“E porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” Gn 3.15
Uma
promessa de Salvação
Neste
mês de outubro, ocorrerá o evento de suma importância para toda a igreja de
tradição protestante no mundo: 500 anos da Reforma Protestante. Por isso, o
tema que estudaremos ao longo deste trimestre — A Obra de Salvação: Jesus
Cristo é o caminho, a verdade e a vida — é importantíssimo para todos os
cristãos que se identificam com a tradição protestante, e mais especificamente,
para nós os pentecostais. O tema da salvação foi crucial para o advento da
Reforma Protestante. Num contexto em que se vendia o céu por dinheiro, bispos
praticavam imoralidades e a espiritualidade da igreja oficial era isquêmica e
autômata, dizer que a salvação do pecador dependia exclusivamente da fé em
Cristo Jesus era algo que só poderia brotar do Espírito Santo. Essa mensagem ia
contra toda a teologia e tradição construídas ao longo dos anos pela igreja
ocidental. Para nós, os pentecostais, de longa data, há sempre uma tensão ao
tratar do assunto. Isso por que muitos se veem diante de uma tradição
protestante forte em que a tônica soteriológica se dá no sentido de jamais ser
possível perder a salvação. E se afirmamos que o crente precisa esforçar-se
para viver em santidade e guardar fé para não cair da graça, faz-se uma
acusação de pelagianismo, isto é, Deus não seria o responsável pela salvação,
mas sim o homem. Jamais, nós os pentecostais, afirmamos tal “doutrina”. Neste
trimestre, veremos que isso não faz sentido algum, pois a mesma Bíblia que diz
que Deus é soberano e, sim, é o autor da salvação, pois Ele, em primeiro lugar,
deseja que todos sejam salvos (1Tm 2.4); também diz que é preciso estarmos
vigilantes e santificar nossa vida diante Deus, pois sem santidade “ninguém
verá o Senhor” (Hb 12.14).
Embora
sejamos alcançados pela graça por Deus, pois jamais afirmamos coisa contrária,
Ele espera que o Espírito Santo convença o homem “do pecado, e da justiça, e do
juízo” (Jo 16.8). Assim, é o desejo do Pai, que em Cristo, o ser humano
reconheça o seu real estado e diga o “sim” de verdade, como decisão consciente
de que Jesus Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14.6); porque “quem crê
nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no
nome do unigênito Filho de Deus” (Jo 3.18). Revista Ensinador Cristão nº72 - CPAD
A Promessa da Salvação foi a resposta amorosa de Deus para reconciliar consigo mesmo o ser humano.
Leitura Bíblica em Classe: Gênesis 3.9-15
A salvação é um processo imediato (conversão) e
contínuo na vida do crente (santificação). É necessário que o nascido de novo
conheça todos os benefícios que essa dádiva, por intermédio da morte de Cristo,
outorgou-lhe na cruz. A vida plena, a paz, a alegria, a misericórdia, a graça e
a bondade que o crente desfruta provêm do milagre da salvação.
A salvação é obra de Deus e é oferecida como
presente pela sua graça (Ef 2.8-9), não podendo ser alcançada por mérito ou
esforço humano (Tt 2.11). Ela tornou-se necessária após a experiência
destrutível que o homem experimentou ao pecar no Jardim do Éden, o que tornou
deplorável o estado do homem.
Um dos maiores tesouros que a raça humana
perdeu com a Queda foi a capacidade de amar plenamente a Deus, a seu semelhante
e a si mesmo — essa era a essência da imagem de Deus; agora, apesar da
capacidade de amar, foi incorporada a desconfiança, a ira, o rancor, o ódio e a
vingança, que passaram a fazer parte dos relacionamentos, alienando
(separando) o ser humano do seu semelhante, de Deus e de si mesmo. Isso é
motivo de angústias e desesperos no ser humano.
O pecado tem como consequência a destruição da
comunhão com Deus, provocando alienação; esta, por sinal, provoca a ira de
Deus, bem como a culpa (expectativa de horror pela alienação) no homem,
impedindo-o de chegar-se a Deus, estabelecendo a parede de separação (Is 59.2;
Ef 2.14);
A santidade de Deus exige uma restituição à
altura; o homem, entretanto, não tem condições de satisfazer essa
exigência. Sendo assim, Deus evidencia sua misericórdia e amor
providenciando uma solução, mas a honra de Deus exigiu o sacrifício de um homem
perfeito como único meio suficiente de reconciliação. O ser humano é
incapaz de satisfazer essa exigência. Assim, Cristo morreu em lugar da
humanidade. Essa incapacidade humana exigiu a morte de cruz para que se
compreendesse o imensurável amor de Deus.
