O Deus que tudo criou precisava do
sangue de animais? Não! Tudo é dEle, contudo os holocaustos apontavam para o
plano perfeito da salvação que o Pai já havia preparado antes da fundação do
mundo. Eles expunham a verdade de que Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus,
morreria em nosso lugar. Seu sacrifício foi perfeito, único e superior a todos
os holocaustos já oferecidos.
Só viremos a entender
plenamente a obra da salvação, em Jesus Cristo, se nos voltarmos com devoção e
temor à teologia do holocausto, o principal sacrifício levítico. Quando o
ofertante apresentava essa oferta ao Senhor, encenava ele, de maneira vívida e
dramática, a História Sagrada. Uma interface perfeita com João 3.16; sublime
teologia. Quem melhor compreendeu a sua doutrina foi o autor da Epístola aos
Hebreus. Inspirado pelo Espírito Santo, ele divisou, nos animais oferecidos
periodicamente a Jeová, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Estudaremos, neste capítulo, a instituição do
holocausto: história, teologia, referência simbólica e cumprimento em Jesus.
Sem o sacrifício dos sacrifícios, não podemos entender o plano da nossa
salvação. O presente estudo, por conseguinte, além de formalmente tipológico, é
essencialmente soteriológico; requer uma exegese correta que harmonize profetas
e apóstolos, pois estes jamais estiveram em desarmonia.
Que Deus nos permita a perceber a maravilhosa
doutrina da salvação e a desenvolvê-la em nossa jornada terrena.
I. HOLOCAUSTO, O SACRIFÍCIO POR EXCELÊNCIA
Como já vimos, a religião noética gerou grandes santos e teólogos como Jó,
Melquisedeque e Abraão. E, pelo que nos é permitido inferir do texto sagrado,
cada um deles, em seu próprio turno, serviu a Deus com sacrifícios cruentos.
Nesse sentido, o rei de Salém, por ter uma teologia bem mais messiânica e
soteriológica, foi além das oferendas animais. Ao receber o pai dos hebreus, em
seu domicílio, Melquisedeque apresentou-lhe uma oferta que, em virtude de sua
essência, unia o Antigo ao Novo Testamento. Neste tópico, mostraremos por que o
holocausto é o ofertório por excelência.
1. Definição de holocausto.
O termo holocausto provém do vocábulo hebraico
`olah, que significa ascender ou ir para cima. É uma referência tanto à fumaça
da oferta queimada, em si, como à devoção e a entrega amorosa dessa mesma
oferta ao subir à presença de Deus (Lv 1.9). Sacrifício dos sacrifícios. Foi
por essa razão, que Paulo considerou o desprendimento dos irmãos filipenses, em
favor da obra missionária, como um holocausto de cheiro suave ao Senhor (Fp
4.18).
O holocausto era o mais importante sacrifício do
culto hebreu (Lv 1.1-3). Consistindo no oferecimento de aves e animais limpos,
requeria a queima total da vítima; era pleno e incondicional (Lv 1.9). Tendo em
vista a sua relevância, inaugurava todas as solenidades diárias, sabáticas,
mensais e anuais do calendário litúrgico do Antigo Testamento.
O holocausto era conhecido também como oferta queimada.
Ao oferecê-lo ao Senhor, o crente hebreu fazia-lhe
uma oração que, apesar da ausência de palavras, era eloquente e persuasiva;
implicava em sua total submissão ao querer divino. Assim como a vítima do
sacrifício dera-se ao altar sem resistência, assim também o fazia o adorador
naquela instância; entregava-se resignadamente a Deus. Tal atitude remetia-o ao
Calvário.
Jesus Cristo é o holocausto perfeito.
Quando nos conformamos plenamente à vontade do
Filho, oferecemos ao Pai o mais sublime dos holocaustos; mostramos-lhe que,
pela ação intercessora do Espírito Santo, já estamos crucificados com Cristo. A
partir de agora, não sou eu quem vive, mas Jesus Cristo vive em mim.
2. A antiguidade do holocausto.
O holocausto é também o mais antigo
sacrifício da História Sagrada. Introduzido mui provavelmente por Abel, foi
observado durante todo o período do Antigo Testamento. É o cerimonial que mais
caracteriza o culto levítico; descreve, gestualmente, a peregrinação da alma
penitente da Queda, no jardim do Éden, à Redenção, no monte Calvário.
