“E aconteceu que, estando ele a orar num certo lugar, quando acabou, lhe disse um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar [...]” Lc 11.1
Lucas 11.1-4 • “Essa passagem transmite uma mensagem muito
simples. [...] A oração é a expressão do nosso relacionamento familiar com
Deus. E as respostas às orações não dependem de alguém ter ou não cometido um
erro ao recitar as palavras adequadas. Na verdade, as respostas à oração
representam um transbordamento daquele permanente amor que Deus tem por nós,
seus filhos.
Essa grande realidade nos dá a chave para
entendermos aquilo que chamamos de Oração do Senhor (11.2-4).
• Pai. Nós nos aproximamos de Deus como de
um Pai, profundamente conscientes de seu amor e compromisso conosco, e o
respeitamos e amamos.
• Santificado seja o teu nome. Exaltamos a
Deus e o louvamos pelo que Ele é. Saboreamos o privilégio de nos aproximar
daquele que é o Senhor do Universo com nosso louvor e ações de graças.
• Venha o teu Reino. Afirmamos nossa
submissão a Deus como Rei de um reino universal do qual somos cidadãos.
Comprometemo-nos a viver aqui e agora em obediência ao Senhor, como se seu
reino já tivesse sido estabelecido na terra.
• Dá-nos cada dia o nosso pão cotidiano.
Reconhecemos nossa dependência do Senhor e alegremente colocamos nele toda a
nossa confiança. Não pedimos hoje o suficiente para atender às necessidades do
amanhã, pois sabemos que Deus é nosso Pai, e que podemos confiar plenamente
nEle.
• Perdoa-nos nossos pecados. Reconhecemos
as nossas imperfeições e fraquezas, e não dependemos dos supostos méritos de
nossas obras, mas da disposição de Deus de nos perdoar. Demonstramos essa
atitude através da boa vontade de tratar os outros como somos tratados por Deus;
assim, “também perdoamos a qualquer que nos deve”.
• Não nos conduzas em tentação. Como Deus
a ninguém tenta (Tg 1.13), aqui essa palavra deve ser entendida no sentido de “testar”.
Esse pedido não revela qualquer dúvida de que Deus nos dará condições de vencer,
e demostrar a nossa fé. Algumas pessoas são tão inseguras em seu relacionamento
com Deus que procuram tentações para poder vencê-las, e assim se asseguram de
que realmente pertencem ao Senhor. Deus permitirá que enfrentemos provas, e
também dará o escape para que as possamos suportar (1 Co 10.13). Como confiamos
que isso é verdade, não precisamos procurar nenhuma prova, mas expressar a
nossa fé pedindo ao Senhor que nos livre das tentações.
Ao revermos esse modelo de oração, percebemos
mais sobre a natureza da oração e sobre o relacionamento que a torna vital e
verdadeira. Existe a confiança em Deus como Pai, existe a adoração e o
reconhecimento de Deus pelo que Ele é em sua natureza. Existe um compromisso
expresso de fazer a sua vontade, juntamente com a confiança de que Ele suprirá
as nossas necessidades todos os dias. E, sobretudo, existe a maravilhosa
consciência de que Ele cuida de nós em sua Graça; que o perdão dos pecados nos
garante seu contínuo favor, e o acesso a Ele sempre que estivermos
necessitados.” (RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural do
Novo Testamento. 1ª Edição. RJ: CPAD, 2007, pp.167-68).
A oração do Pai-Nosso representa uma segurança, mas também um desafio aos discípulos do Senhor de todos os tempos.
O debate em torno da natureza da oração do
Pai-Nosso é um daqueles em que há bons argumentos tanto de um lado quanto de
outro. Defensores do Pai-Nosso como apenas um roteiro, e não como uma fórmula
pronta, afirmam que tal ideia contraria o ensino do próprio Cristo em outras
passagens. Para o outro grupo, não orar ipsis litteris tal como se
encontra na passagem de Mateus 6.9-13, é um desrespeito com o texto e com Jesus
que disse que devemos orar “assim”. Quem se apega a tais minúcias talvez esteja
esquecendo o mais importante que é justamente orar. Mas meramente orar por
costume. A oração pode ser mecânica, inclusive com repetições diuturnas, sem
necessariamente ser igual a do Pai-Nosso. De igual forma, pode ser rotineira,
mesmo parecendo espontânea. O essencial na oração é que ela brote de um coração
que anseia pela comunhão com o Pai, desejando manter um relacionamento real com
Ele ao mesmo tempo em que vai transformando o orante em alguém melhor no plano
horizontal e comunitário. Quando a nossa vontade confunde-se com a de Deus,
significa que o seu Reino já iniciou seu curso em nossa vida pessoal, podendo
assim ser conhecido através de nós pelas pessoas que não servem a Deus.
ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA
O estudo do Pai-Nosso ocupa páginas e mais
páginas de obras especializadas ou exclusivamente escritas sobre este único
tema. Portanto, o papel de uma lição como esta, até por uma questão física, não
vai além de comentar o cerne da oração do Senhor, deixando alguns detalhes
importantes, do ponto de vista exegético, sem ser considerados. A despeito
disso, é interessante apresentar o paralelo de Mateus 6.9-13 que se encontra em
Lucas 11.1-4, observando duas propostas principais de divisão: temática e
sistemática. Para tanto, reproduza, conforme suas possibilidades, o quadro
abaixo, esclarecendo que essas são apenas duas possibilidades de estudo da
“Oração do Senhor”:
TEXTO BÍBLICO: MATEUS 6 9-15
9 Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; 10 Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu;
11 O pão nosso de cada dia nos dá hoje; 12 E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores; 13 E não nos conduzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém.
14 Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; 15 Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas.
INTRODUÇÃO
Embora “curta”, a belíssima oração do Senhor,
também conhecida como Pai-Nosso, ou oração dominical, contém farto material de
instrução bíblica e teológica. Há muito se dividem as opiniões acerca de ela
ser uma oração para se repetir tal como o Mestre ensinou ou se constitui apenas
um roteiro, ou esboço, que os crentes devem utilizar como forma de orientação
de seus devocionais particulares ou na liturgia de um culto. O fato mais
importante é que o Mestre orava e, com seu exemplo e suas palavras, ensinou seus
discípulos a fazerem o mesmo, tanto na forma, quanto no conteúdo (Lc 11.1-4).
1. Paternidade celestial.
O Antigo
Testamento registra pouquíssimas ocorrências em que Deus é, de forma inferida
ou textual, chamado de Pai (Dt 32.6; 2Sm 7.14; 1Cr 17.13; Sl 68.5; Is 64.8; Jr
3.4; 31.20; Ml 1.6; 2.10). A novidade trazida pelo Senhor é a forma íntima como
não apenas Ele se dirige ao Pai, mas também sua abertura a cada um de seus
discípulos para que possam dirigir-se ao Criador da mesma forma. Ainda que
reconhecendo sua grandeza e transcendência (“que estás nos céus”), o Mestre
demonstra que o Pai não está longe, pois é “nosso” (v.9).
2. A santidade do nome divino.
A
santificação do nome do Pai, não é de alguma coisa produzida pelo suplicante,
ou seja, a santidade é intrínseca ao nome do Criador (v.9). Conforme o entendia
a cultura judaica, o nome de Deus era inseparável da sua Pessoa (Êx 3.13,14;
20.7). Sendo santo, o nome do Pai, cabe a quem se dirige a Ele, respeitá-lo.
3. A vinda do Reino e a vontade divina cumprida
integralmente.
A primeira súplica é definidora e norteia todo o restante.
É importante notar que ela diz respeito à realidade divina e não terrenal.
Pedir ao Pai, cujo nome é santo e a quem não se deve dirigir a palavra se esta
não corresponde à intenção, para que o Reino dEle venha (v.10a), não contempla
apenas um desejo escatológico ou de uma vinda futurística. O complemento do que
se está suplicando revela claramente que se aspira que a vontade do Eterno Deus
seja feita aqui (onde os seres humanos exercem sua vontade própria), tal como
ela é realizada no céu, onde a vontade do Criador é ordem vigente e situação em
curso (v.10b). E a prova de que o suplicante quer exatamente isso, é se em sua
própria experiência de vida, no dia a dia, ele permite que a vontade divina
seja prevalente (Rm 6.11 cf. Gl 2.20).
Aspirar pelo Reino de Deus significa estar disposto a abdicar, aqui e agora, das vontades terrenas que nos prendem ao materialismo e ao consumismo.
1. O alimento necessário, tanto para hoje
quanto para o amanhã.
De acordo com os melhores especialistas da língua
grega, a expressão epiousios (“cada dia”), contém três possibilidades
de significação: pão necessário, pão diário e pão de amanhã (v.11). Dessa
maneira, o primeiro pedido referente à realidade e necessidade terrenas tem um
sentido bem mais profundo, pois leva em conta tanto aquilo que é urgente,
quanto o que é necessário e até mesmo o desejo maior do discípulo, qual seja
participar da Grande Ceia daquele Dia (Lc 14.15-24 cf. Mt 26.26-29). O pão de
cada dia pedido para agora é, nesse caso, um desejo escatológico de que venha a
plenitude do Reino, conforme pedido na primeira súplica referente à realidade
divina.
