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sábado, 20 de janeiro de 2018

A superioridade de Jesus em relação a Moisés

“Porque ele é tido por digno de tanto maior glória do que Moisés, quanto maior honra do que a casa tem aquele que a edificou” Hb 3.3

A superioridade de Jesus em relação a Moisés

Explicando o capítulo 3

O capítulo 3 de Hebreus está na seção que aborda a supremacia do Filho de Deus: 1.4—4.13. Essa parte da carta demarca a supremacia de Jesus em relação a Moisés, o legislador de Israel. Diferentemente de Moisés, que serviu a uma casa, que “não era o tabernáculo, mas os da casa de Deus, ou o povo de Deus como a comunidade da fé” (Comentário Bíblico Pentecostal Novo Testamento, CPAD, p.1557), Jesus Cristo é o construtor dessa casa de Deus, enquanto o legislador de Israel fazia parte dela.

Podemos retomar essa abordagem no Evangelho de Mateus, no capítulo 16, e no versículo 18: “edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18). Atenção para o verbo “edificarei” e o pronome possessivo “minha”. É Cristo quem construiu, edificou e ergueu o povo de Deus, por isso, esse povo pertence a Ele; diferentemente de Moisés, que embora fosse uma figura proeminente entre os judeus, um líder exemplar, ele não edificou o povo de Deus, mas se achou parte dele.

Portanto, o escritor de Hebreus faz um apelo aos leitores de sua carta, que diferentemente dos judeus do deserto que não atentaram para as palavras de Moisés, os seguidores de Cristo atentem para o mandamento do Filho, o edificador do povo de Deus, e não se deixem endurecer pelo engano do pecado. Revista Ensinador Cristão nº73

Leitura Bíblica - Hebreus 3.1-19

Cristo em tudo foi superior a Moisés na Casa de Deus, pois enquanto o legislador hebreu foi um mordomo, o Salvador foi o dono.



Comentário de Hebreus 3.1-19

Neste capítulo, o autor de Hebreus faz um contraste entre Jesus e Moisés. O objetivo é chamar a atenção dos leitores para a importância e a urgência da mensagem cristã. Moisés era lembrado e reverenciado não apenas por ter sido um grande legislador hebreu, mas também como um servo que se sacrificou em prol do seu povo. Ele foi um bom mordomo na casa de Deus. No Antigo Testamento, o povo de Israel era considerado a família de Deus e foi por essa famí­lia que Moisés sacrificou-se. Mas o que representava os esforços de Moisés, que era um simples servo na casa de Deus, diante de Jesus, o bendito Filho de Deus, que voluntariamente deu sua própria vida em resgate do mundo?

Como aconteceu na trajetória do êxodo, os cristãos hebreus estavam repetindo os mesmos erros cometidos pelos seus antepassados. Cari B. Gibbs destaca que

"muitos dos leitores da Epístola aos Hebreus estavam em perigo de rejeitar a Cristo e voltar ao judaísmo. Sabendo disso, o autor que conhecia a história de Moisés muito bem fez uma comparação entre a decisão tomada no tempo de Moisés e uma decisão atual. Quis ele despertar a atenção dos seus leitores para o fato de que assim como os filhos de Israel se revelaram contra Moisés, decidindo por voltar para o Egito, a mesma coisa estaria acontecendo com os cristãos hebreus que estavam na iminência de abandonar a Cristo e voltar ao seu antigo modo de vida (Hb 2.15). Assim como os israelitas tiveram que peregrinar durante penosos quarenta anos, como paga da sua desobediência, os hebreus cristãos estavam correndo o perigo de serem cortados da videira verdadeira (Jesus Cristo) e serem lançados no fogo da perdição eterna”.1

