda a criação existente, incluindo, logicamente, o homem.
Diferentemente de outras crenças e religiões cujas divindades precisam ser descobertas (no sentido de não se revelarem) e agradadas para aplacar-lhes sua ira patológica, a cristandade tem seu fundamento em um Deus que se revela e que deseja que a humanidade venha conhecê-lo. Essa revelação baseia-se em amor, pois não são as criaturas que amam para que Deus venha amá-las, mas é o Deus verdadeiro que as ama para, a partir desse amor, seus filhos venham amá-lo por terem sido amados primeiro (Jr 31.3). O objeto do amor, o ser humano, não tem nada para ser amado; portanto, o amor de Deus é espontâneo e ilimitado.
Os evangelhos não apenas descreveram ditames morais e éticos, mas também estão repletos de ações de Jesus que revelam o amor de Deus. Quando seus discípulos pediram para que Ele mostrasse o Pai, Jesus respondeu: “Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14.9). Foi por isso que Ele compadeceu-se dos pobres e marginalizados, curou os doentes, deu vista aos cegos, libertou os oprimidos do Diabo e estava sempre pronto para receber os mais miseráveis pecadores (Lc 15.11). Tudo isso aponta para o grande amor de Deus para com aqueles que não têm forças por si só de atraírem o amor e o cuidado dos outros (Lc 7.34), pois são indignos de serem amados pela seletividade do egoísmo e da individualidade humana; entretanto, Deus ama essas pessoas em Cristo Jesus.
É baseado nesse amor que o crente tem a sua segurança da salvação. É na revelação desse amor que ele firma sua confiança em Deus, que lhe ama incondicionalmente. Isso traz uma grande responsabilidade para o crente amar a Deus mesmo sabendo que seu amor é incondicional. Muitos têm medo de expor com clareza o amor de Deus porque os crentes podem abusar desse amor, entendendo que Ele amará do mesmo jeito, e, assim, eles aproveitarão para pecar; e Ele amará mesmo, mas é impossível entender o amor de Deus e não ser constrangido à obediência por amor (2Co 5.14). Quem não se sujeita obedientemente a esse amor é porque, na verdade, não o compreendeu nem o experimentou. É preferível servir a Deus por amor a servir baseado em ideias de medo e punição que são alienadoras e mentirosas em relação ao que Deus realmente é. Foi por isso que Oseias escreveu: “Atraí-os com cordas humanas, com cordas de amor; e fui para eles como os que tiram o jugo de sobre as suas queixadas; e lhes dei mantimento” (Os 11.4).
UM DEUS MISERICORDIOSO
A misericórdia de Deus é necessária em face da miserabilidade do homem. Por esse motivo, a Bíblia refere-se a Deus como o Pai das misericórdias (2 Co 1.3), de forma que tudo o que Ele faz é permeado por sua misericórdia (Sl 145.9), especialmente a obra de salvação pela qual estamos salvos (Tt 3.5). Assim, a misericórdia é a fidelidade de Deus para com a aliança de amor estabelecida com a humanidade (Sl 89.28) apesar da infidelidade e da indignidade desta.
Em grego, eleos (correspondente hebraico de hesed) significa expressar compaixão para com aqueles que sofrem alguma necessidade, ou que estão em extrema angústia, ou que estão em dívida e não encontram uma solução favorável. Este, portanto, é o significado da misericórdia referindo-se a Deus (Sl 103.13): a raça humana encontra-se em profunda angústia e dívida, merecendo a condenação eterna; Deus, no entanto, compadece-se dela fazendo irromper sua misericórdia em meio à desgraça humana simplesmente porque é um Deus de misericórdia e, então, traz-lhes perdão, alívio e descanso através de Cristo (Ef 2.4-5). Paulo afirma um grande gesto de misericórdia de Deus quando “havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz” (Cl 2.14).
Uma das mais belas histórias que retrata a misericórdia de Deus e que reflete exatamente o que Ele fez e faz por nós é a história de Nínive, retratada pelo profeta Jonas. Nela, a pecaminosidade daquela cidade extrapolou os limites da alienação humana, atraindo a justiça e a ira de Deus; mas, mediante a pregação dura do profeta Jonas, a cidade arrependeu-se, e Deus teve misericórdia dela. Isso causou a indignação do profeta, pois a misericórdia de Deus é paradoxalmente oposta a qualquer senso de justiça humano. Apesar disso, o profeta entendeu que a destruição da cidade era a coisa mais correta e justa que Deus poderia fazer (Jn 4.2).