Pelo que depreendemos da narrativa sagrada, após a
morte de Jó, o holocausto, como o praticara os primeiros descendentes de Noé,
não demoraria a desaparecer. Manter-se-ia, porém, no clã de Abraão, o ramo mais
nobre de Sem; messiânico e soteriológico.
Em Canaã, se o holocausto noético foi alguma vez
oferecido, não tardou a dar espaço a celebrações sórdidas, lascivas e
criminosas. Naqueles templos e lugares altos, dominados por régulos tiranos e
sanguinários, prostituição e homicídio litúrgico eram livremente praticados. Já
no Egito, sacrifícios como o holocausto eram algo impensável. Se bovinos e
ovinos eram deuses, por que lhes tirar a vida?
Nas escavações arqueológicas realizadas nos entornos
das pirâmides, animais mumificados são descobertos em nichos e santuários.
Aqui, um macaco; ali, um falcão. E quanto ao boi? Era intocável; personificava
a Terra. Imolá-lo? Sacrilégio dos sacrilégios aos olhos egípcios.
No Cairo, capital do Egito, existe um museu em que é
possível constatar que os ídolos, nos quais Faraó depositava toda a sua
confiança, eram absurdamente esdrúxulos. Cada um deles, embora tivesse corpo de
homem, carregava uma cabeça de animal. Até deus com cara de cachorro pode ser
visto ali entre múmias de reis e carcaças de nobres.
Já que a religião egípcia tinha o holocausto como
algo abominável, como descrever-lhe a soteriologia? Para mim, semelhante
religião nem soteriologia possui. O mais acertado seria qualificá-la de
tanatologia: doutrina ou estudo da morte. Isso porque, no Egito, empregavam-se
todos os recursos para dar a Faraó, após o seu falecimento, confortos, regalias
e honras. O reino do Nilo mais parecia uma imensa casa funerária.
A bem da verdade, os egípcios não acreditavam na
vida eterna, mas numa morte sem fim. No mundo além, dependiam do mundo aquém.
Nem mesmo Aquenáton que, reinando no século XIV antes de Cristo, buscou
estabelecer um culto monoteístico em ambos os Egitos (alto e baixo), logrou uma
doutrina da salvação que tivesse a Deus como redentor. Adorando o Sol, ignorou
o Criador dos Céus e da Terra.
Retornemos, agora, aos descendentes de Noé que
perseveraram em seguir-lhe as pisadas.
3. O holocausto no período patriarcal.
Se considerarmos o sacrifício que
Abel ofereceu ao Senhor uma espécie de holocausto, então essa oferenda foi, de
fato, a mais antiga da História Sagrada (Gn 4.4). O costume seria preservados
pelos filhos de Abraão em Isaque e Jacó (Gn 8.20; 22.13).
A religião divina, como Adão e Noé a transmitiram a
seus descendentes, foi preservada nos holocaustos que, sem interrupção, foram
oferecidos ao Senhor desde Abel até a destruição do Templo de Esdras, no ano 70
de nossa era. Cada vez que um desses crentes imolava um animal, profetizava
ele, tipologicamente, a morte de Cristo no Calvário. Em cada oferenda,
sustentada pela fé, havia uma súmula da soteriologia que hoje professamos.
4. O holocausto no período mosaico.
Após a saída dos filhos de Israel do
Egito, o Senhor instruiu Moisés a sistematizar o culto divino, para evitar
impurezas pagãs. Quanto ao holocausto, por exemplo, apesar de já ser uma
tradição na comunidade de Israel, teria de observar preceitos e normas. A
partir daquele momento, haveria um altar específico para as ofertas queimadas
(Êx 31.9). Tudo deveria ser executado de acordo com as normas estabelecidas por
Deus (Lv. 1—6).
Em sua peregrinação, os israelitas retornam
livremente ao holocausto. Se, no Egito, era abominação imolar um animal a
Jeová, agora, naquele deserto inóspito, o sacrifício de animais veio a constituir-se na parte mais bela e
nobre da religião hebreia. Os sacerdotes, agora, ofereciam redis inteiros ao
Senhor.