"Pelo que, irmãos santos, participantes da vocação celestial, considerai a Jesus Cristo, apóstolo e sumo sacerdote da nossa confissão" (v. 1). Tendo chegado à conclusão de seus argumentos no final do capitulo 2 de sua epístola, o autor dirige-se a seus leitores chamando-os de "irmãos santos". Os lexicógrafos Liddel e Scott destacam que, no grego clássico, esse vocábulo (santos, gr. hágios) possuía o sentido de algo devotado à divindade e era traduzido como sagrado, santo. Era usado tanto em relação a coisas quanto a pessoas. Quando usado em referência a pessoas, possuía o sentido de santo, puro.2  No contexto do Novo Testamento, a palavra "santos” tem o sentido de algo ou alguém que foi separado para servir exclusivamente a Deus. Não pode ser usado ou estar a serviço de outra coisa. Essa santificação possui dois aspectos. Ela pode ser posicionai, aquilo que, no Novo Testamento, é descrito como "estar em Cristo” (2 Co 5.17), e também progressiva, identificando aqueles que receberam Cristo como Salvador e, a partir daí, passam a andar nEle (Cl 2.6). Na carta aos Hebreus, aparecem ambos os sentidos.

Os crentes são exortados e lembrados que são participantes da vocação celestial. A palavra vocação traduz o termo grego klesis, que ocorre 11 vezes no Novo Testamento grego. Uma dessas ocorrências aparece na primeira carta de Pedro 1.10 com o sentido de chamada, vocação, e é usado em conjunto com ekloge, termo traduzido como eleição. "Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação [klesis] e eleição [ekloge]', porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis". Fomos chamados a participar da eleição em Cristo Jesus. Fomos eleitos em Cristo e, enquanto permanecermos nEle, estaremos seguros. Somos exortados a ser fiéis a esse chamado, tendo sempre em mente que a necessidade de vigilância deve estar sempre presente para evitar o decair da fé.

O autor destaca que Jesus Cristo é o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão. O apóstolo era alguém enviado em uma missão, enquanto o sacerdote atuava como um representante dos homens diante de Deus. Jesus exerceu essas funções mais do que qualquer outra pessoa do antigo pacto. Na sua missão salvífica, Ele foi constituído por Deus como o grande Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa salvação. A palavra “confissão” (gr. homologia) significa, também, concordância. Aqui, é usado no sentido da profissão de fé, isto é, a fé cristã abraçada pelos crentes hebreus.3  John Wesley (170 3-1791) traduziu a palavra apóstolo aqui como “o mensageiro de Deus, que pleiteia a causa de Deus conosco”, e o sumo sacerdote como aquele que "defende nossa causa com Deus”. Wesley lembra que ambos estão contidos na palavra “mediador" e que o autor "compara Cristo, o Apóstolo, com Moisés; e o Sacerdote, com Arão. Ambos os ofícios que Moisés e Arão exerciam, e Cristo carregou-os juntos e de forma muito mais eficaz".4

“Sendo fiel ao que o constituiu, como também o foi Moisés em toda a sua casa” (v. 2). O versículo 2 é uma referência a Números 12.7. Nesse contexto, o termo "casa" também significa família e é aplicada em relação ao povo de Deus na antiga aliança. O autor lembra que Moisés foi um mordomo fiel na casa de Deus durante a peregrinação no deserto e usa essa metáfora como uma analogia da missão de Jesus, o Filho de Deus. Jesus, assim como Moisés, também foi fiel sobre a casa de Deus — a Igreja — , mas as semelhanças entre Jesus e Moisés param por aí porque Jesus em tudo é superior ao grande legislador hebreu.

“Porque ele é tido por digno de tanto maior glória do que Moisés, quanto maior honra do que a casa tem aquele que a edificou" (v. 3). Adam Clarke destaca que

"não há dúvida de que um homem que constrói uma casa para sua comodidade é mais honrável que a casa mesma; mas a casa aqui se refere à Igreja de Deus. Essa igreja, aqui denominada casa, ou "família", está edificada por Cristo; portanto, Ele deve ser maior que Moisés, que era somente um membro e oficial dessa igreja”.5

"Porque toda casa é edificada por alguém, mas o que edificou todas as coisas é Deus” (v. 4). Tomando o termo “casa" com o sinônimo de "família", o autor mostra que o homem, na sua função gregária, constrói famílias, comunidades, etc., mas, na verdade, Deus que é o cabeça de toda a raça.