Assim, a misericórdia de Deus faz-se necessária para que o estado de alienação e pecado em que o homem vive não faça com que sua ira e justiça divina irrompam em destruição e morte eterna. A misericórdia interpõe-se entre Deus e o ser humano, entre sua santidade e nossa pecaminosidade, entre aquilo que Deus deveria fazer conosco e aquilo que efetivamente Ele faz. Portanto, a misericórdia de Deus é infinitamente maior do que sua ira (Is 54.8). O nascimento, a vida e a obra de Cristo são a encarnação dessa misericórdia de Deus.
Quando andou na terra, os atos e palavras de Jesus demonstraram intensa compaixão para com os pecadores e com o sofrimento humano, de tal forma que as escrituras afirmam, por várias vezes, que Jesus sentiu compaixão (Mt 15.32; 20.34; Mc 8.2; Lc 7.13; 15.20; Jo 8.11). Baseado nessa misericórdia, o crente pode tranquilizar seu coração quando se sentir perturbado e afligido (Ef 2.4-5) e, quando em pecado, pode alcançar seu perdão e reconciliação (1 Jo 2.1), pois a sua misericórdia alcança-o a cada dia e nunca acaba (Lm 3.22, 23; Is 54.7); todavia, sua misericórdia não deve servir de oportunidade para o pecado (Jo 5.14; Hb 10.27). Certamente, uma das coisas mais difíceis da vida espiritual é receber o perdão de Deus.
Há alguma coisa em nós, humanos, que faz com que nos apeguemos aos nossos pecados e impeçamos que Deus exclua o nosso passado e nos ofereça um recomeçar inteiramente novo. Às vezes, até parece que quero provar a Deus que a minha mesquinhez leva-me a devolver a total dignidade da afiliação; persisto em insistir que conseguirei contentar-me em ser um servo eventual. Receber o perdão exige uma absoluta aceitação para deixar que Deus seja Deus e faça toda a cura, restauração e reparos.47
Quando aceitamos a misericórdia de Deus, também nos tornamos aptos a exercê-la em prol dos outros. Nos homens, o mais baixo grau de qualidade espiritual é a ausência de misericórdia (Rm 1.29-32); por isso, as Escrituras admoestam os crentes a terem entranháveis afetos e compaixões (Fp 2.1), como um sentimento que brota das mais intensas emoções e afetos. Por esse motivo, um dos sinônimos gregos da palavra misericórdia é justamente splanchnizomai (ter dó, ter misericórdia, sentir empatia), cuja raiz splanchna é entranhas, partes internas; por isso mesmo que, na antiguidade, significava a sede das emoções. A Bíblia ensina-nos a expressarmos ternos afetos de misericórdia (Cl 3.12) e declara que os misericordiosos são bem-aventurados e serão beneficiados pela misericórdia (Mt 5.7) quando necessitarem dela. Os escritores bíblicos querem afirmar com isso que a misericórdia deve ser exercida ativamente para com aqueles que não são dignos de amor e deve ser gerada como um sentimento que brota das entranhas, ou seja, extremamente profundo que brota do âmago do ser e que é manifestada em ações concretas de perdão, acolhimento e serviço em relação ao próximo.
AMOR, BONDADE E COMPAIXÃO NA VIDA DO SALVO
A primeira evidência da salvação na vida do crente é a maneira como ele ama a Deus. Esse amor é demonstrado na singela experiência de comunhão íntima com o Senhor (Sl 18.1; 116.1) e na obediência aos seus mandamentos (Dt 10.12; Jo 14.21). A segunda evidência é o amor demonstrado ao seu semelhante, que, conforme João escreveu, é a evidência material de seu amor para com Deus (1 Jo 3.17). Porém, a luta entre o amor e o desamor é acirrada nos corações.
Desde que a serpente disse: “[...] no dia em que dele comerem [do fruto da árvore que está no meio do jardim], seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus, serão conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.5), somos tentados a substituir o amor pelo poder. Jesus viveu essa tentação da maneira mais agonizante possível, do deserto até a cruz.48
O cristão que conhece e entende (racional e relacionalmente) o amor de Deus, reconhecendo-se como um pecador amado e alcançado por Ele, manifestará em seus relacionamentos o mesmo tipo de amor, pois seu amor deriva-se do próprio amor de Deus. Ele é a fonte desse amor que não cessa de jorrar e provê a capacidade de amar sempre de novo, mesmo sob circunstâncias adversas (Rm 5.5; 15.30). Estando em Cristo ou Cristo em nós (Gl 2.20), temos a certeza de que a capacidade de amar apoderou-se de nós e transformou-nos em pessoas amorosas, pois o amor que os seres humanos manifestam tem a sua fonte no amor de Deus.