Como puderam eles criar tantos animais, não apenas
consumo próprio, como também para oferecê-los a Deus? Se em prados verdejantes
e junto a águas tranquilas já é difícil tanger bois e carneiros, o que fazer em
regiões ermas e abrasadoras? Quando nos pomos a servir a Deus, tudo Ele dispõe
a nosso favor. À noite, orvalhava o maná para o sustento do povo. Durante o
dia, providenciava o pasto àqueles rebanhos que se esparramavam pelo Sinai.
A instituição e a continuidade do culto levítico, no
deserto, constitui, em si, um grande milagre. Uma religião como a hebreia que,
litúrgica e teologicamente, requer animais, perfumes, incensos e pães, não pode
sobreviver sem uma logística perfeita. Num grande centro urbano, não haveria
problemas; fornecedores de matérias-primas não faltam. Mas, no Sinai, já
distante do Egito e ainda longe de Canaã, adorar ao Senhor, com os rigores e
demandas do culto levítico, era um desafio cotidiano. Sem mencionar a
construção do Tabernáculo em si.
5. O holocausto na Terra de Israel.
Após a conquista de Canaã, os holocaustos
continuaram a ser oferecidos livremente ao Deus de Abraão. Josué celebrou uma
importante vitória sobre os cananeus com holocaustos e ofertas pacíficas (Js
8.31). Gideão, ao ser comissionado pelo Senhor para libertar Israel,
ofertou-lhe um holocausto (Jz 6.26). Quanto a Samuel, ofereceu o mesmo
sacrifício ao Poderoso de Jacó, antecipando uma grande vitória sobre os
filisteus (1 Sm 13.9,10). A reforma de Ezequias foi marcada por generosos
holocaustos (2 Cr 29.7-35). Após o retorno do exílio, os judeus, agradecidos a
Deus pela restauração de seu culto, também ofereceram-lhe holocaustos que iam
além de suas posses (Ed 8.35).
A essa altura, o que era tradição adâmica e noética
torna-se instituição religiosa em Israel. Agora, o holocausto é visto como a
principal liturgia do culto israelita. Se fizermos uma pesquisa no âmbito da
história, da cultura e da antropologia, concluiremos que apenas a linhagem de Sem observou a prática
de ofertas queimadas ao Senhor. Quanto aos camitas, que povoaram a África e
partes do Oriente Médio, e aos jafetitas, que colonizaram a imensa região da
Eurásia, temos evidências de que não deram continuidade a oferenda com que Noé
inaugurara a segunda civilização humana.
As etnias acima citadas praticavam sacrifícios
cruentos; nenhum desses, porém, assemelhava-se ao holocausto semítico. Entre os
povos tidos como bárbaros, houve (e ainda há) abate ritual de animais e de
seres humanos. Mas holocausto, semelhante ao hebreu e com a sua essência
teológica, não; é algo exclusivo de Israel, a linhagem mais nobre e
representativa de Sem. E, por se falar em sacrifícios humanos, veremos, daqui a
pouco, por que esse tipo de oferenda jamais seria aceito por Deus.
II. A IMPLICAÇÃO TEOLÓGICA DO HOLOCAUSTO
Em todo sacrifício levítico, subjaz uma teologia que tem, em sua
natureza, uma soteriologia que nos remete, de imediato, à morte vicária de
Jesus Cristo. Sendo assim, precisamos descobrir aquilo que não seria incorreto
chamar de a mecânica teológica do holocausto.
1. A consciência do pecado humano.
Quando um crente hebreu propunha-se a
oferecer um holocausto ao Senhor, a primeira coisa que lhe vinha ao coração era
a sua própria culpabilidade (Sl 51.5). Ele sabia que, em Adão, todos haviam
pecado; ninguém seria tido por inocente diante de Deus. Até mesmo o
recém-nascido, apesar de ainda não ter a experiência do pecado, já carregava,
em si, a essência da ofensa adâmica (Rm 3.23; 5.12).
Se a situação do peregrino é tão desfavorável, o
que fazer?
Ele não poderia apresentar a si próprio a Deus,
pois não ignorava a pecaminosidade que lhe ia na alma. Por isso, buscava num
animal tenro, bom e geneticamente perfeito (símbolo de um intermediário
eficaz); uma ponte que o conduzisse a Deus. Sem o saber, o penitente evocava
perspectivamente, pela fé, ali, junto àquele altar, o sacrifício do Senhor Jesus Cristo no
Calvário. O Filho de Deus haveria de morrer, de fato, em favor de todos os
filhos de Adão: pelos contemporâneos da cruz, pelos que viriam a nascer e pelos
que já haviam morrido.
