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segunda-feira, 30 de abril de 2018

4 Peculiaridades do Livro de Jonas

AS PECULIARIDADES DO LIVRO DE JONAS

O livro de Jonas tem algumas características peculiares:

EM PRIMEIRO LUGAR, ele é mais um relato histórico do que uma profecia. O livro é mais uma narrativa da experiência do profeta Jonas do que oráculos divinos pregados pelo profeta Jonas. Os demais profetas falam da parte de Deus ao povo em vez de contarem sua própria experiência. Há muito se observa que o livro de Jonas é notadamente diferente das outras obras que compõem os profetas menores. Enquanto elas se concentram basicamente nos dizeres dos profetas, o livro de Jonas trata dos acontecimentos em torno da missão do profeta e contém apenas um brevíssimo registro de seus pronunciamentos.

EM SEGUNDO LUGAR, ele é o único profeta especificamente comissionado a pregar aos gentios. Esse é o grande livro missionário do Antigo Testamento, diz Charles Feinberg. Jonas, um nacionalista zeloso é chamado por Deus e enviado a Nínive, uma grande cidade para proclamar contra ela. Nínive, mencionada pela primeira vez em Gênesis 10.11 era a antiga capital do Império Assírio. Situava-se na margem oriental do rio Tigre. Senaqueribe fê-la a capital da Assíria e os Medos e Persas a destruíram em 612 a.C. Nínive era a maior cidade do mundo daquele tempo (3.2,3; 4.11). Os pecados dos pagãos sobem até o céu e ofendem a Deus. Mas, o amor de Deus pelos pagãos desce até a terra e Deus envia a eles um mensageiro para anunciar-lhes sua Palavra. Jerónimo Pott diz que o propósito do livro de Jonas é ensinar que a providência e o cuidado de Deus não se limitam a Israel, mas se estendem também aos gentios.

EM TERCEIRO LUGAR, o livro de Jonas termina com uma pergunta retórica. Somente Jonas e Naum terminam suas profecias com uma pergunta retórica de Deus e curiosamente ambos os profetas profetizaram a Nínive, capital da Assíria. A pergunta registrada em Jonas revela a misericórdia de Deus e a pergunta registrada em Naum revela a sua justiça.

EM QUARTO LUGAR, o livro de Jonas descreve o maior protótipo da morte e ressurreição de Cristo no Antigo Testamento. A experiência vivida por Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe foi um sinal da morte e ressurreição de Cristo (Mt 12.38-40). Assim como a experiência de Jonas abriu-lhe a porta para anunciar aos pagãos a Palavra de Deus, a morte e a ressurreição de Cristo é o alicerce da nossa redenção. O livro de Jonas oferece-nos um protótipo das duas mais importantes doutrinas do Cristianismo: a morte e a ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo.
Selo postal israelense com citação de Jonas 4:8. 
“e o sol lançou seus raios na cabeça de Jonas.” 
Pinturas baseadas em tópicos do livro do profeta, 
capítulos 1 e 4. 21 de agosto de 1963, 
idiomas hebraico e francês. 'Wikipédia'

Autoria: Evangelista Rodrigo Alex 

Forte e e fraterno abraço ao grande amigo em Cristo.
Irmão Rodrigo Alex obrigado pela permissão desta publicação.

Livro do Profeta Jonas - Um Tesouro Bíblico para a Humanidade!

Autoria do Livro: Jonas 1:1 - expõe o profeta Jonas como o autor do Livro.

Escrito em: Provavelmente escrito entre 793 e 758 A.C.



Leia também:


"Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém." 
Romanos 11:36

Aqui eu Aprendi!

sábado, 28 de abril de 2018

Ética Cristã, Pena de Morte e Eutanásia

“O SENHOR é o que tira a vido e a dá; faz descer à sepultura e faz tomar a subir dela” 1Sm 2.6

Ética Cristã, pena de morte e eutanásia

Vivemos um momento de extremos em nosso país. Uns defendem a pena de morte. Outros são contra. O Brasil é um país que não tem uma tradição de pena capital institucionalizada. Por isso, ninguém sabe o que poderia acontecer caso um dia essa modalidade de punição fosse estabelecida em nosso arcabouço legal. Porém, é importante afirmar que em nosso país, conforme a Constituição Federal, a proibição da pena capital consta como cláusula pétrea, isto é, um princípio que jamais pode ser removido do texto constitucional, salvo quando a sociedade resolver elaborar outro documento constitucional; só então, a proibição poderá ser removida.

Ainda assim, não são poucas as pessoas que dedicam energia quanto à militância da causa. O motivo muitas vezes é a sensação de injustiça e de impunidade. Por isso, como ensinadores da Palavra de Deus, o nosso desafio é conceber a ideia de como o seguidor de Cristo deve se posicionar em relação ao assunto: o crente pode ser a favor da pena de morte? É possível conciliar o ensino de Jesus com a prática da eutanásia?

Caro professor, prezada professora, esses dois assuntos são bem sérios. O comentarista da lição trouxe uma explicação bem equilibrada sobre eles. Nesse espaço, priorizamos o da pena capital. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que as Escrituras Sagradas não normatizam o assunto. Embora tenhamos o desenvolvimento da pena capital no Antigo Testamento, bem como as exceções disponíveis no documento antigo, temos o problema da aplicação de uma lei de um estado teocrático para os nossos dias. Em segundo lugar, embora o apóstolo Paulo reconheça a pena capital como medida legítima do estado romano para punir os fora da lei, ele não normatiza a prática em o Novo Testamento. Ainda temos o exemplo de Jesus Cristo, que perdoou a mulher adúltera, ao fim do sofrimento dEle na cruz, o Mestre rogava: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34). Se há um assunto que é normatizado ao longo das Escrituras, e chancelado pelo nosso Senhor, é o de promover o perdão.

O perdão está no âmago da mensagem cristã (Mt 5.38-48; 18.21-35). O perdão dos nossos pecados nos trouxe a salvação. Por isso, não podemos perder de vista essa maravilhosa verdade acerca do perdão. Entretanto, não nos insurgimos contra a legitimidade de o Estado implementar esse estágio de punição, mas pontuamos que não é coerente ao crente ser um militante dele.

A pena de morte e a eutanásia violam a soberania divina. A vida foi dada por Deus e, portanto, pertence a Ele.

Leitura Bíblica em Classe - Romanos 13.3-5; 1 Samuel 2.6,7; João 8.3-5,7,10,11

A vida humana é o ponto de partida para os demais direitos da pessoa. Se o direito à vida não estiver assegurado torna-se impossível a existência dos outros valores. No entanto, em contradição a este pressuposto, temas relacionados à punição com pena de morte e o direito à eutanásia são frequentemente discutidos e aceitos na sociedade atual. Nesta lição estudaremos a presença da pena capital em ambos os testamentos bíblicos, a prática da eutanásia e suas implicações éticas na vida do ser humano.



A vida humana é o ponto de partida para todos os demais direitos da pessoa. Se a vida humana não estiver assegurada, torna-se impossível à realização dos outros valores. No entanto, em contradição a esse pressuposto, temas relacionados à punição com pena de morte e o direito à eutanásia são frequentemente discutidos e aceitos na sociedade pós-moderna. Neste capítulo, estudaremos a presença da pena capital em ambos os testamentos bíblicos, a prática da eutanásia e suas implicações éticas e ainda a vida humana como sendo originária e pertencente a Deus.

A prática da pena de morte, também chamada pena capital, é um instrumento jurídico pelo qual um ser humano é morto como punição por crime cometido. No Brasil, após a Proclamação da República, em 15 de novembro 1889, esse dispositivo foi proibido em caso de crimes civis e retirado do nosso Código Penal. Porém, o nosso atual ordenamento jurídico ainda dispõe da pena capital, que pode ser aplicada em casos de crimes cometidos em tempos de guerra (Art. 5º, XLVII, a, CF 1988). Na maior parte dos países, a pena capital também já foi abolida ou não é mais praticada. Quanto à eutanásia e seus desdobramentos, estudaremos na sequência deste capítulo.

I. A PENA DE MORTE NAS ESCRITURAS

É incontestável a presença da pena de morte nas Escrituras Sagradas. O Antigo Testamento prescreve a pena capital e o Novo Testamento reconhece sua existência, mas não normatiza o assunto. A pena de morte tem sido um dos mais controvertidos temas éticos da atualidade. A maior dificuldade está em conciliar o ordenamento jurídico da pena capital com o sexto mandamento prescrito no Antigo Testamento — “Não matarás” (Êx 20.13) —, que pressupõe a preservação da vida e a proibição do assassinato premeditado.

A outra problematização do instrumento legal da pena de morte é a sua incompatibilidade com o espírito do cristianismo, que pressupõe o perdão, o amor, a compaixão e a misericórdia; no entanto, a pena capital está presente nos escritos neotestamentários. O teólogo pentecostal Esequias Soares pondera que a presença desse instrumento de punição na Bíblia Sagrada possui sentidos diferentes em cada um dos testamentos: “a diferença do Antigo Testamento é que ali a lei prescreve como parte de um sistema legal, e aqui não é mandamento, conselho ou incentivo. O Novo Testamento apenas reconhece que a pena capital existe” (SOARES, 2015, p. 97).

1. No Antigo Testamento

Uma questão ética acerca da “pena retributiva” tem sido amplamente discutida a partir da advertência divina dada no Éden. Depois de criar o homem, o Senhor colocou Adão no jardim para lavrá-lo e guardá-lo (Gn 2.15). Para a subsistência, Deus o autorizou comer livremente de toda a árvore do jardim (Gn. 2.16). No entanto, o homem foi advertido acerca de um perigo real: “Mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17). Argumenta-se que nessas palavras divinas está presente a pena retributiva, o que significa que “a pessoa é moralmente responsável pelos seus atos e o delinquente merece castigo adequado” (HOLMES, 2013, p. 111). No caso específico do Éden, Deus alertou que a desobediência seria punida com a pena capital. Quanto a isso, os eruditos cristãos são concordes em afirmar que a punição aqui se refere tanto com a morte física quanto com a morte espiritual, ambas como efeito e resultado do pecado. Não obstante, o próprio Deus providenciou um meio de aniquilar a pena capital, ao enviar seu Filho para morrer no lugar do homem a fim de salvar a humanidade (Rm 6.23, 1 Co 15.26,54, Hb 2.14).