“E, na verdade, Moisés foi fiel em toda a sua casa, como servo, para testemunho das coisas que se haviam de anunciar” (v. 5). O autor novamente volta à figura de Moisés. O argumento do autor é simples e objetivo: Moisés foi um servo dedicado na casa de Deus. Ele procurou seguir com diligência e fazer com que o povo seguisse as diretrizes da Lei de Deus. Todavia, Moisés era um coadjuvante onde Jesus seria o ator principal. Moisés era uma sombra, Jesus é a realidade. O versículo 6 mostra a Igreja como a casa de Deus hoje.

"Mas Cristo, como Filho, sobre a sua própria casa; a qual casa somos nós, se tão somente conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até ao fim ” (v. 6). Esse versículo é paralelo a 1Tm 3.15: “Mas, se tardar, para que saibas como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade”. A Igreja de Deus não é um prédio nem qualquer estrutura arquitetônica, mas, sim, o povo comprado com o sangue de Jesus Cristo. Quem faz parte da Igreja precisa demonstrar confiança a fim de poder ter esperança até o fim. O autor tem seu foco no futuro e, ao usar os termos parresia (confiança) e elpis (esperança), ele quer chamar a atenção para esse fato. Ele vê a vida cristã dentro de um contexto escatológico, não imediatista. Donald A. Hegner comenta que

“a palavra confiança (parresia) ocorre quatro vezes em Hebreus, duas vezes em referência ao culto (4.16; 10.19) e outras duas vezes quanto ao modo de enfrentar as dificuldades na vida (aqui e em 10.35). A palavra esperança (elpis) expressa a expectativa futura do autor em contraste com a ‘escatologia realizada’ em Cristo. Aqui, assim como em outras passagens do Novo Testamento, a palavra tem conotações de ‘expectativa confiante’”.6

"Portanto, como diz o Espírito Santo, se ouvirdes hoje a sua voz” (v. 7). O versículo 7 introduz uma citação do Salmo 95.7. O autor toma essas palavras do salmista não apenas como uma advertência para os dias passados, mas também para os seus dias. Isso só era possível graças à inspiração do Espírito Santo sobre as letras sagradas. O autor não queria que aquilo que aconteceu com a geração do êxodo fosse repetido com seus leitores.

“Não endureçais o vosso coração, como na provocação, no dia da tentação no deserto” (v. 8). Charles F. Pfeiffer destaca que “ainda que Moisés tenha sido fiel a Deus, a geração da qual ele formava parte pereceu no deserto. Esse fato serviu como advertência à geração que escutou o evangelho de Cristo e esteve em perigo de rejeitá-lo”.7  O autor de Hebreus mostra claramente nesse texto que é a própria pessoa que endurece (gr. sklerynÔ) o seu coração. Essa mesma palavra ocorre em Romanos 9.18, dizendo que Deus “endurece a quem quer". Esse texto de Romanos 9.18, juntamente com o da carta aos Hebreus, forma um paralelo com os textos de Atos 19.9 e 7.51, onde os judeus “endureceram” seus corações para não aceitar a Palavra de Deus. Em ambos os textos, a palavra "endurecer" procede da mesma raiz grega skleros (endurecer), que, por sua vez, dá origem à palavra portuguesa esclerose. O contexto deixa claro que Deus só endurece quem já está endurecido. Noutras palavras, quem resiste à sua Palavra será endurecido por ela.

"Onde vossos pais me tentaram, me provaram e viram, por quarenta anos, as minhas obras” (v. 9). O versículo 9 explica as razões desse endurecimento. O autor tem em mente a rota do êxodo, que cobriu um período de 40 anos. Nessa trajetória, os israelitas presenciaram milagres, sinais e maravilhas, mas não se sentiram convencidos por eles. A tradução do expositor Philip Edgcum be Hughes (1915-1990) expressa melhor o sentido do texto: “fui provocado durante quarenta anos”.8  Essa provocação produziu endurecimento, e a desobediência contumaz provocou a ira de Deus.