2. A consciência da justiça divina.
Já diante do altar, esse mesmo crente sabia
que, confrontado pela justiça de Deus, merecia apenas uma coisa: a morte; o
salário mais adequado ao pecado adâmico. Nesse impasse, a pergunta vinha-lhe à
mente: “Como aplacar um Deus irado?”. Se, por um lado, ele sabia que Deus é
justo, por outro, não ignorava que a justiça divina jamais deixava de vir
acompanhada por um amor que, incompreensivelmente, se dá. Por essa razão,
apresentava ao Senhor a vítima do holocausto, como a rogar-lhe: “Nele,
perdoa-me”. E, pela fé, era não apenas perdoado, mas justificado imediatamente.
A justificação não é uma doutrina exclusivamente
apostólica; no âmbito profético, era já conhecida e praticada junto ao trono
divino. O salmista, ao discorrer sobre a ousada ação de Fineias no episódio de
Baal-Pedor, reconhece: “Isso lhe foi imputado por justiça, de geração em
geração, para sempre” (Sl 106.31, ARA).
No episódio narrado pelo autor sagrado, observa-se
que Fineias assim agiu porque fora movido por uma fé incomum na santidade
divina. E, por essa mesma fé, foi justificado. O mesmo acontecia àquele que,
crendo na justiça divina, apresentava-lhe um holocausto. No ato da matança e da
queima do animal, mostrava ele a Deus a sua confiança num sacrifício vicário
que alcançaria o mundo todo. No ato do holocausto, desfilava diante de Deus
toda a soteriologia do Novo Testamento.
3. A consciência da propiciação diante de Deus.
O que o crente hebreu mais
ansiava era tornar-se propício a Deus. Todavia, ninguém poderia fazê-lo por si só, a não ser por meio de um intermediário, que fosse visto pelo
justíssimo Deus como alguém igualmente justo, santo, inocente e eficaz como
salvador; o próprio Filho de Deus.
Nos tempos dos patriarcas, ainda não se tinha um
retrato do Messias como hoje encontramos nos Salmos e nos Profetas. Davi, em
vários de seus cânticos, descreveu a vida, a morte e a ressurreição de Jesus
Cristo. Já Isaías, no capítulo 53 de seu livro, pinta o Servo de Jeová em tons
fortes e inapagáveis.
Ambos os autores sagrados já não precisavam do
holocausto para saber que o Filho de Deus, ao vir a este mundo como homem,
teria o mesmo destino do animal oferecido a Deus numa oferta queimada. Eis
porque o rei de Israel, numa evocação messiânica, lembra a transitoriedade do
holocausto na soteriologia messiânica: “Sacrifícios e ofertas não quiseste;
abriste os meus ouvidos; holocaustos e ofertas pelo pecado não requeres” (Sl
40.6, ARA).
Davi, como bom teólogo, sabia que o homem, para tornar-se
propício diante de Deus, carece não propriamente de um animal perfeito, mas de
um perfeitíssimo medianeiro. Já antevendo não apenas o Messias, mas também o
Consolador, roga ele a Jeová, depois de haver quebrantado duplamente a lei
divina:
Esconde o rosto dos
meus pecados e apaga todas as minhas iniquidades. Cria em mim, ó Deus, um
coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável. Não me repulses da
tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito. Restitui-me a alegria da tua
salvação e sustenta-me com um espírito voluntário. (Sl 51.9-12, ARA)
Observemos que Davi, embora almejasse a aceitação
de Deus, não lhe ofereceu um único holocausto. Sua compreensão das coisas
divinas ia além da pedagogia das oferendas e dos sacrifícios. Naquele momento,
ofertório algum, ainda que duplamente cruento, ser-lhe-ia útil. Por essa razão,
evocando implicitamente a intermediação de Jesus Cristo, o Holocausto dos holocaustos,
confessa sua confiança no verdadeiro Mediador entre Deus e os homens: “Pois não
te comprazes em sacrifícios; do contrário, eu tos daria; e não te agradas de
holocaustos. Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração
compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus” (Sl 51.16,17, ARA).