O homicídio praticado por Caim

O primeiro registro de homicídio registrado nas Escrituras relata o esfacelamento da primeira família da terra. Um problema de relacionamento motivado pelo ciúme e pela inveja resultou no primeiro crime de fratricídio, ou seja, a morte de um irmão por outro irmão. Deus responsabilizou Caim pela bárbara e covarde decisão de assassinar seu irmão Abel (Gn 4.6-10). No diálogo entre Deus e o homicida, arrependido pelo crime cometido, Caim suplicou perdão ao dizer: “É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada” (Gn 4.13). Por conseguinte, apavorado com as consequências de seu ato, o assassino conscientizou-se da desgraça que trouxera sobre a sua vida: “Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e errante na terra, e será que todo aquele que me achar me matará” (Gn 4.14).

As palavras de Caim refletem a ideia da lei retributiva: “quem me encontrar, me matará”. Em vista dessa convicção o assassino arrependido é surpreendido pela resposta divina: “qualquer que matar a Caim sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse” (Gn 4.15). No primeiro homicídio cometido pelo homem, Deus reclama para si todo o direito de vingança, por ser o dono da vida (Gn 4.10) e ao mesmo tempo proíbe que se tome vingança de Caim (Gn 4.15). Deus demonstra compaixão e misericórdia diante do pavor e desespero estampado nas palavras do homicida. Deus não permitiria que ele fosse morto, mas manteria o castigo da expulsão e da vida errante. Caim não recebeu a pena capital, mas uma sentença equivalente a pena perpétua. Os juízos divinos não são apenas retributivos, mas também são pedagógicos, pois têm o propósito de regenerar o ofensor (Hb 12.6,11).

Lameque e o aumento da criminalidade

Na continuidade do capítulo 4 do livro de Gênesis, o autor sagrado descreve a linhagem de Caim (Gn 4.17-22). O texto relata que Lameque, descendente de Caim, era de temperamento violento e comportava-se de modo vingativo e desequilibrado. Lameque requereu uma vida por uma ferida que lhe fizeram e outra por uma pisadura que sofrera. Ele tirou a vida de um homem e de um menino por motivo torpe e totalmente fútil. Em termos jurídicos, de nosso ordenamento jurídico atual, seu crime é tipificado como homicídio duplamente qualificado (Art. 121, §2º, CP). A narrativa bíblica também evidencia a insensibilidade de Lameque, sua falta de arrependimento, arrogância e jactância. Ele se gaba de seus atos criminosos para as suas mulheres (Gn 4.23,24). Diante desse terrível discurso, percebe-se que após a queda e o consequente primeiro homicídio, o ódio e a vingança tomaram proporções assustadoras (Caim é vingado sete vezes, Lameque setenta vezes sete).

Após a narrativa desses fatos seguida pela genealogia de Sete (Gn 5.1-32), as Escrituras registram no capítulo 6 do Gênesis a decadência e a depravação da espécie humana: “viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” (Gn 6.5). O registro bíblico relata a multiplicação da violência, a prática da injustiça, o domínio da vingança, a deterioração da sociedade e o consequente aumento da criminalidade. Ao ver a conduta humana corrompida (Gn 6.12), Deus se arrepende de ter criado o homem e decide enviar o dilúvio como castigo à humanidade (Gn 6.13,17). Ao salvar Noé e sua família (Gn 6.8-10;16) Deus estabelece uma nova dispensação para com a geração pós-diluviana:

Dentro deste contexto, a necessidade de equilíbrio é declarada por Deus por meio do “olho por olho e dente por dente”, a saber, uma proporcionalidade entre o mal causado e a resposta a este mal. Assim, a Lei de Talião é dada para regular as relações sociais desequilibradas em diversos âmbitos, tais como crimes e acidentes contra a pessoa, a comunidade ou mesmo a propriedade. Caso não houvesse lei reguladora, estes processos acabariam em ciclos criminosos de vingança e opressão dos socialmente mais fracos, com respostas desproporcionais e injustas. (MEISTER, 2007, p. 61)

Na tentativa de coibir o desenfreado crescimento da criminalidade e do desproporcional comportamento vingativo, a lei retributiva se apresenta para estabelecer limites e fixar normas a serem adotadas como um princípio regulador para a sociedade. Desse modo, a pena proporcional ao crime será estabelecida a fim de corrigir a postura de vingança violenta inaugurada por Lameque e inserida na cultura daquela época. Como poderemos perceber nos pontos subsequentes, a lei retributiva será exposta e claramente introduzida por Deus, registrada no Pentateuco, por meio dos pactos estabelecidos com o patriarca Noé e o legislador Moisés.

O pacto noético e a lei mosaica

1. No pacto com Noé (após o dilúvio), a pena de morte aparece como punição retributiva (Gn 9.6). Na Lei de Moisés (após a saída do Egito), o mesmo conceito é mantido (Êx 21.23-25). Esse modelo de punição também é conhecido como “lei de talião”. A expressão vem do latim Lex Talionis (lex = “lei” e talis = “tal, de tal tipo”), e consiste na justa reciprocidade do crime e da pena. O Código de Hamurabi (1750-1730 a.C.), que trata sobre delitos e penas, traz um conceito similar ao pacto noético e à lei mosaica.

2. Convém salientar que a lei retributiva não se referia unicamente à pena capital. A essência da lei está na “retribuição” proporcional ao dano causado. Na lei mosaica, as punições com a pena capital eram executadas por meio do apedrejamento, da espada e por meio da fogueira. Eram condenados à morte por apedrejamento os culpados dos seguintes delitos: infanticídio (Lv 20.2-5), adivinhação (Lv 20.27), blasfêmia (Lv 24.15,16), profanação do sábado (Êx 31.14; 35.2), falsa profecia (Dt 13.1-10), a falsa adoração (Dt 17.2-7), filho incorrigível (Dt 21.18-21) e o adultério (Dt 22.22-24). Eram punidos à espada os apóstatas (Êx 32.27), os assassinos (Nm 35.19-21) e os idólatras (Dt 13.13-15).

3. Era queimado na fogueira quem praticasse o coito com a esposa e a sogra (Lv 20.14) e também a filha de sacerdote que praticasse a prostituição (Lv 21.9). Outras punições fora da pena capital também eram executadas: a mutilação (Êx 21.24,25; Dt 25.12), açoites (Dt 22.18; 25.13), multas (Êx 22.1-4; Dt 22.18,19), prisão (Jr 37.15,16), escravidão (Êx 21.2; 2 Rs 4.1), além de outros métodos punitivos. Apesar de prevista, a pena capital não era aplicada de modo generalizado. No crime de assassinato, a pena era aplicada apenas no caso de homicídio premeditado (Êx 21.12). Se o homicídio cometido fosse considerado um acidente ou em defesa pessoal, o homicida involuntário poderia escapar da pena escondendo-se em uma das cidades de refúgio (Êx 21.12,13; Nm 35.2225). Era uma espécie de condenação perpétua; o culpado deveria permanecer na cidade de refúgio até a morte do sumo sacerdote (Nm 35.25).

4. Quanto à discutida contradição entre o sexto mandamento e a pena capital, a explicação pode ser encontrada no significado do verbo hebraico. A prescrição do Decálogo usa o verbo rãtsah na expressão “Não Matarás” (Êx 20.13), o que significa literalmente “não assassinarás”, isto é, a proibição do homicídio doloso ou qualificado. Então, ao cidadão era proibido tirar a vida de outro, e, quando alguém o fazia, a lei exigia que o Estado fizesse justiça. Para o devido processo legal, ao menos duas testemunhas eram requeridas (Dt 17.6). Assim, a morte do homicida com autorização legal era vista como justiça contra a impunidade, e não como uma mera vingança.

A pena capital e o perdão divino

1. Não obstante a severidade dessas punições, havia exceções na aplicação da lei, e até nos casos em que o crime tinha sido premeditado. Quando Davi adulterou e engravidou Bate-Seba, por exemplo, o rei deliberadamente planejou a morte de Urias com a finalidade de ocultar o seu pecado (2 Sm 11.3,4,15). Nesse episódio, Davi cometeu dois crimes dignos de morte: o adultério, cuja pena capital deveria ser executada com apedrejamento, e o assassinato, cuja punição requeria a pena de morte pela espada.

2. No entanto, Deus não permitiu que a pena fosse aplicada ao monarca: “Então, disse Davi a Natã: Pequei contra o Senhor. E disse Natã a Davi: Também o Senhor traspassou [perdoou] o teu pecado; não morrerás” (2 Sm 12.13). Nesse caso, Deus tratou pessoalmente do pecado do Rei com uma dolorosa sentença: a espada nunca se afastaria de sua família (2 Sm 12.10), as mulheres da família de Davi seriam violadas (2 Sm 12.11), as desgraças da família real seriam do conhecimento de todos (2 Sm 12.12) e, por fim, o menino nascido do caso de adultério iria morrer (2 Sm 12.14). A essência da lei retributiva estava presente na sentença, mas a pena capital não foi aplicada ao transgressor. O perdão e os propósitos divinos prevaleceram sobre a lei.

2. No Novo Testamento

No célebre ensino de Cristo conhecido como “Sermão da Monte”, registrado no Evangelho de Mateus, aparentemente a aplicação da pena capital foi encerrada ou recebeu nova interpretação nas repetidas declarações de Jesus: “Ouvistes o que foi dito [...] eu, porém, vos digo [...]”. Jesus usou essa expressão seis vezes no sermão (Mt 5.21,22,27,28,32,38,39,43,44). Nos dois primeiros casos listados por Jesus, a lei exigia que fosse aplicada a pena capital ao transgressor.

O Sermão do Monte e o Assassinato

No primeiro enunciado (Mt 5.21,22,25), Cristo referiu-se ao 6º mandamento preconizado no Decálogo: “Não matarás!” (Êx 20.13), cuja infração era punida severamente com a pena de morte por meio da espada. É inegável que Jesus amplia a interpretação vigente ao colocar o crime de assassinato no mesmo patamar do rancor e do ódio praticado contra o próximo. Uma parcela dos intérpretes dos Evangelhos afirma que Cristo considera a prática da ira e da vingança como pecado tão grave quanto o assassinato: “Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor” (Lv 19.18). Nota-se ainda que Jesus menciona dois tribunais de julgamento — “réu de juízo” e “réu do Sinédrio” —, e formaliza dois tipos de punição — “fogo do inferno” e “aprisionamento” (Mt 5.22,25). Alguns eruditos enxergam aqui a abolição da pena capital; outros intérpretes, porém, advertem que Cristo apenas acrescentou a pena de prisão em caso de calúnia e difamação. Apesar da controvérsia, está presente no ensino de Jesus a essência do cristianismo: amor, perdão e conciliação em lugar de ódio, rancor e desejo de vingança.