"Por isso, me indignei contra esta geração e disse: Estes sempre erram em seu coração e não conheceram os meus caminhos” (v. 10). Como foi mostrado, essa desobediência repetitiva provocou a ira divina. A consequência dessa desobediência e rebeldia foi a privação de entrarem na Terra Prometida.

“Assim, jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso” (v. 11). O autor faz um paralelo entre a desobediência dos antigos hebreus com aqueles seus dias. Adam Clarke destacou com muita propriedade:

“Os desobedientes israelitas sirvam de advertência; foram resgatados do cativeiro e tiveram a mais completa promessa de uma terra de prosperidade e descanso. Por causa da desobediência, não a obtiveram e caíram no deserto. Vocês foram resgatados da escravidão do pecado e tem a mais benévola esperança de herança entre os santos na luz. Pela incredulidade e desobediência, eles perderam o seu descanso; pelas mesmas coisas vocês também podem perdê-lo”.9

“Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo" (v. 12). A advertência é intensificada pela exortação do autor. Mais uma vez, ele lembra que a falta de vigilância somada com a negligência e desobediência pode conduzir ao fracasso espiritual. Ele adverte-os do perigo de apostatar e cair da fé.10  Grant R. Osborne destaca que, no versículo 12, o autor começa com o verbo grego blepete (“tome cuidado, cuide-se”), que, no Novo Testamento, é usado para dar o grito de alerta sobre a vigilância e obediência espiritual. Uma chamada à obediência aos mandamentos de Deus. Nesse contexto negativo, também significa “cuidado" com o mesmo coração “mal” e incrédulo que Israel mostrou no deserto. Ele observa que incredulidade e endurecimento são sinônimos aqui.

"No versículo 12, é um genitivo descritivo que significa um ‘coração incrédulo’ que se torna “mal" (poneria) ou cheio de iniquidade (v. 12,19), que é interpretado como 'seus corações estão sempre errados’ no versículo 10b. Essa incredulidade também os leva a se afastarem do Deus vivo’ (en to aposténai apo Theou zontos), estendendo a imagem até eles não conheceram os meus caminhos' no versículo 10b. Esse é o cerne da questão, preparando-se para o pleno uso dessa imagem da apostasia em Hb 6.6 (onde será discutido mais detalhadamente)”.11

Osborne ainda observa que esse é um caminhar da incredulidade, do mal, da queda, e que isso é, obviamente, um aviso sério, com consequências terríveis.12

O termo grego aposténai (apartar), usado aqui em Hebreus 3.12, é o infinitivo aoristo do verbo aphistemi, que ocorre 14 vezes no Novo Testamento grego, significando: cair, deixar, afastar.13  É desse verbo que se origina a palavra apostasia. A apostasia é definida como "a rejeição deliberada de Cristo e de seus ensinamentos por parte de um cristão (Hb 10.26-29; Jo 15.22)”.14

A Bíblia de Estudo Harper Collins destaca que

“a admoestação para ser cuidadoso (ver também 12.25) é comum no NT. Para o perigo de desviar-se, ou apostatar, veja Nm 14.9, que trata da geração do deserto, e Mt 24.10-12. Um jogo de palavras gregas ligando o desviar-se (apostenai) e o coração incrédulo (apistias)".15

Como ficará demonstrado posteriormente, há uma relação da queda da fé aqui retratada com aquela sobre a qual o autor voltará a tratar no capítulo 6.4-6.

Adam Clarke observa oportunamente que a nossa participação na glória depende de nossa firmeza na fé até o final de nossa carreira cristã.16  Jesus alertou que as coisas más procedem de dentro do coração do homem: “Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias” (Mt 15.19). É por isso que os cristãos necessitam de vigilância e também de estimular uns aos outros.

“Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado" (v. 13). Aqui, o sentido do texto é o de que os cristãos não permitam que seus corações sejam seduzidos pelo pecado. O autor usa o termo grego parakaleo, isto é, chamar à parte para consolar, para se referir à necessidade do encorajamento contínuo. William Barclay (1907-1978) observa que esse mesmo termo era usado por um militar para estimular as suas tropas.17  Joseph Benson observa que alguns passos devem ser tomados para se pôr em prática as palavras do autor de hebreus:

(1) Uma profunda preocupação com a salvação de cada um e o crescimento na graça;

(2) Sabedoria e entendimento sobre as coisas divinas;

(3) Cuidado para que somente palavras de verdade e sobriedade sejam ditas, pois somente essas palavras serão recebidas como tendo autoridade e alcançarão os fins desejados;

(4) Evitar aquelas expressões rudes e severas que expressam indelicadeza; em vez disso, usar palavras com brandura, compaixão, ternura e amor, pelo menos para aqueles que estão dispostos a reconhecer a vontade de Deus;

(5) Evitar falar com leviandade e sempre falar com seriedade;

(6) Prestar atenção ao tempo, lugar, pessoas e ocasiões;

(7) Ser exemplo para as pessoas exortadas;

(8) Devemos ser incansáveis nesse dever e exortar um ao outro diariamente. Não somente em reuniões feitas para isso, mas também em todo e qualquer lugar sempre que estivermos em companhia um do outro.18

Essas exortações tomam-se relevantes porque, para o autor, o cristão tornou-se um participante de Cristo.

“Porque nos tomamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim ” (v. 14). O termo grego gnomai, de onde deriva gegonamen, usado aqui pelo autor, ocorre 661 vezes no Novo Testamento grego. Aqui nesse texto, ele encontra-se no tempo perfeito, e o seu sentido é que os cristãos tornaram-se participantes de Cristo no passado (quando o receberam como Salvador) e continuavam no presente tempo como participantes dEle. Isso, no entanto, só teria valor se eles continuassem firmados em Cristo até o fim.19  O autor repete a exortação anteriormente lembrada por ele no versículo 8.

"Enquanto se diz: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração, como na provocação" (v. 15). Samuel Pérez Millos observa que

"com toda probabilidade, como se disse antes, na mente do salmista (SI 95.7) estava o sucesso ocorrido em Cades-Barneia, onde o povo não creu que Deus havia-o enviado para ocupar Canaã, duvidando de seu poder para dar-lhes vitória sobre os povos que ocupavam a terra (Nm 14.1ss). Deus estabeleceu uma ação judicial sobre o povo rebelde, de modo que nenhum dos homens maiores de 20 anos entrariam na terra por haverem murmurado contra Deus (Nm 14.27,29). A advertência é solene, já que Deus pode aplicar aos crentes rebeldes uma disciplina similar a que aplicou aos israelitas que não quiseram obedecer a sua voz".20

"Porque, havendo-a alguns ouvido, o provocaram; mas não todos os que saíram do Egito por meio de Moisés" (v. 16). O versículo 16 distingue os desobedientes dos obedientes. O livro de Números narra que, quando chegou ao Sinai, Moisés precisou fazer a contagem dos israelitas de 20 anos de idade para cima (Nm 1.1 -3). Os dados, não incluindo os levitas, chegaram a 603.550 homens (Nm 1.46). O versículo 17 mostra que esses homens, excetuando Calebe e Josué, estavam incluídos na maldição de Deus, que os privava de entrar na Terra Prometida (Nm 14.29,30).

“Mas com quem se indignou por quarenta anos? Não foi, porventura, com os que pecaram, cujos corpos caíram no deserto?" (v. 17). Essa geração peregrinou pelo deserto até ser consumida (Nm 14.33,34).