Não procuramos, aqui, ao evocar Davi e Isaías,
invalidar o holocausto na compreensão da soteriologia bíblica. Sem esse
sacrifício, o profeta e o rei jamais viriam a entender adequadamente a mecânica
da redenção que Deus, em Jesus Cristo, nos providenciara antes mesmo da fundação
do mundo.
4. A consciência de um sacrifício perfeito diante de Deus.
Assombrado pela
justiça divina, indaga o profeta:
Com que me apresentarei
ao SENHOR e me inclinarei ante o Deus excelso? Virei perante ele com
holocaustos, com bezerros de um ano? Agradar-se-á o SENHOR de milhares de
carneiros, de dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu primogênito pela minha
transgressão, o fruto do meu corpo, pelo pecado da minha alma? Ele te declarou,
ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a
justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus. (Mq 6.6-8
ARA)
Sim, indaga Miqueias: “Com que me apresentarei ao
SENHOR?”. Buscando a propiciação divina, o crente hebreu poderia oferecer
diversas coisas a Deus: bezerros, carneiros e azeite. Numa instância já
desesperada, não hesitaria em dar-lhe o próprio filho; o primogênito da alma.
Vejamos a inadequabilidade desses ofertórios. Iniciemos por examinar a oferta
que mais dor custaria a um pai.
Antes
de tudo, deixemos bastante claro, que Deus jamais exigiu sacrifícios humanos. A razão é bastante simples. Não obstante o custo espiritual, moral e
espiritual que tal demanda acarretaria ao adorador, o seu efeito redentor e
soteriológico seria inútil perante a justiça divina. Se todos pecaram e carecem
da glória de Deus, quem estaria apto a morrer vicariamente por alguém? Um
recém-nascido? Embora ainda inocente, já traz em si a semente do transgressão
adâmica. Até mesmo os três homens mais justos da História Sagrada não seriam
capazes de se darem vicária e salvificamente em favor dos transgressores, como
o próprio Deus o demonstra através do profeta Ezequiel:
Filho do homem, quando
uma terra pecar contra mim, cometendo graves transgressões, estenderei a mão
contra ela, e tornarei instável o sustento do pão, e enviarei contra ela fome,
e eliminarei dela homens e animais; ainda que estivessem no meio dela estes três
homens, Noé, Daniel e Jó, eles, pela sua justiça, salvariam apenas a sua
própria vida, diz o SENHOR Deus. (Ez 14.13,14, ARA).
No entanto, se o Senhor Jesus Cristo estivesse nessa mesma
cidade, Ele, em virtude de sua justiça vicária, certamente morreria; ela,
porém, seria poupada. Foi o que disse mui sabiamente o sumo sacerdote Caifás:
“Vós nada sabeis, nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo
povo e que não venha a perecer toda a nação” (Jo 11.49,50, ARA). Ao registrar o
fato, o apóstolo João, com a sua elevadíssima acuidade teológica, assim
interpretou a alocução de Caifás:
Ora, ele não disse isto
de si mesmo; mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus estava
para morrer pela nação e não somente pela nação, mas também para reunir em um
só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos. (Jo 11.51,52, ARA).
Inspirados por esse modelo teológico, como explicaremos a experiência de Abraão
ao ser instado pelo Senhor a oferecer-lhe Isaque? O patriarca, como o melhor
teólogo da época, depois de Melquisedeque, sabia que, seja desta seja daquela
forma, haveria de recobrar o filho, pois tinha irrestrita fé na promessa
divina. Mas, ainda que viesse a imolar o seu querido unigênito, a morte deste
poderia ser doxológica, mas jamais soteriológica e redentora, porque Abraão já
havia sido justificado ao crer em Deus (Gn 15.6). No instante extremo da
provação, o Senhor interveio, não permitindo que o hebreu lhe imolasse o filho
da promessa (Gn 22.11-13). Vicariamente, o ser humano é ineficaz até para si
mesmo. Se a nossa morte fosse suficiente para salvar-nos, bastaríamos optar
pelo suicídio, e a nossa situação, diante de Deus, estaria resolvida de vez. O
suicídio, todavia, não tem qualquer eficácia remidora. Se assim fosse, Judas Iscariotes
estaria hoje no Paraíso junto ao Senhor Jesus. Mas sabemos que, perdendo-se
ele, foi para o seu próprio lugar.