Esse estado de pecado no homem causou-lhe a
culpa pelo pecado e o medo da morte como consequência (Rm
6.23). Antropologicamente, a culpa tenta ser amenizada aplacando o clamor
da alma do homem que lhe grita de forma ensurdecedora: “um preço precisa ser
pago”; a exemplo dos povos mais primitivos que criam formas e rituais
religiosos para amenizar essa culpa, alguns deles sacrificando animais, fazendo
oferendas ou sacrificando ao seu deus algo que lhe custe caro, muitos crentes
também podem estar tentando aplacar esse grito de forma errônea, ou sem estarem
entendendo todos os benefícios da salvação, ou, ainda, querendo aprofundar
esse tema. Daí a necessidade de estudarmos o significado da salvação em
Cristo Jesus.
Para livrar-se desses medos anteriormente
descritos, o homem procura criar preceitos morais e éticos5 que limitam
sua esfera de ação, definindo o que é certo e o que é errado. Quando
transcende esse limite, ele sente-se culpado e condenado. Quando se
comporta dentro desse limite, pode sentir-se falsamente bem. Alguns
círculos religiosos têm procurado satisfazer essa ansiedade traçando para si
limites mais estreitos, ou seja, quanto maior seu sentimento de culpa e
condenação, mais eles tentam, com isso, amenizar sua consciência. Tal
situação pode produzir sujeitos neuróticos e doentes, que muitas vezes não
conseguem viver a plenitude da salvação e nem se contentam enquanto os outros
não se tornarem como eles. Abusados, tornam-se abusadores da
liberdade dos outros e vice-versa, num constante círculo vicioso de
proselitismo doentio.
O crente precisa transferir esse apelo para
Cristo para livrar-se do legalismo e da culpa. Todos os falsos deuses e
legalismos exigem algo do homem para aplacar a ira desse “deus”, mas o Deus
verdadeiro fez o contrário: Ele deu a si mesmo em resgate da
humanidade! (cf. Gl 1.4)
A palavra salvação em latim é composta
por salvare (tornar seguro) e por salus (boa saúde,
ajuda). Disso, é oriundo o cumprimento latino “salve” como um desejo de
boa saúde. Portanto, salvação é um termo abrangente cujo significado
evoca bem-estar físico, mental, social e espiritual, justamente o que a
Bíblia diz ser cura, redenção, remédio, completude, inteireza, integridade e
integralidade. “Salvação significa a ação ou resultado de livramento,
preservação de algum perigo ou enfermidade, subentendendo segurança, saúde e
prosperidade.”6 A salvação não é uma ideia ou um projeto apenas; é uma
pessoa.
É o próprio Jesus, o próprio Deus quem se
dá. Em sua presença todos os debates intermináveis que despertam em nós o
sentimento de culpa, todas as diferenças moralistas e nossas defesas contra os
julgamentos de outros, tudo isto se esvai. [...] O remorso é silenciado
pela sua absolvição. Ele substitui o remorso com uma simples pergunta,
aquela que fez para o apóstolo Pedro: “Tu me amas?” (Jo 21.15).7
Tanto os nomes de Deus e de Jesus no hebraico
têm semelhanças com a palavra salvação, que é yeshü‘â (livramento,
facilidade). Yahweh é Jeová em Êx 14.13 e combina esse nome com o
anterior para designar livramento. Yehoshua significa Josué, que é
derivado de Yeshua (Jesus), que significa “Yahweh é a
salvação”. Portanto, há uma semelhança semântica muito interessante que
designa Jesus como o Salvador. “E vimos, e testificamos que o Pai enviou
seu Filho para Salvador do mundo” (1 Jo 4.14). A palavra
para “paz”, em hebraico shãlôm, cujo significado é completude, saúde,
bem-estar, harmonia, paz e algo que não foi violado, tem raiz comum com a
palavra “salvação”.