O Sermão do Monte e o Adultério

No segundo enunciado (Mt 5.27-30), Cristo referiu-se ao 7º mandamento preconizado no Decálogo: “Não adulterarás” (Êx 20.14). Essa infração também era severamente punida com a pena de morte, sendo o apedrejamento o método utilizado.

Neste caso da instrução acerca da imoralidade, Cristo corrige o falso ensino de que o adultério é caracterizado somente por meio da conjunção carnal. Jesus ensina que inclusive o olhar lascivo é uma forma de adultério. Para os padrões morais do Messias, o pecado não está apenas no “ato”, mas também na “intenção”. A interpretação dada por Jesus demonstra que ambas as condutas — adultério e cobiça — são desaprovadas por Deus: “Não cobiçarás a casa do teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo” (Êx 20.17). Na sequência do sermão, Cristo advertiu que era melhor arrancar um olho e perder uma das mãos, e assim entrar no céu (caolho e aleijado) do que ter todos os membros do corpo lançados no inferno (Mt 5.29,30). Essa passagem é carregada de simbolismos:

Jesus não está ensinando uma doutrina masoquista de automutilação com objetivos espirituais, e tampouco está sugerindo que o caminho para resolver o problema dos maus desejos é infligir cirurgia física radical. A figura de linguagem de Cristo enfatiza a importância crucial de tomarmos quaisquer medidas que forem necessárias a fim de controlarmos nossas paixões naturais, que tendem a explodir se não houver governo. (MOUNCE, 1996, p. 57)

Percebe-se na leitura do ensino de Cristo que o pecado da imoralidade é ampliado e assim a interpretação da lei toma uma nova e maior dimensão. E como prevenção contra esse pecado o sermão nos indica o caminho da “mortificação” da carne. Paulo utiliza esse ensino de Cristo quando escreve suas epístolas orientando os cristãos a mortificarem os desejos da carne (Rm 8.13; Gl 2.20; Cl 3.5). Também fica evidente no texto a inexistência da pena capital para o adultério. A única referência de condenação é a repetição, por duas vezes, da sentença que o corpo do adúltero (a) será “lançado no inferno” (Mt 5.29,30). Não obstante, na opinião de alguns intérpretes, não é possível afirmar, baseado neste texto, que Cristo tenha revogado a pena de morte. Contudo, o claro ensino de Jesus é o de “mortificar” os desejos, e assim evitar o inferno.

A pena capital nos escritos paulinos

Em Romanos 13.3-6, o apóstolo Paulo constata a legalidade da pena de morte e a legitimidade do Estado em usar a espada como punição ao transgressor. O texto paulino evidencia a autoridade do Estado pelas seguintes razões listadas nos versículos: “serva de Deus para teu bem”, “agente vingador para castigar o que faz o mal” e “estão a serviço de Deus”. Todas essas expressões indicam que o Estado tem o dever divino de punir os malfeitores, mas “o apóstolo nada diz quanto ao tipo de sanção e de penalidades que o Estado possa empregar” (STOTT, 2000, p. 417). A controvérsia em relação ao possível apoio do apóstolo à pena capital está presente na frase: “Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada” (Rm 13.4b).

O debate gira em torno do sentido que se deve dar a palavra referente à “espada” (machaira). O apóstolo já usara essa expressão antes com o sentido de morte: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?” (Rm 8.35). No entanto, no texto em apreço, as palavras seguintes parecem indicar que a expressão “espada” deve ser entendida como símbolo geral de juízo “para castigar o que faz o mal” (Rm 13.4c). Ora nem todo mal era castigado com a pena de morte, embora ela não esteja excluída do texto paulino. Portanto, o apóstolo não normatiza a aplicação da pena, não ordena e nem proíbe, apenas reconhece a existência da lei como dispositivo punitivo na sociedade e na cultura de sua época. De fato, a pena capital contém questões complexas para que sejam aplicadas no contexto cristão, “pois o precedente bíblico condenava à morte não só o homicida, mas também o adúltero e o que amaldiçoasse pai ou mãe” (HOLMES, 2013, p. 114). Aqueles que advogam o princípio bíblico para a pena capital estão dispostos em aplicá-la para todos os casos previstos na lei mosaica? A solução não estaria na mensagem transformadora do calvário?

O caso da mulher adúltera

O evangelista João registrou o caso de uma mulher apanhada em adultério (Jo 8.4). João informa que era de manhã cedo e Jesus estava ensinando no Templo (Jo 8.2). Cristo estava rodeado pelas pessoas que o escutavam, e de modo súbito os escribas e fariseus interromperam o discurso de Cristo com uma questão de ordem legal. Eles acusavam uma mulher de adultério e exigiam o parecer de Jesus sobre a aplicação da pena de morte (Jo 8.5). Essas autoridades eram “adeptos fundamentalistas da lei e sua interpretação, aplicação e preservação, eles sentiam-se ameaçados por uma nova escola de pensamento. Assim, tentavam anular Jesus com esta situação” (ARRINGTON, 2003, p. 540).

João registra que se tratava de uma armadilha para apanhar Jesus em alguma contradição: “Isso diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar” (Jo 8.6). O que pretendiam os opositores? Acusar Jesus de violar a lei? Torná-lo impopular com o apedrejamento de uma mulher? Parece que qualquer alternativa é possível para essas questões. Para os escribas e fariseus, não importava qual fosse à decisão, pensavam que só tinham a ganhar levando o problema para Jesus se posicionar.

Entretanto, os acusadores comportaram-se de modo parcial e trouxeram somente a mulher para ser julgada, enquanto a lei exigia a presença das testemunhas e também do adúltero (Nm 35.30; Lv 20.10). Cristo se recusou a participar desse juízo temerário e ilegítimo. Absolveu a mulher da punição, lhe perdoou e a exortou a deixar o pecado (Jo 8.11).

Contudo, uma parte da erudição neotestamentária diverge da citação acima referenciada. Consideram que o perdão de Jesus foi somente religioso e espiritual e que não houve perdão civil ou jurídico, já que a acusação contra ela tinha desmoronado (KAISER Jr, 2016, p. 176). Entretanto, não há dúvidas das lições que devem ser extraídas do incidente: Cristo não foi conivente com o pecado da mulher, mas desaprovou a violência e usou de misericórdia. Assim, apesar da pena de morte estar presente em ambos os Testamentos, os registros bíblicos assinalam que houve espaço para perdão e absolvição: para o rei Davi no Antigo Testamento e para a “mulher adúltera” no Novo Testamento.

II. EUTANÁSIA: CONCEITOS E IMPLICAÇÕES

A eutanásia é o procedimento em que de modo ativo ou passivo uma pessoa pode antecipar ou acelerar o processo de morte. Por vezes é chamada de “morte assistida” ou “suicídio assistido”. No Brasil, a eutanásia é ilegal e desaprovada pelo código de medicina.

1. O Conceito de Eutanásia

Etimologicamente, a palavra “eutanásia” tem origem em dois termos gregos: eu, com o significado de “boa” ou “fácil”, e thánatos, que significa “morte”. A junção desses dois termos resulta na expressão “boa morte”, também conhecida como “morte misericordiosa”. No sentido técnico, “eutanásia” significa antecipar, acelerar a morte ou tirar a vida de pacientes em estágio terminal, que estejam padecendo de dores intensas em consequência de alguma doença incurável. É o ato de matar o doente para não prolongar o grave quadro de seu sofrimento e de seus familiares. As formas usadas podem ser classificadas em eutanásia passiva ou ativa. A primeira consiste em desligar as máquinas e aparelhos que mantém o paciente vivo e a segunda requer a aplicação de qualquer droga que possa acelerar o processo de morte.

A ortotanásia

Enquanto a prática da eutanásia tem sido tema de amplo e controverso debate, a “ortotanásia” é um procedimento comumente aceito e praticado. Embora lexicamente a ortotanásia até possa ser considerada sinônimo de eutanásia, entre ambas há consideráveis diferenças no campo da ética (ANDRADE, 2015, p. 81). A ortotanásia advém das expressões gregas orthos, que significa “correta”, e thánatos, que significa “morte”. A junção desses dois termos resulta na expressão “morte correta”, também conhecida como “morte digna”. A ortotanásia trata os sintomas de uma doença para melhorar a qualidade da vida em estágio terminal. Nesse caso, o tratamento é paliativo, com o propósito de minorar a dor e deixar morrer da maneira mais confortável possível. Não se pretende a morte do paciente; simplesmente se aceita o fato de não poder impedi-la, isto é, permite-se que a vida do paciente cesse naturalmente. Costuma-se diferenciar a “eutanásia” da “ortotanásia” nos seguintes termos: “A ortotanásia seria deixar morrer, enquanto a eutanásia seria fazer morrer”.

2. As Implicações da Eutanásia

As consequências da prática da eutanásia são extremamente danosas e contrárias à dignidade da vida humana. As dúvidas e as interrogações formuladas são complexas: É legalmente autorizado fazer cessar a vida? É correto que as pessoas, especialmente quem está em fase terminal da vida e em profundo sofrimento, decida pelo término da sua vida? É permitido ao ser humano requerer medidas que lhe tirem a vida? É direito de a pessoa determinar o dia de sua morte? É moralmente certo que outras pessoas decidam pela vida do moribundo? Qual a ética adotada quando se decide pelo prolongamento ou pela eliminação da vida? Portanto, diante dessas e outras questões, a prática da eutanásia tem implicações de ordem legal, moral e ética.