Se a morte do meu primogênito é ineficaz para
tornar-me aceitável diante do Senhor, o que lhe entregarei? Rios de azeite? O
fruto da oliveira pode (e deve) ser apresentado ao Senhor como dízimo e ação de
graças, mas, soteriologicamente, que eficácia tem? Afinal, não somos salvos
pelas obras, mas pela fé em Jesus Cristo. Logo, tais ofertas servem apenas
evidenciar-nos a salvação; somos salvos não pelas boas obras, mas à prática de
obras boas, meritórias e que mostrem, por intermédio delas, o nosso compromisso
com o Pai Celeste.
Restam-nos, agora, os bezerros de um ano e os
carneiros tenros e bons. Tornar-nos-ão propícios a Deus? Como símbolos e tipos
são eficazes. Mas, vicariamente, não. Se a simbologia e tipologia desses
animais fossem recebidas pela fé, o adorador não deixaria de ver, em cada um
deles, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Caso contrário, a morte desses
bichos não passaria de um desperdício litúrgico, um pesado encargo ao crente,
um enfado ao sacerdote e um enojamento ao Senhor.
O adorador que, pela fé, oferecia um
holocausto ao Senhor, demonstrava a eficácia desse sacrifício, em sua vida, na prática da justiça, no exercício da
misericórdia e na vivência do amor divino em seu cotidiano. E, no final de
tudo, veria naquele bezerro ou naquele carneirinho, o Cordeiro de Deus.
III. JESUS CRISTO, O HOLOCAUSTO PERFEITO
Para que o Filho de Deus se tornasse o holocausto perfeito, a fim de
redimir a humanidade, três coisas foram-lhe necessárias: a encarnação, o
sofrimento e, finalmente, a morte e a ressurreição.
1. A encarnação de Cristo.
A encarnação de Cristo foi o cumprimento cabal
e perfeito da profecia de Davi: “Sacrifício e oferta não quiseste; os meus
ouvidos abriste; holocausto e expiação pelo pecado não reclamaste” (Sl 40.6).
O que o Messias, por meio do salmista, diz é que, sendo os
holocaustos transitórios, restava-lhe apresentar-se voluntária e eternamente,
perante o Pai, para ser a oferta e o ofertante, a fim de redimir a humanidade
(Hb 10.110). Foi na condição de Homem Verdadeiro que o Senhor Jesus foi provado
em todas as coisas, exceto no pecado, para mostrar a eficácia de seu
maravilhoso e definitivo sacrifício.
2. O sofrimento de Cristo.
Assim como a vítima do holocausto era, antes de
ser queimada, repartida em pedaços, foi o Senhor Jesus submetido a todos os
sofrimentos, angústias e dores (Is 53). Ele sabia o que era padecer.
O autor da Epístola aos Hebreus garante que o Filho de
Deus, durante o seu ministério terreno, apresentou ao Pai constantes rogos, clamores
e lágrimas (Hb 5.7).
Da encarnação à morte, Ele foi implacavelmente
provado em todas as coisas. Mas, nem por isso, deixou de apresentar um fiel
testemunho como o Cordeiro de Deus (Jo 1.29).
3. A morte e a ressurreição de Cristo.
O auge do sofrimento do Filho de Deus, como nosso perfeito holocausto, foi a sua morte no Calvário. Antecedendo
o seu sacrifício, rogou ao Pai que lhe afastasse aquele cálice (Mc 14.36). No
entanto, Ele sabia que a morte na cruz era a sua missão, o ápice de seu ministério.
Em sua morte, a nossa vida.
Na verdade, foi morto e sepultado (Mt 27.59-66). No
terceiro dia, entretanto, eis que ressurge dos mortos como Rei dos reis e
Senhor dos senhores (Mt 28.1-10). Com a sua ressurreição, Jesus Cristo
plenifica o sacrifício perfeito, como ofertante e oferta.
CONCLUSÃO
Neste capítulo, refletimos sobre o sacrifício perfeito de Jesus Cristo. Ele é o
Holocausto dos holocaustos. Ele morreu eficazmente por mim e por você. Por essa
razão, mantenhamos uma vida de santidade e pureza, a fim de sermos fiéis
testemunhas do Evangelho. Não ignoremos o sacrifício de Cristo. Se o fizermos,
sobre nós recairá o justo juízo de Deus (Hb 10.26,27).