O sentido original de salvação (de salvus,
“curado”) pode ser interpretado como cura. A humanidade precisa ser curada
do pecado. Nesse sentido, curar significa reunir Deus e o ser
humano, que estão separados um do outro, e superar a divisão e a inimizade
entre as pessoas e Deus. É exatamente por isso que Jesus disse à mulher
que foi curada por tocar na vestimenta dEle: “Filha, a tua fé te salvou” (Mc
5.34).
“Salvação” tem origem também na palavra grega sóter. O vocábulo “soteriologia” é um termo teológico composto por duas palavras gregas: sōtēria que significa “salvação, cura, recuperação, redenção, remédio, bem-estar”, e do substantivo logia, cujo significado primário é “estudo, tratado ou ensino”. Em sentido literal, soteriologia é “o estudo, ensino, ou tratado acerca da salvação”. O substantivo grego soteria ocorre cerca de quarenta e cinco vezes nas Escrituras Neotestamentárias, enquanto o verbo “sōzō” (salvar, conservar do mal, socorrer), ocorre cento e seis vezes.8
Salvação é a saída do estado de pecado para o estado de graça e perdão. O cristão que aceita a Jesus como seu Salvador vive sua vida de forma abundante, ou seja, ele experimenta não apenas a certeza da vida eterna, mas também, já aqui nesta vida, a antecipação do Reino de Deus, podendo viver em paz, em saúde e em prosperidade em todas as dimensões da vida; além disso, ele experimenta também a comunhão com Deus, o perdão e a libertação dos pecados, apazigua sua alma de temores, desfruta a vida em felicidade; ele é nova criatura e esforça-se para compartilhar e implantar as realidades do Reino de Deus em sua vida e no mundo. Salvação significa que Cristo fez a expiação pelo pecador, ocupando seu lugar na cruz (passado); significa que o crente é regenerado e santificado (presente) e será glorificado integralmente (futuro).
Existem várias doutrinas bíblicas relacionadas à salvação; algumas delas serão discorridas neste livro, dentre as quais citamos:9 do pecado (Rm 3.23); da graça de Deus (Tt 2.11); da expiação (Lv 17.11); da redenção (Ef 1.7); da propiciação (Êx 32.30); da fé salvífica (Ef 2.8); do arrependimento (Mc 1.14-15); da confissão dos pecados (Rm 10.9-10); do perdão dos pecados (Cl 3.13); da regeneração (1 Pe 1.3); da adoção (Gl 4.5-6); da santificação (1 Co 6.11); da eleição divina (1 Pe 1.2); da predestinação dos salvos (Rm 8.29); do livre-arbítrio (Mc 16.16); da justificação (Rm 8.30) e da glorificação futura (Rm 8.30). Os principais aspectos da salvação,10 que serão abordados num capítulo específico, referem-se à regeneração, à justificação e à santificação.
Essas doutrinas podem ser divididas em duas partes, que são:
(1) as provisões feitas por Deus, que incluem a morte, ressurreição, ascensão e exaltação de Cristo; e
(2) a aplicação das provisões, que são arrependimento, fé, justificação, regeneração, adoção, eleição, santificação, confiança e segurança.11
No Antigo Testamento, a salvação está relacionada a escapar das mãos dos inimigos, à libertação da escravidão e ao estabelecimento de qualidades morais e espirituais (Is 33.22ss;). Portanto, diante de ameaças de calamidade física (Êx 15.25), de perseguição (Jz 15.18; 1 Sm 10.19; 2 Sm 22.3), de escravidão, de doenças e da morte, Deus promete salvação no sentido de libertação (Êx 14.13; 15.2,13), livramento e cura (Is 38.16; 58.8). As narrativas do Antigo Testamento têm em vista demonstrar como Deus intervém na história através do amor e, com isso, fica evidente seu imenso interesse em salvar a humanidade perdida.
A salvação no Antigo Testamento envolve o fato de que, quando há transgressão do povo de Deus e o consequente cativeiro, Deus provê libertação (Ne 9.27; Is 46.13; 52.10). Assim sendo, salvação no A.T aponta para várias figuras e tipos de Cristo como o Messias Salvador. Os personagens de José do Egito, Moisés, Josué, Davi, Isaías e vários reis e profetas apontam para o caráter salvífico que Cristo efetuaria de uma vez por todas na cruz do Calvário.