Implicações legais

Nos aspectos legais, a Constituição Brasileira assegura a “inviolabilidade do direito à vida” (Art. 5º, CAPUT) e a “eutanásia” é tipificada como crime no Código Penal Brasileiro (CP):

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único – A pena é duplicada: I- se o crime é praticado por motivo egoístico; II- se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

No entanto, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei no 236/12 (Novo Código Penal), em que o juiz poderá deixar de aplicar punição para quem cometer a eutanásia, seja ela passiva, seja ativa:

Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave: Pena – prisão, de dois a quatro anos. §1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima. §2º não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão. (NCP, 2012, Art. 122)

Se aprovado, o novo código possibilitará ao magistrado avaliação subjetiva e pessoal acerca da prática da eutanásia ativa (§1º) e quanto à eutanásia passiva, o doente terminal ficará à mercê da vontade de terceiros (§2º). Nesses termos, a legalização da eutanásia provoca complicações de ordem moral e ética.

Implicações morais

Nas questões de ordem moral, deparamo-nos com a violação do sexto mandamento do Decálogo — “Não Matarás” (Êx 20.13) —, e em decorrência disso o crime de assassinato. E, ainda quando a “eutanásia” é consentida pelo paciente, surge o problema do pecado de suicídio. Associado a isso, questiona-se a participação do médico na condução do suicídio assistido. Nesse caso, o paciente provoca a própria morte com ajuda do médico que providencia os meios de fazer cessar a vida (PALLISTER, 2013, p. 144). Os médicos não deveriam salvar vidas, em lugar de eliminar vidas? Pergunta-se ainda: A quem mais interessa a eutanásia? Ao paciente ou ao seu plano de saúde e à previdência social?

Enquadram-se nessa discussão as questões de consciência e o sentimento de culpa. O homem como cidadão pode até compreender os argumentos pró-eutanásia, porém é muito difícil aplacar a consciência, pois ela é a primeira juíza de nossos atos. A culpa é considerada como um arrependimento por uma atitude tomada. Isso acontece quando alguém é obrigado pelas circunstâncias a decidir pela morte de um ente querido. Uma parcela de pessoas fica com a consciência pesada e sofrendo remorso. O sentimento de culpa torna a pessoa refém de sua ação contrária ao instinto natural de velar pela inviolabilidade da vida.

Implicações éticas

As indagações éticas podem ser assim resumidas: É lícito exterminar pessoas doentes? Descartar enfermos, inválidos e idosos não se constitui conceito racista da eugenia? Será ético interromper o tratamento de alguém que está sedado para não sentir dores ou induzido ao coma? As pessoas que desejam morrer estão com a mente sã e em condições psicológicas para essa tomada de decisão? Existem também, as questões éticas de erro médico. Os casos de diagnóstico errado. A pessoa descobre ser portador de uma doença que a fará conviver com dores horríveis, perdas cognitivas, intenso sofrimento, e, por fim, a morte. Desesperado e sem expectativas, o paciente pede então que tirem a sua a vida ou que o deixem morrer antes que a dor se torne insuportável. No entanto, o exame post-mortem conclui que o diagnóstico estava errado. Como lidar com uma tragédia dessas? Acham-se igualmente inseridos nesse contexto os casos de diagnóstico certo, mas de prognóstico errado. Por exemplo, a equipe médica chega à conclusão de que determinada doença levará o paciente a uma morte dolorosa. Não obstante, tempos depois, a cura é descoberta. Matar ou deixar morrer, nesses casos, promovem implicações éticas insolúveis.

III. A VIDA HUMANA PERTENCE A DEUS

Deus é a causa originadora como também a causa sustentadora de toda vida que existe. Deus é o Dono de todas as coisas, inclusive do amanhã (Mt 6.34, Tg 4.13,14). Ele é o único ser capaz de controlar integralmente tudo que existe, o curso da vida, cumprindo cabalmente o seu propósito e frustrando toda oposição (CRUVINEL, 2015, p. 3). Sob essa premissa, a pena de morte e a eutanásia violam a providência e a soberania divina. A vida foi dada por Deus e pertence a Ele.

1. A Fonte Originária da Vida

A Bíblia ensina que Deus trouxe o universo à existência (Gn 1.1) e que Ele próprio sustenta todas as coisas em existência (Hb 1.3). Deus não criou somente a matéria, mas criou também toda a espécie de seres vivos e ainda a humanidade (Gn 1.21-27; Cl 1.16). Os homens, como obra-prima, são uma criação especial e distinta. Deus os criou à sua imagem e semelhança (Gn 1.27), característica não dada a nenhuma outra criatura.

A vida humana passou a existir por causa da vontade de Deus e também continua a existir por sua vontade, pois “todas as coisas subsistem por Ele” (Cl 1.17). Deus está no controle soberano de toda a vida (Dt 32.39; Lc 12.7), e toda vida tem origem nEle: “pois Ele mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (At 17.25). Portanto, o Deus vivo é a fonte originária da vida e unicamente Ele tem autoridade para conceder ou tirar (1 Sm 2.6).

2. O Caráter Sagrado da Vida

A vida humana, sua sacralidade e dignidade têm sua origem e fonte em Deus. A vida existe e subsiste por vontade e com propósitos divinos. Atentar contra a vida é atentar contra a providência e a soberania de Deus, o autor da vida. O poder absoluto sobre a vida e a morte pertence única e exclusivamente a Deus. A atual ideologia que propaga o direito do homem em exterminar a própria vida ou a do outro viola os desígnios divinos (Jo 10.10). Portanto, a vida humana é sagrada e deve ser protegida, cuidada, preservada, respeitada e valorizada.

A sacralidade da vida

 Na história das religiões, sagrado é tudo aquilo que é objeto de uma garantia sobrenatural. O reconhecimento de que a vida humana é sagrada respalda-se em três dimensões fundamentais: a razão da sua origem, a razão da sua natureza e a razão do seu destino. Assim, como essas razões são sobrenaturais, a vida é sagrada, não por motivos biológicos, mas por Deus ser o protagonista de sua origem, de sua existência e de seu término. Em consequência, a vida humana é inviolável em quaisquer circunstâncias, fases ou etapas de sua existência. Por isso o sexto mandamento, “não matarás”, possui valor absoluto. Não se devem permitir concessões. Quando o mandamento é relativizado, a sacralidade da vida humana fica ameaçada.

A discussão da sacralidade da vida não pode ser apenas jurídica, mas, sobretudo, um debate de questões éticas. Para os preceitos da ética cristã, a vida humana é sagrada porque tem origem divina, visto que toda vida emana de Deus. Por conseguinte, deve ser inviolável a proibição de intencionalmente alguém tirar a vida de outro ser humano (Êx 20.13). Seja por meio da pena capital, seja por práticas abortivas ou com o uso de qualquer droga com a intenção de matar ou apressar a morte de alguém. A sacralidade da vida humana deve ser protegida e preservada antes e depois do nascimento, desde o momento da concepção até o seu último instante (Sl 116.15; 139.13-16). A vida deve ser respeitada e valorizada como dádiva divina: “Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida” (2 Pe 1.3a).

A dignidade da vida

Ao publicar sua obra A Metafísica da Moral (1797), o filósofo alemão Immanuel Kant, inaugurou o conceito de “imperativo categórico”. Em sua concepção, Kant ensinou que nas relações éticas o dever moral é “imperativo” e, por atingir a todos, sem exceção, também é “categórico”. Em outras palavras, o filósofo queria dizer que “a moral deve ser igual para todos, o tempo todo, e em todos os lugares”. Ele se posicionava contra o “relativismo moral” e contra a doutrina do utilitarismo, ou seja, a de que “os fins justificam os meios”. Para Kant, a ética deve ser fundamentada em princípios universais, e não em regras circunstanciais. Desse modo, quando aplicamos o conceito do “imperativo categórico” em relação à vida, a inviolabilidade recebe valor absoluto, ou seja, um respeito incondicional à dignidade humana é o reconhecimento do sagrado da vida, e não a sua banalização:

No Brasil, hoje vivemos uma situação paradoxal. Há proteção legal da vida de plantas e animais. O mesmo não ocorre com a vida humana. As plantas e os animais usufruem da proteção de ONGs, do público e da autoridade em geral, quando em propriedade particular. Em lugares públicos, a atitude muda, pois aí ninguém se sente responsável. Quando o vizinho derruba uma árvore em seu pátio, porque ameaça cair sobre sua residência, outros logo se encarregam de avisar as autoridades sob o pretexto de defender o meio ambiente. Onde fica a eminente dignidade humana? O homem foi reduzido a simples objeto? Deve o homem fazer tudo que sabe, sem prever as consequências? O homem é meio ou fim em si mesmo? (ZILLES, 2007, p. 344)

O autor da citação acima questiona a existência de espaço para a sacralidade e a dignidade da vida humana na sociedade hodierna. Reclama que, por parte de alguns setores, a vida das plantas e dos animais recebe maior atenção que a própria vida do ser humano. Isso nos remete ao problema da vulgarização da vida. Em nome do pseudodireito de morrer e também do suposto direito legal de matar, como nos casos do suicídio, aborto, pena de morte e eutanásia, a sacralidade e a dignidade humana são desrespeitadas e tornaram-se corriqueiras.

Entretanto, essa não deve ser a postura cristã. Se a vida é sagrada por ocasião da concepção, deve permanecer sagrada durante todo o seu percurso, e não poderá deixar de ser sagrada em seu derradeiro dia. No caso de alguma enfermidade, o paciente tem o direito de receber tratamento adequado tanto na busca da cura como no alívio de suas dores. Procedimentos dolorosos e ineficazes podem ser evitados a fim de resguardar a dignidade humana, porém, exterminar a vida é uma afronta ao Príncipe da Vida (At 3.15).

Buscar a morte como alívio para o sofrimento é decisão condenada nas Escrituras. Jó, por exemplo, embora sofrendo dores terríveis, reconheceu o caráter sagrado da vida e com dignidade não aceitou a sugestão de sua esposa em amaldiçoar a Deus e morrer (Jó 2.9). Por fim, o patriarca enalteceu a providência e a soberania divina sobre a existência humana: “Bem sei eu que tudo podes, e nenhum dos teus pensamentos pode ser impedido” (Jó 42.2). Quanto à pena capital, vale a pena ratificar a seguinte assertiva do apologista assembleiano: “é como a bomba atômica: existe, mas não é para ser usada. Ela não vai resolver, como nunca resolveu, o problema da violência e da criminalidade” (SOARES, 2014, p. 97).

A vida humana, sua sacralidade e dignidade, têm origem em Deus. Atentar contra esse dom divino é colocar-se contra a soberania de Deus, o autor da vida. O poder absoluto sobre a vida e a morte pertence a Deus. A atual ideologia que propaga o direito do homem em exterminar a própria vida, ou a do outro, viola o propósito divino (Jo 10.10).