2. Perdão divino e perdão no relacionamento
interpessoal.
As bem-aventuranças precisam ser lembradas nesse ponto (Mt
5.3-12), pois elas mostram claramente a forma, ou perspectiva, segundo a qual
os filhos do Reino veem todas as coisas. Assim, o que parece ser uma condição
para ser perdoado por Deus é, na verdade, uma expressão do comportamento de
quem encara as ofensas, insultos e até agressões, de forma perdoadora (v.12 cf.
Mt 5.11,12). Justamente por ter aprendido com o Pai é que os filhos assim se
comportam e, por isso, dirigem-se ao Senhor dessa maneira (1Jo 4.19). Uma vez
que o Mestre estava ensinando os discípulos, mas considerando também uma
audiência maior e, nesse caso, especificamente os fariseus, pelo fato de a
piedade judaica possuir um conceito de perdão bastante restrito
(tradicionalmente eram apenas três vezes que se deveria perdoar uma ofensa,
Pedro “amplia” para sete tentando ser mais generoso, cf. Mt 18.21), Cristo
então, depois de ensinar a oração, aí sim, considera a justiça dos fariseus e
afirma ser uma condição para obter o perdão divino, exercer misericórdia e
perdoar as pessoas (vv.14,15).
3. Livramento e queda.
A tradução literal
desse texto dá uma ideia bastante negativa (Tg 1.13-15). Todavia, especialistas
da língua grega defendem que uma tradução melhor revelaria que o que se quer
dizer aqui é algo como “Não permitas que caia nas mãos do pecado” (v.13). Mas o
sentido não é ser livrado da tentação em si, mas a última petição refere-se a
não permitir que o suplicante caia em pecado, sucumba à provação e assim
aparte-se de Deus (Lc 22.31,32 cf. Tg 1.2,3).
A amizade com Deus
Deus sente prazer na nossa amizade: esse é o
cerne da oração. Começamos a orar de fato quando consideramos a oração um
privilégio, e não uma obrigação! É nisto que o Pai Nosso é tão saudável: ele
começa relacionando-se com o Senhor e admirando-o (“Pai nosso, que estás nos
céus”) antes de pedir alguma coisa. Tomemos Mateus 6.5-18 como nosso guia para
orar e jejuar.
Você ora?
Observe que nosso Senhor presume que oramos: é
“quando” oramos, não “se” orarmos!
A oração é uma parte regular e persistente
de sua vida? Veja Lucas 18.1.
Nosso Senhor Jesus segue em frente e distingue
a oração cristã de dois tipos equivocados de oração. Mateus 6.5,6 — ao contrário
da oração do hipócrita — transforma Deus na única audiência da oração. Mateus
6.7,8 — ao contrário da oração pagã — é uma oração simples e clara, pois
depende da disposição do Pai, e não da loquacidade da oração!
Orando com outros
Deus é única audiência: isso não fala de forma
alguma contra orar em conjunto. Nessas instruções, Jesus alterna o uso do
pronome no plural com o singular. Temos de orar sozinhos e temos de orar em
conjunto. Jesus, na verdade, está presente de forma extra e nos dá poder extra
para a oração conjunta dos cristãos. Veja Mateus 18.19,20. Mas quando oramos
juntos, temos de orar para Deus!
Observe o valor da exclusão: “Entra no teu
aposento e, fechando a tua porta”. Deixe tudo o mais de fora para estar com
Deus.
As riquezas em oferta
Mateus 6 usa uma palavra maravilhosa para
“aposento”. Ela indica uma despensa, um armazém no qual é guardado a munição
[...], e um tesouro do qual são tiradas riquezas. A oração traz as coisas boas
que Deus guarda para nós, a munição espiritual de que precisamos contra os
ataques do Diabo, as riquezas que Cristo nos oferece em nossa necessidade.
Jesus também elogia a confiança semelhante à
das crianças: “Vosso Pai sabe o que vos é necessário”. Veja Mateus 6.8 e
Hebreus 11.6.