O sacrifício de Cristo teve um grande sentido salvífico. Foi um favor imerecido da parte de Deus para com os pecadores que deveriam sofrer merecidamente, mas Cristo fez essa substituição: o santo pelos pecadores, o justo pelos injustos. Os sacrifícios do Antigo Testamento tinham sua transitoriedade temporal, mas o de Cristo teve validade eterna, como escreveu o autor de Hebreus: “mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus” (Hb 10.12).
Paulo, em suas epístolas, é quem mais esclarece os conceitos de salvação, mostrando que não há salvação por intermédio da Lei, nem por esforços humanos, mas unicamente pela graça de Deus (Gl 2.16). Cabe ao homem confiar pela fé na retidão de Cristo que o redimiu por sua morte e que o justificou por sua ressurreição (Rm 4.25). Através de Cristo, Deus justifica o pecador sem que este mereça, perdoa o seu pecado, reconcilia-o consigo (Rm 5.11), adota-o em sua família (Gl 4.5), dando-lhe o selo do seu Espírito, fazendo dele uma nova criatura. O Espírito Santo capacita o crente a viver em santidade, mortificando a força do pecado, tornando-o semelhante a Cristo (Rm 8.29), esperando sua salvação completa e gloriosa (Fp 3.21).
2. A IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO
A importância da doutrina da salvação dá-se porque Jesus é o único mediador entre Deus e os homens (1 Tm 2.5). Ele é o único Salvador, e sua obra salvadora abrange todas as dimensões humanas: física, emocional, mental, religiosa, social, econômica, histórica e escatológica. Portanto, algo tão abrangente é de suma importância para ser conhecido por todos os crentes. Ela significa que o crente experimenta uma nova vida em Cristo, onde a salvação é a porta de entrada no Reino de Deus e da vivência das realidades deste Reino, aqui e agora, e que receberá a plenitude dEle na vida eterna. As realidades presentes na salvação no aqui e agora dizem respeito à indelicada posição que o homem ocupa diante de Deus por causa do pecado, que é desafiá-lo em arrogância e “desejo de ser igual a Deus. [Em] asserção de independência humana contra Deus”. 12 O homem encontra-se alienado, fracassado, escravo, rebelde, enfermo e condenado à morte; mas, através da salvação, essa condição é resolvida, dando-lhe condições satisfatórias de viver em harmonia consigo, com Deus e com o próximo. Por melhores que sejam, nem a religiosidade e nem mesmo condições sociais e econômicas favoráveis podem mostrar-se eficazes no combate à angústia do pecado, à culpa e à condenação ao Inferno. Somente a obra salvadora de Cristo, aceita em atitude de fé e confiança, pode trazer alívio a essa terrível condição humana. A salvação de Cristo proporcionou-nos a salvação do Inferno — a chamada morte eterna — e a salvação em relação àquilo que conduz ao Inferno, que é o pecado.
Embora haja na vida do cristão um momento de conversão, de ruptura com uma velha vida e nascimento para uma nova vida em Cristo, é necessário esta ser acompanhada de um sempre maior conhecimento de seus benefícios (1 Tm 2.4). Nesse sentido, deve-se tomar o capacete da salvação e a couraça da justiça (Ef 6.14,17); e preencher a mente e o coração com as verdades e mudanças processadas através da salvação para estarmos livres das investidas de Satanás, que coloca dúvidas, e para compreendermos conceitos e práticas fundamentais da doutrina cristã da salvação e apropriarmo-nos sempre mais dos benefícios espirituais e materiais desta tão grande salvação.
A salvação abrange todas as dimensões da vida; para isso, basta apenas aceitar a Cristo (Rm 10.10) — muitas vezes, seu processo é lento e requer compreensões maiores — é o que chamamos de aperfeiçoamento dos santos. Como a salvação pode ser negligenciada (Hb 2.3), devemos esforçar-nos para conhecer e apropriarmo-nos de todos os seus benefícios, dentre os quais citamos: livramento da condenação do Inferno, libertação do poder do pecado e do poder das trevas (Cl 1.13) para experimentar a redenção em Cristo (1Pe 1.18,19), para cuidar da criação (Rm 8.22), para andar segundo o Espírito (Rm 8.1), para nascer de novo (Jo 3.5) e participar da ressurreição (Cl 3.1).