Fonte:
Livro de Apoio – Valores Cristãos - Enfrentando as questões morais de nosso tempo - Douglas Baptista
Lições Bíblicas 2º Trim.2018 - Valores Cristãos - Enfrentando as questões morais de nosso tempo - Comentarista: Douglas Baptista

Aqui eu Aprendi!

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Vivendo uma Vida Santa

“Portanto, quem despreza isto não despreza ao homem, mas, sim, a Deus, que nos deu também o seu Espírito Santo” 1Ts 4.8

“A santificação começa na conversão, quando uma pessoa se arrepende e volta para Deus, passando a ser um ‘santo’ (que significa, literalmente, ‘uma pessoa separada ou consagrada’). Esse, porém, é apenas o começo de um processo contínuo e progressivo. Não leva muito tempo entrar num trem, mas leva tempo até chegar ao destino. A pessoa se torna santa por um ato de fé em Cristo Jesus, que nos atribui esse título, mas ser santo em cada aspecto da vida leva tempo. O trem não chega ao seu destino num pulo único, e nem nós nos tornamos santos desenvolvidos de um dia para outro. Precisamos crescer na graça e no conhecimento de Jesus Cristo. Do ponto de vista prático, a santificação é o processo mediante o qual os separados se tornam santos na prática, os que estão sob a graça de Cristo se tornam graciosos, e os cristãos se tornam semelhantes a Cristo. A santificação é a cristianização dos cristãos. [...] A santidade prática exige crescer espiritualmente; pessoas santas são ‘perfeitos, os quais, em razão do costume, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal’ (Hb 5.14). Criancinhas espirituais, como criancinhas físicas, estão dispostas a engolir tudo que acham! (Ef 4.14)” (PEARLMAN, Myer. Epístolas Paulinas:Semeando as Doutrinas Cristãs. 1ª Edição. RJ: CPAD, 1998. pp.184,194).

Deus nos convoca para uma compreensão de santidade que transcende os cerimoniais religiosos e os rituais de purificação humanos.

Texto Bíblico - Tessalonicenses 4.1-4

INTRODUÇÃO

Depois de ter redigido a parte principal desta sua primeira carta, na qual as temáticas centrais eram o louvor e a gratidão a Deus pela experiência de salvação que desfrutavam os tessalonicenses, Paulo passa a fazer alguns esclarecimentos a respeito de assuntos pontuais para a vida dos irmãos daquela igreja. O início desse novo momento da epístola é demarcado através da primeira palavra de 1 Tessalonicenses 4.1, que é traduzida por “finalmente”, “quanto ao mais”, “de resto”, “ademais”. O apóstolo parece orientar os membros daquela jovem igreja a respeito de algumas dúvidas teológicas que eles possuíam e provavelmente a respeito de algumas questões práticas que Timóteo destacou em seu relatório de retorno a Paulo. Estudar as inquietações dos tessalonicenses torna-se muito relevante, especialmente quando percebemos que estas ainda são muito pertinentes para a Igreja atual.

I. A VIDA SANTA QUE AGRADA A DEUS

1. Um modelo que é transmitido e compartilhado.
A preocupação de Paulo era que os tessalonicenses permanecessem no mesmo conjunto de princípios fundamentais que receberam no início de sua fé, pois se eles assim fizessem, tudo permaneceria bem. Em tempos de fórmulas mágicas ou estratégias mirabolantes, devemos nos fortalecer na confiança de que o Evangelho que nos foi transmitido é verdade espiritual suficiente para nossa edificação. Não necessitamos de complementos ou novas revelações (Gl 1.6-9). As boas-novas de Cristo não são uma verdade complexa e de difícil compreensão que apenas alguns privilegiados terão a capacidade de discerni-las; antes, é um fato simples e de fácil assimilação: Deus nos ama de maneira incondicional. O Evangelho é simples e descomplicado.

2. Vivendo para agradar a Deus.
O objetivo de Paulo neste momento de sua carta àquela comunidade era lembrar aos irmãos de que a finalidade de nossas vidas não é atingir metas pessoais ou sonhos individuais, e sim, agradar a Deus em tudo quanto fizermos. Ter uma vida santa é viver segundo o propósito do Senhor (2Tm 1.9). Por isso não tenhamos receio de obedecer a Cristo, sabendo que tal opção de vida nos conduzirá à felicidade e à realização pessoal. A manifestação do Reino de Deus em nós é produtora de vida, libertação e alegria (Sl 16.8-11); certamente passaremos por desafios e lutas, mas nada, nem ninguém, terão o poder de destruir os fundamentos eternos que o Senhor já estabeleceu em nossas vidas por meio da salvação em Cristo Jesus (Rm 8.35-39). Compreendamos que se viver é um privilégio, viver em Cristo é a experiência mais sublime que podemos vivenciar.

3. Vida transbordante, vida em santidade.
A presença do Senhor é reconfortante e abençoadora para nós. Se há uma metáfora bíblica que exemplifica de maneira clara a vida cristã, esta é a imagem do transbordamento. Analogias que se referem a rios caudalosos em terras secas (Is 41.18); colheitas produtivas em tempos de crise (Dt 28.8); prosperidade material (Sl 112.1-3). A medida de nossa alegria é a fartura (Sl 16.11), a porção do perdão que nos atinge é transbordante (Lc 6.38), o amor que nos salva é incomensurável (Jo 3.16). Vida cristã é sinônimo de vida santa, não há compatibilidade entre viver em Cristo e viver no pecado (Rm 6.1,2; 11-15). Por isso a nossa experiência de fé é aquela que aponta para uma abundante graça (Rm 5.20). Não é possível estar cheio de Deus, e continuar carregando ainda ódios, mágoas e ressentimentos. Esta é a causa de algumas pessoas não experimentarem a plenitude do Espírito, é preciso esvaziar-se de muita coisa antes.

Ponto Importante
Não devemos temer o que Deus preparou para nós; por mais desafiador e espantoso que seja, certamente isto será sempre o melhor.

II. O IMPERATIVO DA PUREZA SEXUAL

1. A santificação como vontade de Deus.
Não foi para uma vida de pecados que fomos vocacionados por Deus (1Jo 3.8,9). Aqueles que são guiados pelos valores decadentes do mundo não conseguem aperceber-se da presença do Senhor; veem apenas tragédias, dores e maldades. No nosso caso é diferente, pois por meio da semente da santidade que brotou em nosso ser conseguimos ver Deus em tudo ao nosso redor: reconhecemos as grandezas de Deus na natureza (Sl 19.1); na transformação ocorrida em nossas vidas percebemos a presença do Senhor (2Co 3.18); em tudo o que existe, ao vivermos em santidade, somos capazes de reconhecer a glória de Deus. Uma vez que Deus nos tornou santos devemos fazer de nossa vida um altar de louvor a Ele, de maneira que, assim como o Sumo Sacerdote da Antiga Aliança, todos quantos olharem para nós lembrem-se do lema de nossa vida: “SANTIDADE AO SENHOR!” (Êx 39.30).

2. Santificação que se exige de solteiros e casados.
Há em 1 Tessalonicenses 4.3-5 uma explícita e contundente exortação paulina quanto a pureza sexual. Não nos concentraremos no debate a respeito do que significa o termo vaso no v.4, pois o mais relevante é compreender que o Senhor conclama os seus filhos a reconhecerem a sexualidade como um componente tão sagrado do ser humano quanto tudo o mais que nos envolve é. Não há nada de profano ou pecaminoso no relacionamento sexual entre os casados. Lembre-se disso: seu corpo é templo e morada do Espírito Santo (1Co 3.16), não profane o templo de Deus, você! (1Co 6.15-19; Hb 13.4).

3. Vivendo num nível diferente de espiritualidade.
Se de fato nossa espiritualidade é viva, é necessário que o padrão moral e comportamental do povo de Deus não seja o mesmo daquele que é adotado pelo mundo. Essa é a orientação de Paulo àquela jovem comunidade (1Ts 4.5). Aqueles que estão cegos em seus delitos e pecados possuem uma maneira distorcida de encarar aspectos essenciais da vida, como a sexualidade, por exemplo, que não condizem com nossa maneira de compreender a realidade. Fomos vocacionados à salvação para, através de nosso testemunho, anunciarmos os valores de um Reino superior, de cima, do céu (Mt 5.13-16; Jo 3.31).

Ponto Importante
A santificação produzida por Deus em nossas vidas não tem efeitos apenas para o futuro; na verdade, os efeitos da obra de Cristo já repercutem agora em nós.

III. SANTIFICAÇÃO EM TODA MANEIRA DE VIVER

1. Negócios honestos.
Santidade, todavia, não é algo que se refere apenas ao corpo ou a exterioridade das pessoas. Devemos ser santos e honestos também em nossos negócios (1Ts 4.6). A corrupção é uma prática usual em nosso país; entretanto, nós temos de ser diferentes (Ml 3.18). Não podemos defender o lucro a todo custo, a pirataria, o desvio de verba, a balança injusta (Pv 11.1; Mq 2.2). Somos um ser integral, logo, é impossível ter um padrão de santidade nos momentos litúrgicos, isto é, na igreja, e não apresentar um testemunho santo em nossa vida fora do templo. Na verdade, fomos chamados para anunciar as verdades do Reino aos que estão distantes de Deus, se, em virtude de um comportamento inadequado, não somos capazes de fazer isso, nosso cristianismo é falso e nossa fé morta (1Co 8.9; Tg 2.17). É impossível ser cristão e não ser santo.

2. Relacionamentos sadios.
Não existe santidade na vida de quem promove violência, injustiça e discórdia. Como alguém pode declarar-se nascido de novo, mas ser responsável pelo fim de um casamento, pela promoção de inimizades entre pessoas, por semear a contenda entre irmãos? Isto é simplesmente impossível (Pv 6.16-19). Deus nos chamou para relacionamentos mutuamente edificantes, não devemos ser fardos para ninguém. Como anuncia Paulo, o Senhor é vingador do injustiçado (1Ts 4.6). Numa referência direta a Levítico 25.17, o apóstolo assegura que as trapaças humanas podem passar desapercebidas pelas demais pessoas, todavia, jamais serão desconsideradas pelo Senhor que é Deus da Justiça (Is 61.8). Ele “vingará” o violentado, restituirá o roubado, justificará o fraudulentamente acusado (Hb 10.30). Nossa esperança se estabelece no Senhor, em época como a nossa em que instituições sociais e seus compromissos com a equidade estão fragilizados.