O Antigo Testamento referiu-se a amar o próximo como a si mesmo (Mt 22.39), e essa realidade é muito difícil de ser atingida, pois o egoísmo e a individualidade fazem transgredir o mandamento. Jesus, porém, coloca outra medida ainda mais alta para o amor. Ele afirmou que deveríamos amar uns aos outros, assim como Ele nos amou (Jo 15.12). Sua medida de amor é entregar-se até à morte por alguém, ou seja, um amor extremado e imensurável. Nossa essência é pecaminosa, e a dEle é amor; amar como Ele amou é permitir que Ele habite em nós de forma tal que submeta nossa natureza caída ao esplendor de sua essência, que é amor. Amar como Ele amou vai além de parecermo-nos com Ele e fazer o que Ele faz. Não aprenderemos amar apenas fazendo o que Ele disse para nós fazermos, mas também permitindo que Ele viva em nós e ame a partir de nós; assim, não aprenderemos cognitivamente, mas aprenderemos vivendo a experiência de amar.
Nós, porém, somente teremos condições de amar como Cristo amou se primeiramente compreendermos a grandeza desse amor, como foi abordado anteriormente no tópico 1 deste capítulo. O motivo pelo qual muitos crentes não conseguem amar é porque nunca entenderam, por mínimo que seja, a grandeza desse amor, ou ainda, porque nunca o experimentaram em suas emoções, as quais não puderam ser tocadas por esse amor.
Sobre a capacidade de compreender o amor de Deus, Frank Macchia escreveu que, para os crentes pentecostais, as línguas faladas como evidência do batismo no Espírito Santo são uma linguagem de amor em que nosso entendimento tateia desajeitadamente para tentar entender o incomensurável49 e que o pentecostal recebe o batismo no poder do amor de Deus, que lhe preenche, para autotranscender as limitações de criatura, transpor fronteiras e desfrutar sensitiva e emocionalmente o amor santificador de Deus.50 Portanto, uma das maneiras de compreender, com base na experiência, o que é o amor de Deus, é por meio da ajuda do Espírito Santo, pois, humanamente falando, seremos levados a duvidar ou mesmo não compreender esse amor imensurável.
Sygmunt Bauman (1925–2017) afirmou que, para desenvolvermos nosso amor, precisamos ser amados. Não ser amado, recusar o amor, não entender que se é amado ou achar que não é objeto digno do amor alimenta a autoaversão (repugnância de si) porque o “amor-próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros”51; logo, quem se sente amado por Deus também não se ama e não pode amar o próximo. Dessa forma, para amar o próximo, passa-se por um processo de receptividade do amor de Deus, de entender profundamente esse amor, de viver e experimentar constantemente a realidade desse amor, de forma que a profundidade do ser desfrute objetiva e subjetivamente esse amor.