A realidade da salvação convoca-nos para um agir no mundo, como uma antecipação do Reino de Deus, promovendo a paz, o amor e a justiça numa sociedade caótica e carente de Deus, cujos valores estão cada vez mais deturpados pelos pecados da ganância, do egoísmo, do individualismo, do capitalismo selvagem e de toda variedade de situações que o pecado cria e impõe sobre o homem. Dessa forma, o evangelho torna-se a única solução possível, cabendo àqueles que foram alcançados por ele propagarem essa tão grande verdade a respeito da bondade e do interesse de Deus em proporcionar vida plena a todo ser humano.
Embora a salvação tenha implicações para a eternidade e religue o ser humano a Deus, ela manifesta-se também no tempo presente, na reconciliação do relacionamento do ser humano com o outro, “no pão sobre a mesa, no bem-estar do corpo, numa mente sadia” e num relacionamento saudável consigo e com a criação. “Esta vida humana reconciliada com Deus anda em justiça, amor e na prática do bem (At 27.20,31,34; Rm 1.16; Ef 1.1-14)”. 13
A compreensão da doutrina da salvação nos primórdios era entendida como fuga do mundo, depreciando-se a criação e desconfiando de todas as coisas da vida nesta terra. Hoje, os pentecostais já pensam de outra maneira, sentindo sua responsabilidade que engloba a vida em sua plenitude. O sopro do Espírito, através da educação teológica, tem aberto os olhos para a estética, as artes e as questões públicas e políticas; portanto, uma salvação que tem implicações práticas de construir uma vida melhor. 14 Entretanto, os extremos devem ser salientados, pois uma preocupação com a vida apenas aqui nesta terra tem indícios de Teologia da Prosperidade, o que novamente é uma afronta à obra de Cristo na cruz que, além de preparar-nos uma vida plena aqui na terra, prepara-nos especialmente para a vida além.
3. A SALVAÇÃO PROMETIDA NO ÉDEN
O pecado é a ruptura da comunhão do homem com Deus e a ruptura da comunhão dos homens entre si; é o fechamento do homem sobre si mesmo como multiforme atitude de ruptura com os demais e também com a natureza, a flora e a fauna, promovendo destruição e morte. Essa é a realidade do homem desde que ele pecou no Jardim do Éden. Como consequência natural do pecado, Deus disse que a terra perderia parte de sua capacidade produtiva; por conseguinte, todos os animais e plantas também sofreriam as consequências. Deus ainda disse que tanto o homem quanto a mulher teriam esforços excessivos e dores para organizarem suas vidas fora do Éden e que seus próprios corpos experimentariam as consequências do pecado até mesmo nas situações econômicas e sociais e, por fim, a terrível sentença de morte. Portanto, o pecado foi a pior tragédia para o homem como jamais se presenciou na história.
Num sentido ético, as consequências do pecado foram que: 15 (1) ocorreu a depravação ou corrupção da natureza humana. No pentecostalismo, tal depravação não impede que o homem responda positivamente ao gesto gracioso de Salvação que Deus oferece; (2) originou-se a culpa como obrigação de reparar pelo pecado cometido diante da santidade divina; (3) uma pena teria que ser paga, ocasionando sofrimento e perdas para reparar o dano; outra consequência do pecado foi que, ao se sentirem culpados, o homem e a mulher (4) afastaram-se de Deus, alienaram-se dEle — o que é um estado natural do homem pecador —, mas a salvação em Cristo proporciona o reencontro com Deus religando a comunhão com o Criador, que é necessária e vital para o ser humano.
A partir do momento que pecou, a raça humana passou a expressar e vivenciar a maldade; até então, viviam nus um diante do outro, ou seja, não havia limites para conhecerem um ao outro, e eles podiam relacionar-se com confiança plena; a partir do pecado, eles tiveram que encobrir a maldade do coração para conseguirem relacionar-se. A obra de Cristo permite-nos conviver em verdade e sinceridade, pois a maldade do coração é substituída pela capacidade de relacionar-se em amor, bondade e cuidados como uma consequência prática da salvação.