3. Santificação como experiência de viver no Espírito.
O poder santificador do Espírito nos torna progressivamente mais santos (1Co 6.11). Somos convocados por Deus para uma experiência de santificação instantânea e constante (Jo 17.19). O fato de o mundo estabelecer relacionamentos fraudulentos e moralmente decadentes, além de ser um desrespeito ao outro — obra do amor do Criador, imagem e semelhança da própria divindade — torna-se um afrontoso pecado contra o Espírito Santo. Ao tratarmos outras pessoas fora do nível de amor e respeito que elas merecem, como filhos e filhas de Deus, estamos voltando-nos contra o próprio Senhor (1Ts 4.8). A adoração a Deus sem comunhão com o próximo é puro rito religioso vazio, desprovido do real sentido do culto a Deus. Deste modo, viver no Espírito é uma experiência de comunhão verdadeira com o Criador e seus filhos.

Ponto Importante
Em um mundo de ódio, preconceitos e posturas cada vez mais radicalizadas, somos convidados para ser agentes do amor, movidos pelo Evangelho de Cristo, por uma íntima compaixão que nos faça ver as pessoas que, se não forem evangelizadas, não terão qualquer oportunidade de ver o rosto de Deus.

CONCLUSÃO

Não existe santidade quando há isolamento, ódio e negação do outro. Se somos as pessoas deixadas por Deus nesta sociedade para que ela não apodreça em seus extremismos sociais, cabe-nos a tarefa de iluminar os corações entenebrecidos por preconceitos e discriminações, e dar sabor às vidas desesperançosas de justiça, bondade e paz. Ser santo é estar a serviço do bem-estar do outro.


Fonte: Lições Bíblicas Jovens - 2º Trimestre de 2018 - Título: A Igreja do Arrebatamento — O padrão dos Tessalonicenses para estes últimos dias - Comentarista: Thiago Brazil

Aqui eu Aprendi!

sábado, 21 de abril de 2018

Ética Cristã e o Aborto

“Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe, e no teu livro todas estas coisas foram escritas, as quais iam sendo dia a dia formadas, quando nem ainda uma delas havia” Sl 139.16

Ética Cristã e o Aborto

Neste domingo estudaremos sobre um assunto dramático: o aborto. Um tema grave que infelizmente foi sequestrado por uma agenda política irresponsável. A questão do aborto não é meramente em relação ao corpo da mulher (do contrário o ser humano estaria voltado para si somente num profundo egoísmo), mas da vida de um casal, homem e mulher, que teve um filho. Muitas vezes o aborto é incentivado pela parte masculina; outras, até mesmo por pessoas que têm uma posição social importante e sentem-se ameaçadas por algum escândalo. Veja que o caso é mais sério do que pensamos.

Quando falamos de alguém, principalmente, o homem, que não tem a coragem de assumir a responsabilidade da paternidade, e expressa pressões contra a mulher para “tirar a criança”, trata-se de um quadro em que não há mais o temor de Deus. A pessoa que não tem a sensibilidade com o sofrimento feminino diante de uma gestação complexa, que em condição de normalidade já requer cuidados, perdeu de vista o que significa Evangelho. Então, qualquer tentativa de apelo para retroceder parece vã.

Exponha o conceito
Por isso, professor(a), tenha em mente, e procure dividir isso com a turma, a dramaticidade do assunto. Muitas vezes estamos acostumados a debater um tema desassociado com a realidade dos fatos. Procure sentir a dor de quem está enfrentando esse contexto completamente adverso. Então, exponha o conceito de aborto conforme a lição, passando pelo conceito bíblico e pela riqueza da história da Igreja a fim de mostrar que a Igreja de Cristo sempre trouxe ao longo da história um compromisso visceral com a vida. Procure mostrar que a posição da Igreja de Cristo contra o aborto é contra a morte, contra o atentado à vida; mas carregado de um pleno compromisso com a mãe que sofre, a família que chora e a criança que vem. É um compromisso de amor!

Não é verdade que quando nos posicionamos contra o aborto estamos nos colocando contra a mulher, pelo contrário, estamos no posicionando a favor da vida e da beleza e a alegria da maternidade. Ninguém tem o direito de promover a cultura da morte, do extermínio da vida. Muito menos isso pode ser promovido pelo Estado. Por isso, a Igreja sempre está na contramão do mundo: se eles promovem a cultura da morte, nós temos o dever de promover a cultura da vida. Boa aula! Revista Ensinador Cristão nº73

O Senhor Deus é quem concede a vida, portanto, o direito de nascer e de viver não pode ser violado pelas ideologias humanas.

Texto Bíblico - Salmo 139.1-18

Defender o direito à vida do nascituro é a prova do compromisso com a dignidade do ser humano e a sacralidade da vida. A vida é santa, É uma dádiva de Deus. Só se pode defender o aborto quando se perde a dimensão sacra da vida e compreensão de dignidade humana inerente à sua natureza. Quando se remove o transcendente, e foca-se somente numa ética materialista, o embrião é visto apenas como um amontoado de células que pode ser desprezado por qualquer motivo. Por isso, urge por aprofundarmos a visão bíblica e sacra da vida afim de que a cultura da morte, instaurada em nossa sociedade, seja finalmente sufocada.

Ética Cristã e Aborto

O tema do aborto implica diretamente a dignidade humana e na inviolabilidade do direito à vida. Posições contrárias e favoráveis ao aborto sempre estiveram presentes na história da humanidade. As civilizações dos sumérios, os babilônios, os assírios, os hititas e os israelitas consideravam o aborto como um crime de maior gravidade. Em contrapartida, a cultura espartana (séculos V e IV a.C.), que era centrada na formação do “hoplita” — o soldado perfeito — os recém-nascidos que apresentassem alguma doença, má formação ou sinais de debilidade eram jogados do precipício a fim de serem descartados (GARCIA, 2011, p. 25). Os filósofos Platão e Aristóteles também consideravam o aborto e o infanticídio como instrumento de eliminação dos fracos e inválidos, que, segundo eles, eram um estorvo e nada podiam acrescentar ao bem comum. Em seu livro A República, Platão também defendeu a interrupção da gestação em todas as mulheres que engravidassem após os 40 anos (PLATÃO, 2000). Andrade registra que, em certa ocasião, Aristóteles aconselhou desabridamente: “Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar, ou educar, deve haver uma lei que proíba alimentar toda a criança disforme” (2015, p. 60).

I. ABORTO: CONCEITO GERAL E BÍBLICO

Em termos gerais, a prática do aborto é a interrupção da gravidez. Tal procedimento continua sendo um polêmico debate. Uma parcela da sociedade contemporânea o considera como um direito da mulher. As opiniões divergem em duas vertentes: os “Pró-Vida”, que são contrários ao aborto, e os militantes “Pró-Escolha”, que são favoráveis. Diante da problematização ética e moral que envolve esses grupos, apresentamos o conceito geral e bíblico do aborto.

1. Conceito Geral de Aborto
Conceitualmente, o aborto é a interrupção do nascimento por meio da morte do embrião ou do feto. Algumas literaturas identificam o aborto como feticídio cujo significado é a “morte do feto”. A palavra latina fetus significa “pequenino” e representa o ser que se presume vivo.
Sob essa perspectiva, o ato de “abortar” é caracterizado pela descontinuidade do processo natural de gestação do ser vivo. O termo gestação é originário da palavra em latim gestacione, que faz referência ao tempo em que o embrião fica no útero, desde a concepção até o nascimento. Portanto, esse termo pode ser aplicado a todos os animais que possuem um útero, que é parte integrante e mais importante do aparelho reprodutor feminino, nesse caso, dos mamíferos. Contudo, a aplicação do termo “descontinuidade da gestação” quando relacionado com a ética e a moral cristã refere-se à interrupção da gravidez da mulher. A essa interrupção dá-se o nome de aborto, que pode ser involuntário ou provocado com ou sem a expulsão do feto, resultando na morte do nascituro.

2. O Aborto no Contexto Legal
Considerado um dos mais antigos diplomas jurídicos, o código do rei Hamurabi (1810-1750 a.C.) apresentava severas punições contra o aborto. O código foi criado na Mesopotâmia por ocasião da primeira dinastia babilônica. Trata-se de um conjunto de 218 leis escritas em caracteres cuneiformes em uma coluna de basalto negro. O código previa indenizações à mulher no caso de aborto provocado. Os valores sofriam variações a depender se a mulher era livre ou escrava. No caso de a mulher vir a morrer como consequência do aborto provocado, o culpado era punido com a pena de morte.

No Código Criminal do Império no Brasil (1830), o aborto e o infanticídio eram punidos com prisão e trabalho forçado. Se a mãe matasse o filho recémnascido, a pena era de um a três anos de prisão e trabalho forçado (Art. 198). Mas no caso de aborto com o consentimento da mãe, a pena era ainda maior, de um a cinco anos de trabalhos forçados no sistema prisional da época (Art. 199).

Também no célebre juramento de Hipócrates, do século V a.C., que influenciou toda a história da medicina ocidental, estava incluso um voto específico em que o médico se comprometia a não realizar nem a eutanásia nem o aborto (PALLISTER, 2005, p. 141). O juramento era recitado pelos médicos no dia da formatura nos seguintes termos: “Não darei a nenhuma mulher um pessário1 para provocar um aborto” (KAISER JR, 2016, p. 138). Em 1949, a Declaração de Genebra ratificou esse compromisso, mas não como juramento. Na década de 1960, a Associação Médica Mundial reformulou a declaração e deixou margem para a prática do aborto em algumas circunstâncias.