O Pai Nosso
A própria oração começa com adoração: Mateus
6.9. Isso é muitíssimo importante. Ela descentraliza nosso ego e põe Deus de
volta no centro de nossa atenção. O segundo passo é identificar-se com as
preocupações do Senhor: sua reputação, reinado e vontade. Veja os versículos 9
e 10. O terceiro passo é que temos de levar a Deus todas nossas preocupações
pequenas ou grandes: nossa provisão, perdão e proteção (vv.11-13). É provável
que o fim tradicional da oração não tenha sido dito por Jesus nem escrito por Mateus,
mas, em todas as palavras, esse final é totalmente cristão louvando o reinado,
o poder e a glória de Deus.
O jejum
Nosso Senhor, como na oração, presume que temos
de jejuar: Mateus 6.16. O jejum é abster-se de alimento a fim de nos devotarmos
a Deus. Mais uma vez, ele é mais bem visto como uma oportunidade, em vez de uma
obrigação. Podemos pedir que Deus nos dê o fardo das necessidades específicas
que são próximas ao coração dEle para que, de preferência, estejamos negociando
com Ele, em vez de estarmos comendo. Não jejue “porque o cristão deve jejuar”!
Tente jejuar quando tiver de tomar decisões vitais (Lucas 6.12,13) ou questões
específicas a vencer para Deus (Esdras 8.21-23).
As questões vencidas para Deus: é disso que se
trata o jejum e a oração. O tipo de amizade que é eficaz para o reinado e honra
do Senhor. (Extraído do Livro Guia Cristão de Leitura
da Bíblia, CPAD, p.547.)
Nossa cultura individualista reputa como uma fraqueza alguém não revidar à agressão, porém, quem se orienta pelos valores e justiça do Reino, deve ignorar o que se ensina a esse respeito.
1. O Reino.
A oração termina com o
reconhecimento de que o Reino é de Deus, e não propriedade dos homens (v.13). A
despeito de muitos, de ontem e de hoje, pretenderem-se “donos” do Reino, ele
continua sendo de Deus (Mt 23.13 cf. Mt 21.31).
2. O poder.
Os discípulos serão felizes
se, tal como o salmista, conseguirem entender a mensagem de que “o poder
pertence a Deus” (Sl 62.11).
3. A glória.
A glória pertence ao Senhor
(Is 42.8). Qualquer oferta que venha com essa proposta, por mais sedutora que
seja, é diabólica (Mt 4.8-10). O Mestre é a expressa imagem dessa glória que
pertence somente ao Pai (1Jo 1.14).
Sendo o poder e a glória pertencentes a Deus, nada justifica a postura altiva daqueles que se dizem seguidores de Cristo.
CONCLUSÃO
A oração do Senhor tem uma intenção muito
clara, ensinar aos discípulos a não orar como os hipócritas ou como os pagãos.
A introdução no versículo nove demonstra isso: “Portanto”. Os que abraçaram o
Evangelho de Jesus e aceitaram sua justiça devem orar exatamente assim.
O Perdão
“O perdão, essencial a uma vida vitoriosa, é
nossa primeira e maior necessidade. Não importa com quanta diligência
resistamos às tentações e quão fiéis sejamos no cumprimento de todas as nossas
obrigações religiosas, ainda assim estamos aquém da justiça de Deus. Nenhum
filho de Deus pode abrir mão de pedir ao Senhor que lhe perdoe os pecados. A
pessoa justa aos próprios olhos não sente necessidade de pedir perdão a Deus,
porém à medida que nos aproximamos mais de nosso Salvador e Senhor, mais
sentimos um profundo senso de pecado e indignidade pessoal. [...].
Pedimos o perdão de Deus, ‘assim como nós perdoamos
aos nossos devedores’ (Mt 6.12). A expressão ‘assim como’ não indica grau,
visto que jamais poderemos perdoar com perfeição, somente Deus pode perdoar o
pecado, mas podemos e devemos perdoar erros reais e imaginários cometidos
contra nós. Não obstante, há uma comparação implícita nessa passagem. Quando
estamos prontos a perdoar, a despeito de nossa condição de fraqueza e
pecaminosidade, Deus está pronto, em sua santidade perfeita, a nos perdoar
igualmente. Receber o perdão divino segue de mãos dadas com o ato de perdoar os
outros. Só podemos receber o perdão, quando entendemos o princípio que o rege,
e isto implica em não levar a mal o desinteresse que os outros demonstram pelo
nosso insignificante ego (Mt 18.21-35)” (BICKET, Zenas J.; BRANDT, Robert L. Teologia
Bíblica da Oração: O Espírito nos ajuda a orar. 6ª Edição. RJ: CPAD, 2013,
pp.200-01).
Fonte: Lições Bíblicas CPAD Jovens - 2º trim.2017 - O Sermão do Monte - A Justiça sob a ótica de Jesus - Comentarista César Moisés Carvalho
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