A resposta que Adão e Eva deram a Deus ao serem questionados por Ele após pecarem aponta para o fato de que o homem é incapaz de resolver o problema do pecado e de sua salvação. Ambos transferiram suas culpas para outros, e foi justamente essa a solução que Deus já havia providenciado: a substituição. Naquele instante, Deus transferiu a culpa para um animal inocente, cuja pele foi usada para cobrir a nudez, o qual simbolizava Cristo, que seria o sacrifício perfeito para salvar a raça humana e cobrir a nudez do pecado. Deus anunciou no Éden o que é chamado de protoevangelho, ou seja, a primeira vez na história humana em que é proclamado que Deus daria um jeito definitivo para a queda do homem. Deus não abandonou o homem, pois sabia que este não sobreviveria nesse estado, que lhe rouba toda a alegria e vitalidade. O intento de Satanás não ultrapassa a tentativa de ferir o calcanhar do homem, mas Cristo, através de sua salvação outorgada na cruz, esmaga-lhe a cabeça, significando uma solução definitiva para o estado do homem (Gn 3.15). A peçonha do pecado, que Satanás tenta passar ao ser humano quando fere seu calcanhar, é aniquilada pela morte redentora de Cristo. Portanto, Deus promete a salvação ao ser humano apesar de sua condição de rebelado, de pecador e de inimigo de Deus por causa do pecado. Ainda mais: Deus pode realizar o que promete, pois Ele é fiel.
O Senhor prometeu salvação ao homem desde que este pecou no Jardim do Éden. A partir desse momento, Deus moveu-se na história humana a ponto de, em todas as suas intervenções, manifestar sua intenção de salvar, curar e preservar a raça humana. Existe a história geral da humanidade como micro-história, protagonizada pelos homens, e também a história da salvação como macro-história, protagonizada pelo próprio Deus. A história humana é emoldurada pela história de Deus e tem a ver com as intervenções que Ele faz de acontecimentos ligados entre si pelo nexo soteriológico/revelacional. Assim sendo, Deus revela-se à humanidade através da história da salvação, a macro-história, cujos eventos são essenciais para que a mensagem do evangelho seja entendida.
Jesus inseriu-se na história da salvação como seu executor, proclamador e mediador, criando a redenção com sua morte. Os apóstolos declararam fé no novo evento divino e interpretaram-no de forma soteriológica. É feita uma nova revelação da história da salvação a Paulo, o qual se sente chamado a expô-la aos pagãos. Tal revelação é a exposição do desígnio divino de redenção (Gl 1.12ss). O apóstolo João dá uma claríssima base histórico-soteriológica em que Jesus ocupa posição central ao longo da trajetória da história da salvação. A Igreja, por sua vez, acolhe o Antigo Testamento no Novo Testamento significando que a fé cristã é fé numa ação divina para a salvação ao longo da história. 16 Assim, o fio vermelho (linha central) de toda a Bíblia é Cristo, de onde decorre toda a história humana. A morte de Cristo na cruz e sua ressurreição são o ápice da história da salvação que Deus vivencia com a raça humana. Nessa morte, todo o amor, misericórdia e bondade de Deus manifestaram-se como um gesto salvífico sem comparações na história.
As intervenções de Deus na história têm como alvo central a revelação de si mesmo ao homem através de seu Filho. Assim, a própria Bíblia, a consciência e natureza e, finalmente, Cristo, são a revelação de Deus na história. As intervenções de Deus na história da humanidade são sempre cheias de amor, bondade e justiça, inclusive as intervenções particulares (histórias individuais de cada um). As suas intervenções vão muito além da fé pessoal naquilo que Ele é capaz de fazer, ou seja, elas extravasam o limite de fé. Se nossa fé pessoal fosse limitada, Deus deixaria de ser Deus, pois seu agir vai muito além de nossa capacidade de crer, e não haveria história da salvação para contar.