Na legislação brasileira atual, o aborto é permitido nos casos de risco de morte à mulher e estupro (Art. 128, CP). Também é permitido a prática do aborto nos casos de anencefalia, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal — ADPF n. 54. Nos demais casos o aborto ainda é crime (Art. 124, CP). Contudo, em novembro de 2016, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que aborto até os três meses não é crime, abrindo um precedente para a descriminalização. Eles julgaram uma ação movida pelo Ministério Público envolvendo pessoas de Duque de Caxias (RJ) com a prática do crime de aborto consentido pela mãe. Durante a leitura de seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso esboçou com clareza que está alinhado e concorde com a ideologia de que “a mulher tem direito sobre o próprio corpo” e, portanto, tem o direito de interromper a gravidez indesejada:
A criminalização antes do terceiro mês de gestação viola a autonomia da mulher, o direito à integridade física e psíquica, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, a igualdade de gênero, além de provocar discriminação social e um impacto desproporcional desta criminalização sobre as mulheres pobres.2

Embora essa decisão teve efeito inter partes, ou seja, exclusivamente para o caso de Duque de Caxias, no dia 7 de março de 2017, o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) protocolou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 442, questionando os artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro, que pune com até três anos de detenção a mulher que praticar aborto e até com quatro anos de prisão ao profissional que realizar o procedimento. Nessa ADPF, o pedido é de que o aborto deixe de ser crime até a 12a semana de gestação. O PSOL argumenta que o embrião não tem status de pessoa constitucional, baseado em decisões do próprio STF, que já arbitrou sobre a morte de embriões para as pesquisas com células troncoembrionárias e já autorizou o aborto de anencéfalos.

3. Conceito Bíblico de Aborto
Na lei mosaica, provocar a interrupção da gravidez de uma mulher era tratado como ato criminoso. A legislação prescrevia o pagamento de multa a quem provocasse a descontinuidade da gestação em alguma mulher. O valor dessa multa deveria ser estipulado pelo pai da criança com a aquiescência dos magistrados (Êx 21.22-25). No sexto mandamento, o homem foi proibido de matar (Êx 20.13), o que significa literalmente “não assassinar”. Os intérpretes do Decálogo concordam que o aborto está incluso nesse mandamento. Assim, quem mata um embrião ou feto peca contra Deus e contra o próximo. Os preceitos divinos consideram injustificada e digna de punição a morte de inocentes (Êx 23.7). Todavia, os defensores da posição Pró-Escolha apelam que o texto de Êxodo 21.22-25 acima referenciado não considera o aborto como sendo a morte de uma pessoa. O preceito bíblico diz textualmente:

Se alguns homens pelejarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que aborte, porém não havendo outro dano, certamente será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e julgarem os juízes. Mas se houver morte, então darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe. (Êx 21.22-25)

O argumento considera que a legislação estipula a Lex Talionis “lei de talião ou lei da retribuição” (vida por vida) no caso de morte como resultado de luta corporal entre homens envolvendo mulher grávida. Os militantes PróEscolha disputam que a frase “não havendo outro dano” — apenas o aborto — significa dizer que a única penalidade deve ser uma multa. Isso implica afirmar que o aborto não é considerado morte; por isso, requer-se somente a multa, e não a “vida por vida”. Arrazoam também que a expressão “se houver morte” refere-se à morte da mulher que sofreu o aborto, e não a morte do feto. E, nesse caso, na morte da mulher, a lei de talião é requerida. A respeito desse questionamento, a falácia está na tradução do verbo “abortar” da versão de João Ferreira de Almeida. O verbo hebraico shakal, que normalmente tem o sentido de “abortar”, não aparece aqui, ao contrário, o verbo utilizado pelo autor bíblico é yasa, que se refere ao nascimento de uma criança viva. Desse modo, a tradução da Nova Versão Internacional (NVI) está mais explicativa, onde se pode ler: “Se homens brigarem e ferirem uma mulher grávida, e ela der à luz prematuramente, não havendo, porém, nenhum dano sério, o ofensor pagará a indenização”. Assim, no caso de uma mulher grávida ferida em uma briga antecipar o parto, e a criança viver, os causadores do parto prematuro pagam somente a indenização pelos danos causados, mas se a criança não sobreviver e ainda até a mãe morrer, paga-se “vida por vida”. Portanto, o uso desse texto para justificar a prática do aborto não se sustenta por ser um argumento inválido.

4. O Aborto na História da Igreja
“O ensino dos dez apóstolos” chamado de Didaquê (século I d.C.) condena o aborto e o infanticídio. Esse documento cristão foi escrito entre 60 e 90 d.C., provavelmente na região da Palestina ou na Síria. Dividido em quatro partes, contendo dezesseis capítulos, é a mais antiga fonte de legislação eclesiástica extrabíblica disponível aos cristãos do período pós-apostólico. Retrata a tradição das primeiras comunidades cristãs e a sua mensagem permanece válida para os dias de hoje. Entre outros preceitos, o documento estabelece: “Não mate, não cometa adultério, não corrompa os jovens, não fornique, não roube, não pratique a magia nem a feitiçaria. Não mate a criança no seio de sua mãe e nem depois que ela tenha nascido” (Didaquê II,2).

O apologista da igreja Tertuliano (viveu por volta de 150 a 220 d.C.), nascido em Cartago de família pagã abastada, ensinou que a morte de um embrião tem a mesma gravidade do assassinato de uma pessoa já nascida e que impedir o nascimento é um homicídio antecipado. Entre os anos de 197 e 220 d.C., Tertuliano, considerado o pai da teologia latina, dedicou-se a carreira de escrever e produzir obras em defesa do cristianismo. Sua escrita era vívida, satírica e fácil de ler. Seu método assemelha-se ao de um advogado expondo seus argumentos em um tribunal. Ao se dirigir aos romanos acerca da interrupção da gravidez, explicou assim:

Em nosso caso, já que proibimos o homicídio em qualquer forma, não podemos destruir nem sequer ao menino na matriz […] Impedir que nasça um menino é somente uma forma de matar. Não há diferença em se matar a vida do que já nasceu, ou se matar a vida do que não nasceu ainda. (BERCOT, 2012, p. 31, 32)

O polemista Agostinho de Hipona e os teólogos Jerônimo de Estridão e Tomás de Aquino consideravam pecado grave interromper a gestação e o desenvolvimento da vida humana. Embora a compreensão de Agostinho, quanto ao início da vida, divergisse de Tertuliano, o bispo africano “chegou a chamar de prostitutas as mulheres que, para escapar às consequências de sua vida imoral […] matavam o filho que traziam no ventre” (ANDRADE, 2015, p. 58). Jerônimo, autor da vulgata latina, considerou as mulheres que escondiam a infidelidade conjugal com o aborto como culpadas de triplo crime: adultério, suicídio e assassinato dos filhos. Aquino, autor da Suma Teológica, afirmava que a vida e o ser humano são inseparáveis, e, portanto, ambos são também invioláveis. Percebe-se, desse modo, que a valorização da dignidade humana, o direito à vida e o cuidado à pessoa vulnerável são princípios e doutrinas imutáveis da igreja cristã.

II. O EMBRIÃO E O FETO SÃO UM SER HUMANO

Fecundação, embrião e feto são os nomes das três etapas da gestação. O período gestacional é composto de 40 semanas que são fundamentais para a formação do bebê. Após o ato sexual, o espermatozoide sobrevive, em média, 72 horas (ou seja, cerca de 3 dias) dentro do corpo da mulher à espera que um óvulo seja liberado pelo ovário. O óvulo, depois de liberado, está disponível para ser fecundado apenas entre 12 e no máximo 24 horas. A fecundação ocorre na união entre o óvulo e o espermatozoide — que dá origem ao zigoto e que se instala no útero após uma série de divisões celulares. O termo embrião é usado para definir um organismo que está nos primeiros estágios de desenvolvimento. Ele é formado 24 horas após a fecundação. O período de desenvolvimento do feto decorre desde a 8ª semana até ao nascimento, e é um tempo de crescimento e desenvolvimento. Neste tópico, analisaremos em qual dessas três fases se dá o início da vida.

1. Quando Começa a Vida
No IV século a.C., o filósofo Aristóteles ensinava que a vida iniciava com o primeiro movimento do feto no útero materno. Segundo sua teoria, no caso do feto masculino, essa manifestação aconteceria no 40º dia de gestação, e no feto feminino, apenas no 90º dia. Aristóteles inferiorizava as mulheres, e por isso acreditava que o feto feminino se desenvolvia mais lentamente. Obviamente que essas suposições do filósofo eram descabidas e arbitrárias, e foram cientificamente descartadas.

Quanto aos cientistas, muitos concordam que a vida tem início na fecundação, quando o espermatozoide (gâmeta masculino) e o óvulo (gâmeta feminino) se fundem gerando a nova célula chamada “zigoto”. Essa nova célula possui uma identidade genética própria, diferente da que pertence aos que lhe transmitiram a vida, e a capacidade de regular o seu próprio desenvolvimento.

Outros pesquisadores defendem que a vida inicia com a fixação do óvulo fecundado no útero, onde recebe o nome de embrião — o que ocorre entre o 7º e o 10º dia de gestação. Outras correntes estabelecem que a vida humana se origina na gastrulação — estágio que ocorre no início da 3ª semana de gravidez. Nesse ponto, o embrião, que é menor que uma cabeça de alfinete, é um indivíduo único e a partir desse momento ele seria um ser humano. Outros apontam o começo da vida por volta do 14º dia, quando ocorre a formação do sistema nervoso. E isso pelo fato de que países como o Brasil e os Estados Unidos definem a morte como a ausência de ondas cerebrais.3 A vida começaria, portanto, com o aparecimento dos primeiros sinais de atividade cerebral. Tem ainda aqueles que indicam o começo da vida quando o feto tem condições de viver fora do útero, por volta da 25ª semana de gestação. E também os que defendem que a vida só tem início por ocasião do nascimento do bebê.

2. O que Diz a Bíblia?
Para a polêmica que envolve o aborto, definir quando o embrião ou o feto se torna humano, se na fecundação (concepção), no nascimento ou em um ponto intermediário, é uma questão de suprema importância. Como as respostas humanas têm sido controversas, o cristão deve buscar a verdade na revelação divina. A Palavra de Deus é incisiva ao ensinar que a vida tem início na fecundação. Acerca disso, registrou o profeta Jeremias: “Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; as nações te dei por profeta” (Jr 1.5). Esse texto indica que, antes de qualquer desenvolvimento do embrião, ou seja, na concepção e ainda antes do nascimento do feto, Deus já considerava o profeta como um ser humano.