“E a quem jurou que não entrariam no seu repouso, senão aos que foram desobedientes?" (v. 18). Quando essa geração chegou à fronteira da Terra Prometida, Moisés novamente fez a recontagem do povo (Nm 26.1,2,63). Fritz Laubach observa que ali foi colocado o ponto final nessa triste história do povo de Deus, concluída pelas palavras do cronista sagrado: "E entre estes nenhum houve dos que foram contados por Moisés e Arão, o sacerdote, quando contaram aos filhos de Israel no deserto do Sinai. Porque o Senhor dissera deles que certamente morreriam no deserto; e nenhum deles ficou, senão Calebe, filho de Jefoné, e Josué, filho de Num" (Nm 26.64,65).21

"E vemos que não puderam entrar por causa da sua incredulidade” (v. 19). A advertência encerra-se neste capítulo com as palavras desse versículo. O autor mostra o perigo da desobediência e rebelião contra Deus. Se não puderam entrar na Terra Prometida, no descanso que Deus preparou, a culpa não era do Senhor. Os cristãos hebreus deveriam tomar isso definitivamente como exemplo — o pecado pode, sim, impedir o cristão de entrar no repouso de Deus. Adam Clarke destaca que não foi um decreto de Deus que os impediu; não foi porque lhes faltavam as forças para fazê-lo; não foi porque lhes faltou o conselho divino instruindo-os como deveriam fazer. Tudo isso eles tinham em abundância; pelo que escolheram pecar e não crer. A incredulidade produz desobediência, e essa, por sua vez, dureza de coração e cegueira mental; tudo isso lhes atraiu o juízo de Deus, e a ira caiu sobre todos eles até o último.


A possibilidade de não chegar ao fim da caminhada
“O livro de Hebreus considera a possibilidade de permanecer firme na fé ou de abandoná-la como uma escolha real, que deve ser feita por cada um dos leitores; o autor ilustra as consequências da segunda opção referindo-se à destruição dos hebreus rebeldes no deserto após sua gloriosa libertação do Egito”. Leia mais em Comentário Bíblico Pentecostal Novo Testamento, CPAD, pp.1557-59.

Subsídio Bibliológico
SE OUVIRDES HOJE A SUA VOZ
Citando Salmos 95.7-11, o escritor se refere à desobediência de Israel no deserto, depois do êxodo do Egito, como advertência aos crentes sob o novo concerto. Porque os israelitas deixaram de resistir ao pecado e de permanecer leais a Deus, foram impedidos de entrar na Terra Prometida (ver Nm 14.29-43; Sl 95.7-10). Semelhantemente, os crentes do Novo Testamento devem reconhecer que eles, também, podem ficar fora do repouso divino, se forem desobedientes e deixarem que seus corações se endureçam.
NÃO ENDUREÇAIS O VOSSO CORAÇÃO
O Espírito Santo fala conosco a respeito do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8-11; Rm 8.11-14; Gl 5.16-25). Se formos indiferentes à sua voz, nossos corações se tornarão cada vez mais duros e rebeldes a ponto de se tornarem insensíveis à Palavra de Deus ou aos apelos do Espírito Santo (v.7). A verdade e o viver em retidão já não serão prioridades nossas. Cada vez mais, buscaremos prazer nos caminhos do mundo e não nos caminhos de Deus (v.10). O Espírito Santo nos adverte que Deus não continuará a insistir conosco indefinidamente se endurecermos os nossos corações por rebeldia (vv.7-11; Gn 6.3). Existe um ponto do qual não há retorno (vv.10,11; 6.6; 10.26)” (Bíblia de Estudo Pentecostal. RJ: CPAD, 1995, p.1902).


Ao mostrar a superioridade de Jesus sobre Moisés, o autor da Carta aos Hebreus não tencionava exaltar o primeiro e desprezar o segundo, mas pôr em relevo a obra do Calvário, bem como esclarecer como os crentes devem valorizá-la. Ora, se Moisés que não era divino, que não se deu sacrificalmente em lugar de ninguém, merecia ser ouvido, então por que Jesus, o Filho do Deus bendito, Senhor da Igreja e superior aos anjos, não merecia reconhecimento ainda maior?