Segundo Oscar Culmann (1902–1999), toda a história da salvação está virtualmente contida num único evento: no fato de que todo o passado da história da salvação tende para essa intervenção; dela brota todo o presente e representa todo o futuro da redenção, ou seja, para a morte de Cristo na cruz, inaugurando o “já agora” da redenção, quando estamos na fase intermediária da salvação definitiva chamada de “ainda não” escatológico. A morte de Cristo na cruz foi a batalha decisiva da história da salvação, mas a vitória final será dada no fim da história. Dessa forma, vive-se, na atualidade, na tensão (spannung) aflitiva e hostil empenhada pela força das trevas e do mundo entre o “já agora” e o “ainda não”. 17 A morte de Cristo, embora sendo o centro da história, não é o seu fim; porém, profeticamente, tem caráter final, conclusivo, sendo o início da vitória final. Em Cristo, a salvação de Deus revela sua integralidade e torna-se visível. 18
Deus faz a macro-história acontecer quando cria todas as coisas e intervém quando for preciso. A título de exemplificação, ele interviu: quando do sacrifício temporário para o pecado original; para proteger Caim; no Dilúvio, para refrear o mal; na Torre de Babel, para evitar o caos; no chamado de Abraão e nascimento de Isaque; na ascensão de José, para preservar seu povo da fome; na liberação do Egito com milagres evitando a opressão de seu povo; no provimento das necessidades de Israel na travessia do deserto; na conquista da Terra Prometida; na escolha de Davi e de sua linhagem como rei; no envio de profetas que avisaram seu povo da destruição e do cativeiro; na ida para o cativeiro, para eliminar a idolatria de seu povo; na ascensão de Ester a um trono pagão para proteger seu povo; na libertação do cativeiro babilônico; tudo isso visando à sua maior intervenção na história humana: o envio de seu Filho ao mundo. O Senhor interveio, ainda, na descida do Espírito Santo em Pentecostes; na disseminação do evangelho aos gentios através de Paulo; na capacitação da igreja para a revelação de Jesus Cristo na terra; no chamamento particular de cada um para a salvação; na escolha e chamado para o ministério de cada um. Ele, da mesma forma, intervirá na volta de Jesus para arrebatar seu povo e também quando se fizerem novas todas as coisas e, enfim, morarmos para sempre com Ele na nova Jerusalém.
Existem três instâncias humanas que a promessa de salvação opera. Temos a passada e instantânea, que se refere tanto ao sacrifício efetuado temporalmente na cruz no tempo passado e a imposição do alcance dessa morte no pecador agora redimido que confiou em Cristo para o perdão e que, assim, torna-se filho de Deus e co-herdeiro com Cristo (Cl 1.22). A segunda instância é a presente e progressiva, cuja ação santificadora do Espírito demonstra em atitudes, palavras e ações (Fruto do Espírito) o que aconteceu internamente no passado (Fp 3.12-13; 2Pe 3.18). A terceira instância é a futurista e escatológica, que é a finalização definitiva da salvação em que nem o pecado nem a morte terão qualquer domínio sobre o crente e quando estaremos para sempre com o Senhor.
Deus tem poder ilimitado e demonstra sua intervenção na história, apesar de os acontecimentos e catástrofes apontarem, muitas vezes, para o caos. Além disso, o protagonismo humano na história, na maioria das vezes, é destrutivo, tendo em vista sua situação de pecado; todavia, a história da salvação de Deus em Cristo terá um final feliz e tem força sobre os acontecimentos presentes, pois foi efetuado com um alto preço na cruz do Calvário. Cabe aos alcançados por essa salvação utilizar sua capacidade profética de interpretar o tempo presente e denunciar onde os seres humanos violam a história da salvação divina. Os alcançados trabalham em favor do evangelho para que a salvação alcance os confins da terra, os corações mais endurecidos e as situações de miséria humana como, por exemplo, fome, guerras, opressão e destruição, a fim de que os benefícios dessa salvação sejam acessíveis a todos os que sofrem pelas condições precárias da vida humana e também pelas perdas que o pecado causou a toda a humanidade. Ele é antes do início, foi crucificado (passado), reina agora invisível e voltará no fim dos séculos para estabelecer seu reinado eterno.
Fonte: Livro de Apoio - 4º Trim/17 – A Obra da Salvação - Claiton Ivan Pommerening
Lições Bíblicas Adultos 4º trimestre/17 - A Obra da Salvação — Jesus Cristo é o caminho, a verdade e a vida – Comentarista: Claiton Ivan Pommerening
“Salvação” tem origem também na palavra grega sóter. O vocábulo “soteriologia” é um termo teológico composto por duas palavras gregas: sōtēria que significa “salvação, cura, recuperação, redenção, remédio, bem-estar”, e do substantivo logia, cujo significado primário é “estudo, tratado ou ensino”. Em sentido literal, soteriologia é “o estudo, ensino, ou tratado acerca da salvação”. O substantivo grego soteria ocorre cerca de quarenta e cinco vezes nas Escrituras Neotestamentárias, enquanto o verbo “sōzō” (salvar, conservar do mal, socorrer), ocorre cento e seis vezes.8
Salvação é a saída do estado de pecado para o estado de graça e perdão. O cristão que aceita a Jesus como seu Salvador vive sua vida de forma abundante, ou seja, ele experimenta não apenas a certeza da vida eterna, mas também, já aqui nesta vida, a antecipação do Reino de Deus, podendo viver em paz, em saúde e em prosperidade em todas as dimensões da vida; além disso, ele experimenta também a comunhão com Deus, o perdão e a libertação dos pecados, apazigua sua alma de temores, desfruta a vida em felicidade; ele é nova criatura e esforça-se para compartilhar e implantar as realidades do Reino de Deus em sua vida e no mundo. Salvação significa que Cristo fez a expiação pelo pecador, ocupando seu lugar na cruz (passado); significa que o crente é regenerado e santificado (presente) e será glorificado integralmente (futuro).