Nessa mesma sequência interpretativa, o rei Davi descreve sua existência como ser vivo desde o início da concepção: “Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe, e no teu livro todas estas coisas foram escritas, as quais iam sendo dia a dia formadas, quando nem ainda uma delas havia” (Sl 139.16). Por conseguinte, de acordo com as Escrituras, a vida começa quando ocorre a união do gameta masculino ao feminino. Essa nova célula é um ser humano e possui identidade própria e, portanto, o seu direito de nascer não pode ser interrompido por vontade, desejos ou caprichos do homem.

A presença das virtudes divinas pode ser observada em cada uma das etapas de formação do ser vivo. Os versos do Salmo 139 focalizam as virtudes da onisciência, onipresença e onipotência divina. O salmo reconhece que é Deus quem cria o íntimo de nosso ser. As pessoas são conhecidas e cuidadas pelo Senhor desde a concepção (Sl 139.13a). Deus é quem forma o ser dentro do ventre da mãe. O ser vivo é formado de modo “assombroso” e “maravilhoso” (Sl 139.13b-14). O salmista afirma que Deus vê o embrião ainda informe, e o ama em todos os processos formativos, desde a fecundação, nascimento e por toda a sua vida (Sl 139.15-16). Para Deus, o embrião não é “só um punhado de tecidos”; ao contrário, Deus já sentia afeto e amor por nós quando estávamos sendo tecidos dentro do ventre de nossa mãe (KAISER JR, 2005, p. 146).

3. Qual a Posição da Igreja?
Na igreja protestante, por meio da reforma efetivada por Lutero e apoiada nas Escrituras, os cristãos que mantêm os princípios teológicos e a ortodoxia defendem a dignidade humana desde a sua concepção, ou seja, que o começo da vida acontece na fecundação. Ratificam o ensino de que a vida humana é sagrada em todas as etapas do desenvolvimento do ser vivo e que não pode ser violada pelo homem (1 Sm 2.6). Divulgam que toda ideologia que seculariza os princípios bíblicos deve ser combatida (2 Tm 3.8). Nesse aspecto, a posição oficial das Assembleias de Deus no Brasil foi assim exarada: “A CGADB é contrária a essa medida [aborto], por resultar numa licença ao direito de matar seres humanos indefesos, na sacralidade do útero materno, em qualquer fase da gestação, por ser um atentado contra o direito natural à vida” (Carta de Brasília, 41ª AGO, 2013).

III. TIPOS DE ABORTOS E SUAS IMPLICAÇÕES ÉTICAS

Como já mencionado acima, a legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez em duas situações: aborto em caso de estupro e aborto terapêutico. Assim como nos casos de anencefalia do feto, estabelecida pela Suprema Corte brasileira. Já foi dito também que tramita no STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para que o aborto deixe de ser crime até a 12a semana de gestação.

Neste tópico, apresentamos as principais implicações éticas para esses tipos de aborto, os que já estão legalizados e aqueles que poderão ser descriminalizados. Quando a Igreja se posiciona eticamente contrária a essas decisões legais, não significa dizer que somos retrógrados ou que somos insensíveis às dificuldades e à complexidade de uma gravidez indesejada:

Qualquer escolha nesta área da vida compreende muito mais do que apenas cálculos humanos definíveis [...] Mas indica, sim, que Deus ainda é Senhor da história e que ele pode transtornar os cálculos humanos, e muitas vezes o faz. Portanto, maior peso deve ser colocado sobre o respeito pelos princípios teológicos básicos apresentados na revelação bíblica. (HENRY, 2007, p. 22)

A despeito das decisões humanas, a verdade bíblica quanto ao aborto não pode ser relativizada. O princípio de defesa da vida humana não pode conter exceções. Em uma sociedade secularizada, o cristão precisa tomar cuidado com o relativismo, não fazer concessões e estar alerta quanto às ações de manipulação de sua consciência e o desrespeito à vida humana (1 Tm 4.1,2).

1. Aborto de Anencéfalo
Em abril de 2012, o STF permitiu a interrupção da gravidez de feto anencéfalo (sem cérebro ou com má formação cerebral), bastando para isso o diagnóstico médico que ateste anencefalia. A principal implicação ética dessa decisão está no descarte de um ser humano por apresentar uma má formação. Trata-se de uma ideologia racista chamada “eugenia”, que defende a sobrevivência apenas dos seres saudáveis e fortes. A eugenia alcançou níveis extremos com o nazismo e o holocausto. Hitler e seus seguidores almejavam atingir a pureza racial e, para isso, eliminaram os inválidos, velhos, doentes e os considerados fracos.

2. Aborto em Caso de Estupro
Segundo o Código Penal, em vigor desde 1940, somente as situações previstas nas alíneas do Art. 128 autorizam a eliminação da vida intrauterina, ou seja, a prática do aborto. O artigo preconiza textualmente:

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico (Vide ADPF 54)
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Diante do previsto do artigo acima referenciado, analisaremos neste tópico, o inciso II, que trata da gravidez resultante de estupro. Precisamente, no que tange às questões éticas e seus desdobramentos. Conforme preconiza a Norma Técnica do Ministério da Saúde sobre Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, não se exige qualquer documento que comprove o abuso sexual, basta a versão da vítima e o consentimento da mulher para que o aborto seja realizado. Ou seja, a mulher vítima de violência sexual não tem o dever legal de notificar o fato à polícia. A palavra da mulher que buscar o aborto sob a alegação de ter sofrido estupro deve ser entendida como presunção de veracidade. Como não é necessária a comprovação do crime de estupro e nem autorização judicial para o aborto, a lei é permissiva e complacente com a interrupção da gravidez mesmo que o estupro não tenha ocorrido. Os que fazem objeção a essas questões éticas argumentam que vítima já sofreu o suficiente e que não deve ser submetida a outros constrangimentos.

A Bíblia Sagrada, porém nos adverte: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr 17.9). E acrescenta:

“Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura” (Mc 7.21,22).
Outra questão a se discutir refere-se ao Código de Ética Médica (CEM). O Código assegura ao médico:

Exercer sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente. (Código de Ética, Inciso VII, Cap. I)

De acordo com essa redação, o direito de recusa por causa da consciência é algo utópico, pois o Código, de modo conflitante, veda ao médico “descumprir legislação específica nos casos de transplante de órgãos ou tecidos, esterilização, fecundação artificial e abortamento” (Art. 15, Cap. III). Assim, ao mesmo tempo que se garante ao médico a objeção de consciência, o profissional está obrigado a realizar o abortamento, juridicamente permitido, na ausência de outro médico que o faça (Código de Ética Médica, 2010).

De outro lado, discute-se também a inviolabilidade do direito à vida do nascituro. A Constituição Federal promulgada em 1988 assegura que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (Art. 5º, Caput). O Código Civil, em vigor desde 2002, ao tratar da “personalidade e da capacidade”, protege a vida desde a concepção ao legislar que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (Art. 2º do CC). Esse dispositivo é interpretado por diversos civilistas do seguinte modo: “Embora a vida se inicie com a fecundação, e a vida viável com a gravidez, que se dá com a nidação, entendemos que na verdade o início legal da consideração jurídica da personalidade é o momento da penetração do espermatozoide no óvulo” (DINIZ, 2012, p. 102). Pode-se, então, com esse dispositivo legal, considerar o início da vida na concepção e assim caracterizar o aborto como atentado à vida.

Outra questão ética a ser levantada relaciona-se ao fato de que um crime não pode justificar outro crime. O crime de estupro não pode ser justiçado com a morte do feto que não tem culpa alguma da violência praticada. A lei de talião foi abolida e reinterpretada por Cristo: “Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, dente por dente? Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau; antes, àquele que te fere na face direita oferece-lhe também à esquerda” (Mt 5.38,39). Apesar de reconhecer o trauma, a dor, os problemas psicológicos e sociais que podem resultar da gravidez indesejada, a ética cristã não pode ser relativizada. Outras soluções podem ser encontradas a fim de ajudar a mãe sem que seja necessária a morte de um ser vivo.

3. Aborto Terapêutico
Como está redigida a legislação brasileira, explicitada no Código Penal, não se considera crime ou não aplica pena no aborto praticado para salvar a vida da gestante (Inciso I, Art. 128). Esse dispositivo, motivo de exclusão da punição, está previsto no código vigente com o nome de “aborto necessário”, situação em que está enquadrada a interrupção voluntária da gravidez. No entanto, o preceito legal não explica em que situações o aborto é necessário, apenas enuncia “se não há outro meio de salvar a vida da gestante”. Diante dessa brecha legal, juristas e penalistas consideram a vida da mãe superior à vida da criança.

Desse modo, o problema ético se sobressai e coloca em conflito o “direito à vida da mãe” e o “direito à vida de seu filho”. Assim, por meio do diagnóstico médico, que se pressupõe ser apto para julgar a qualidade da vida humana, pode-se decidir entre “ter os filhos que se quer e não ter os que não se quer”. Quanto a essa imprecisão legal, renomados médicos se posicionaram contra o “aborto necessário”.

Sob outra ótica, como efeito colateral no tratamento da saúde, uma gestante pode correr o risco de abortar, porém, nesse caso, não existe intenção de provocar o aborto, e sim de tratar a doença. No entanto, a situação é diferente quando o médico age intencionalmente para matar a criança a fim de preservar a mãe. Essa ação é justificada, como vimos, com a alegação de que a vida de um adulto tem maior valor que a vida de um ser em gestação. Daí surgem questões éticas quanto à valoração da vida humana. Uma pessoa merece viver e outra não? Outra questão é acerca do poder sobre a vida. Podemos decidir quem deve viver ou morrer? Não afirmam as Escrituras que a vida e a morte são, unicamente, da alçada divina? (1 Sm 2.6; Fp 1.21-24)

1 Pequeno dispositivo flexível que é inserido no órgão genital feminino.

2 Habeas Corpus 124306 — Supremo Tribunal Federal. Disponível em . Acessado em 07 de outubro de 2017.


3 Determina a legislação brasileira que para a constatação da morte de uma pessoa é necessário a realização de exames clínico-neurológicos, a fim de testar possíveis reflexos cerebrais. No caso de pacientes acima de 2 anos, é imprescritível que, ao mínimo, dois médicos atestem o óbito, com o intervalo de seis horas.

Fonte:
Livro de Apoio – Valores Cristãos - Enfrentando as questões morais de nosso tempo - Douglas Baptista
Lições Bíblicas 2º Trim.2018 - Valores Cristãos - Enfrentando as questões morais de nosso tempo - Comentarista: Douglas Baptista

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