Assim, ao compreendermos o imenso amor de Deus, também seremos capazes de amar o próximo. “A práxis do amor eficaz consegue uma transformação da realidade. Transforma o círculo vicioso da ‘desgraça’ no círculo [divino] da graça, originando uma reação em cadeia de bênçãos.”52 Somente somos emocionalmente sadios se afirmamo-nos diante do nosso próximo como um alguém que cuida de nós e do qual cuidamos. Para superar nossas necessidades humanas, precisamos ser cuidados e cuidar dos outros; assim, garantimos nossa humanidade. Precisamos cuidar do outro para humanizarmo-nos.53 Entretanto, dentro de nós, “temos impulsos para a bondade, a solidariedade, a compaixão, o amor.” Mas, ao mesmo tempo, temos em nós “apelos para o egoísmo, a exclusão, a antipatia e até o ódio. Somos feitos com essas contradições, [...] gente de inteligência e lucidez e paradoxalmente rudeza e violência.”54
Somos inclinados a não amar. Sabemos que não amamos e nem sabemos amar, mas, através da salvação amorosa praticada por Cristo a nosso favor e uma vez convertido a Ele, que negou a si mesmo a sua condição de Deus para assumir a fraqueza humana, é arrancado do nosso coração o ódio e, então, cheio com a capacidade de amar. Assim, devemos ser esforçados para amar. Para isso, muitas vezes precisamos resignar a nós mesmos, suportar, minimizar, perdoar, não usar de violência nas palavras, acolher, cuidar e fazer tudo o que se relaciona ao amor. Como afirmou Fiodor Dostoiévski (1821– 1881), “o amor é um tesouro tão precioso que com ele podes comprar o mundo inteiro, e ainda redimes não só teus pecados, mas também os dos outros. Vai [amando], e não tenhas medo.”55
Amar o próximo como na parábola do Bom Samaritano (Lc 10.30ss) é amar não apenas aquele que escolhemos para ser nosso próximo, mas também aquele que se interpõe a mim, que eu encontro na caminhada e que precisa de mim. É o próximo que define que devo amá-lo (Mt 22.39), e não o meu desejo. O que define quem é meu próximo não é a distância ou a proximidade dele, mas, sim, a necessidade que essa pessoa tem daquilo que, sendo eu cristão, posso oferecer. Jesus muda radicalmente a forma como devemos amar. Ele desafia cada cristão a amar pessoas de etnias diferentes (Lc 10.25ss.); amar pessoas moralmente discriminadas e excluídas, opondo-se à “vanglória legalista e moralista” (Lc 7.34; Mt 21.31; Lc 15.1ss.; 18.11; Mc 2.15-17); amar os inimigos, contrariando o amor “incestuoso”, que não ultrapassa o raio dos próprios parentes e amigos (Mt 5.38-48); e amar os socialmente desprotegidos (contra a ideologia do “cada um por si, Deus por todos” (Mt 20.1-16)).56
Amor e sofrimento andam juntos. Quem ama precisa estar disposto a sofrer, pois as relações com o outro são precárias pelas próprias limitações do ser humano e pelo estado pecaminoso em que todos nós vivemos. Ninguém consegue satisfazer plenamente o outro numa relação, e isso precisa ser entendido para evitar frustrações, rancores e ter de exigir do outro além do que este pode dar, pois isso não é amor, e sim egoísmo. Entretanto, ao mesmo tempo em que as relações são precárias, elas também são uma manifestação do Reino de Deus entre as pessoas. Quando os relacionamentos são saudáveis e comprometidos, há um esforço para cuidar, nutrir, proteger, lutar, socorrer, prover, exercer misericórdia e estabelecer comunhão — tudo na potência desse amor. O apóstolo Pedro afirmou que esse amor é capaz de curar feridas: “[...] tende ardente amor uns para com os outros, porque o amor cobrirá a multidão de pecados” (1 Pe 4.8).
Certo teólogo disse que o sofrimento do amor é quando chegamos a ficar cansados de tanto amar, pois aqueles que precisam do nosso amor levam embora todas as nossas forças, e é exatamente por serem tão carentes é que precisam mais de nosso abraço. Precisa-se estar pronto a sofrer decepções, traições e incompreensões e entregar-se ao próximo em amor sempre novamente (1 Jo 3.14-18). Amar é correr o risco de não ser amado, de colher ingratidão, injúria e ser perseguido pelo mal em nome do amor. “Quanto mais alguém é capaz de uma entrega total, maior e mais forte será o seu amor. Tal entrega supõe extrema coragem, experiência de morte, pois não se retém nada e se mergulha totalmente no outro.”57
Quando Jesus lavou os pés dos discípulos, Ele afirmou que, como Ele havia agido em amor, os discípulos deveriam agir também (Jo 13.14), ou seja, o cristão deve demonstrar na prática a grandeza do amor de Deus, amando com um amor serviçal e sacrificial a todos a sua volta. Essa é a maneira mais grandiosa de demonstrar o verdadeiro discipulado cristão: amar uns aos outros (Jo 13.34).