Notas
1 GIBBS, Cari B. O Livro de Hebreus - a supremacia de Cristo. Escola de Educação Teológica das Assembleias de Deus (EETAD), Campinas, SP.
2 LIDDELL, H.G & SCOTT, R. Greek - English Lexicon - with a Revised Supplment. Claredon Press, Oxford. Inglaterra, Reino Unido 1996.
3 Esse termo está muito em voga hoje nos círculos da Teologia da Prosperidade. Dentro desse modismo evangélico, significa “confessar”, “afirmar" e "determinar” algo com o sentido de tomar posse dele. Nesse sentido, ganhou apenas uma conotação consumista e mercantilista. Trata-se de uma distorção do sentido original, que era o de uma afirmação daquilo que estava em consonância com a Palavra de Deus, e não com caprichos pessoais.
4 WESLEY, John. Hebrews - Explanatory notes and Commentary. Bristol-HotWells, Januaiy, Inglaterra, 1754.
5 CLARKE, Adam. Hebreos - Comentário de La Santa Bíbia, tomo III, Nuevo Testamento. Casa Nazarena de Publicaciones. Lenexa, Kansas, EUA.
6 HEGNER, Donald A. Hebreus- Novo Comentário Bíblico Contemporâneo. Editora Vida, São Paulo.
7 PFEIFFER, Charles F. Hebreos - Comentário Biblico Portavoz. Editorial PortaVoz, Grand Rapids, Michigan, EUA.
8 HUGHES, Philip Edgcumb. A Commentary on the Epistle to the Hebrews. Grand Rapids, Eerdmans, EUA, 1977.
9 CLARKE, Adam. Hebreos: Comentário de La Santa Bíblia - Nuevo Testamento, Tomo III. Casa Nazarena de Publicaciones, Lenexa, Kansas, EUA.
10 A obra The New Strong’s Exhaustive Concordance of The Bible observa que a palavra apostasia, em suas diferentes formas, tem como radical comum o verbo grego aphistemi e ocorre nos textos de At 21.21; 2 Ts 2.3; Hb 3.12 e 1 Tm 4.1. Assim sendo, Strong traduz aphistemi "propriamente, partida (implicando deserção); Apostasia - uma saída, de uma posição anterior”. Por outro lado, o termo grego parapsontas, derivado deparapipto (cair, desviar), que ocorre em Hb 6.6, é tido pelos eruditos como sendo sinônimo de apostasia (veja um estudo completo sobre esses termos no Apêndice, posto no final deste livro).
11 OSBORNE, Grant. Four Views on the Warning Passages in Hebrews. Kregel Acadmic & Profession. Grand Rapids, Michigan.
12 OSBORNE, Grant. Four Views on the Warning Passages in Hebrews. Kregel Acadmic & Profession. Grand Rapids, Michigan.
13 CLAPP, Philip S & FRIBERG, Barbara. Analytical Concordance o f the Greek New Testament, volume I, Lexical Focus. Baker Book House. Grand Rapids, Michigan, U.S.A.
14 YOUNGBLOOD, Ronald F; BRUCE. F. F. & HARRISON, R. K. Dicionário Ilustrado da Bíblia. Editora Vida Nova, São Paulo.
15 The Harper Collins Study Bible. Harper Collins Publishers. Londres, Reino Unido.
16 Idem. pp. 589.
17 BARCLAY, William. Hebreos - Comentário al Nuevo Testamento. Editorial CLIE, Barcelona, Espanha.
18 BENSON, Joseph. Hebrews: The New Testament-A Critical, Explanatory and Praticai Notes. Lane & Tippett, Nova York, EUA, 1847.
19 Aqui, mais uma vez, como ocorre por toda essa carta, observa-se um chamado à vigilância frente aos perigos espirituais.
20 MILLOS, Samuel Perez. Hebreos - Comentário Exegético al Texto Griego Del Nuevo Testamento. Editorial CLIE.
21 LAUBACH, Fritz. Carta aos Hebreus - comentário esperança. Editora Esperança. 22 CLARKE, Adam. Op.cit. p. 590

Fonte:
Lições Bíblicas 1º Trim.2018 - A supremacia de Cristo - Fé, esperança e ânimo na Carta aos Hebreus - Comentarista: José Gonçalves
Livro de Apoio – A Supremacia de Cristo - Fé, Esperança e Ânimo na Carta aos Hebreus - José Gonçalves
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