Dentro dessa realidade de amar como Cristo amou, somos exortados pela Palavra de Deus a levar as cargas uns dos outros (Gl 6.2), a alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram (Rm 12.15), chorar com e pelos que não conseguem chorar e ser sensível ao insensível (Lc 19.41-44). O Novo Testamento descreve mais de 36 vezes, direta e indiretamente, a necessidade relacional de “uns aos outros”, das quais 13 vezes são ligadas diretamente ao amor: lavar os pés (Jo 13.14); amar cordialmente e honrar (Rm 12.10); acolher (Rm 15.7); admoestar (Rm 15.14; Hb 10.25b); mostrar afeto (Rm 16.16; 1 Co 16.20; 2 Co 13.12; 1 Pe 5.14); ser servo (Gl 5.13); suportar (Ef 4.2; Cl 3.13); ser benigno, compassivo e perdoador como Cristo (Ef 4.32); sujeitar-se (Ef 5.21); instruir e aconselhar (Cl 3.16); amar fraternalmente (I Ts 4.9); consolar com palavras (1 Ts 4.18; 5.11); edificar (1 Ts 5.11); exortar no sentido de animar, incitar, aconselhar, persuadir (Hb 3.13); considerar (Hb 10.24); confessar as culpas (Tg 5.16); orar (Tg 5.16); amar de coração ardente (1 Pe 1.22); e servir com dons (1 Pe 4.10). Assim, devemos tratar os outros como se fossem o próprio Jesus e servir os outros como se nós fôssemos Jesus. “Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo, todos morreram” (2 Co 5.14).
SUBSÍDIO LEXICOGRÁFICO
Misericórdia
“No Antigo Testamento, a palavra ‘misericórdia’, é a tradução da palavra grega eleos, ou ‘piedade, compaixão, misericórdia’ (veja seu uso em Lucas 10.37; Hebreus 4.16), e oiktirmos, isto é, ‘companheirismo em meio ao sofrimento’ (veja seu uso em Filipenses 2.1; Colossenses 3.12; Hebreus 10.28).
No Antigo Testamento, este termo representa duas raízes distintas: rehem, que pode significar maciez, ‘o ventre’, referindo-se, portanto, à compaixão materna (1Rs 3.26, ‘entranhas’), e hesed, que significa força permanente (Sl 59.16; 62.12; 144.2) ou ‘mútua obrigação ou solidariedade das partes relacionadas’ — portanto, lealdade. A primeira forma expressa a bondade de Deus, particularmente em relação àqueles que estão em dificuldades (Gn 43.14; Êx 34.6). A segunda expressa a fidelidade do Senhor, ou os laços pelos quais ‘pertencemos’ ou ‘fazemos parte’ do grupo de seus filhos. Seu permanente e imutável amor está subentendido, e se expressa através do termo berit, que significa ‘aliança’ ou ‘testamento’ (Êx 15.13; Dt 7.9; Sl 136.10-24)” (Dicionário Bíblico Wycliffe. 1ª Edição. RJ: CPAD, 2009, p.1290).
SUBSÍDIO TEOLÓGICO
“[...] É preciso compreender e comparar dois aspectos da salvação, que são: o aspecto legal e o aspecto ético e moral. No aspecto legal está a justificação, que trata da quitação da pena do pecado. Significa que a exigência da Lei foi cumprida. Porém, no aspecto moral, está a santificação que trata da vivência cotidiana após a justificação. Como compreender então a relação entre a justificação e a santificação?
Em primeiro lugar, a santificação trata do nosso estado, assim como a justificação trata da nossa posição em Cristo. Observe isto: Na justificação somos declarados justos. Na santificação nos tornamos justos. A justificação é a obra que Deus faz por nós como pecadores. A santificação diz respeito ao que Deus faz em nós. Pela justificação somos colocados numa correta e legal relação com Deus. Na santificação aparecem os frutos dessa relação com Deus. Pela justificação nos é outorgada a segurança. Pela santificação nos é outorgada a confiança na segurança. Em segundo lugar, a santificação envolve, também, o aspecto posicional. Na justificação o crente é visto em posição legal por causa do cumprimento da Lei, na santificação o crente é visto em posição moral e espiritual. Posicionalmente, o crente é visto nesses dois aspectos abordados que são: o legal e o moral. Legalmente, ele se torna justo pela obra justificadora de Jesus Cristo. Moralmente, ele se torna santo por obra do Espírito Santo” (CABRAL, Elienai. Romanos: O Evangelho da Justiça de Deus. 5ª Edição. RJ: CPAD, 2005, pp.73,74).
Livro de Apoio - 4º Trim/17 – A Obra da Salvação - Claiton Ivan Pommerening
Lições Bíblicas Adultos 4º trimestre/17 - A Obra da Salvação — Jesus Cristo é o caminho, a verdade e a vida – Comentarista: Claiton Ivan Pommerening
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