Existem várias doutrinas bíblicas relacionadas à salvação; algumas delas serão discorridas neste livro, dentre as quais citamos:9 do pecado (Rm 3.23); da graça de Deus (Tt 2.11); da expiação (Lv 17.11); da redenção (Ef 1.7); da propiciação (Êx 32.30); da fé salvífica (Ef 2.8); do arrependimento (Mc 1.14-15); da confissão dos pecados (Rm 10.9-10); do perdão dos pecados (Cl 3.13); da regeneração (1 Pe 1.3); da adoção (Gl 4.5-6); da santificação (1 Co 6.11); da eleição divina (1 Pe 1.2); da predestinação dos salvos (Rm 8.29); do livre-arbítrio (Mc 16.16); da justificação (Rm 8.30) e da glorificação futura (Rm 8.30). Os principais aspectos da salvação,10 que serão abordados num capítulo específico, referem-se à regeneração, à justificação e à santificação.
Essas doutrinas podem ser divididas em duas partes, que são:
(1) as provisões feitas por Deus, que incluem a morte, ressurreição, ascensão e exaltação de Cristo; e
(2) a aplicação das provisões, que são arrependimento, fé, justificação, regeneração, adoção, eleição, santificação, confiança e segurança.11
No Antigo Testamento, a salvação está relacionada a escapar das mãos dos inimigos, à libertação da escravidão e ao estabelecimento de qualidades morais e espirituais (Is 33.22ss;). Portanto, diante de ameaças de calamidade física (Êx 15.25), de perseguição (Jz 15.18; 1 Sm 10.19; 2 Sm 22.3), de escravidão, de doenças e da morte, Deus promete salvação no sentido de libertação (Êx 14.13; 15.2,13), livramento e cura (Is 38.16; 58.8). As narrativas do Antigo Testamento têm em vista demonstrar como Deus intervém na história através do amor e, com isso, fica evidente seu imenso interesse em salvar a humanidade perdida.
A salvação no Antigo Testamento envolve o fato de que, quando há transgressão do povo de Deus e o consequente cativeiro, Deus provê libertação (Ne 9.27; Is 46.13; 52.10). Assim sendo, salvação no A.T aponta para várias figuras e tipos de Cristo como o Messias Salvador. Os personagens de José do Egito, Moisés, Josué, Davi, Isaías e vários reis e profetas apontam para o caráter salvífico que Cristo efetuaria de uma vez por todas na cruz do Calvário.
O sacrifício de Cristo teve um grande sentido salvífico. Foi um favor imerecido da parte de Deus para com os pecadores que deveriam sofrer merecidamente, mas Cristo fez essa substituição: o santo pelos pecadores, o justo pelos injustos. Os sacrifícios do Antigo Testamento tinham sua transitoriedade temporal, mas o de Cristo teve validade eterna, como escreveu o autor de Hebreus: “mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus” (Hb 10.12).
Paulo, em suas epístolas, é quem mais esclarece os conceitos de salvação, mostrando que não há salvação por intermédio da Lei, nem por esforços humanos, mas unicamente pela graça de Deus (Gl 2.16). Cabe ao homem confiar pela fé na retidão de Cristo que o redimiu por sua morte e que o justificou por sua ressurreição (Rm 4.25). Através de Cristo, Deus justifica o pecador sem que este mereça, perdoa o seu pecado, reconcilia-o consigo (Rm 5.11), adota-o em sua família (Gl 4.5), dando-lhe o selo do seu Espírito, fazendo dele uma nova criatura. O Espírito Santo capacita o crente a viver em santidade, mortificando a força do pecado, tornando-o semelhante a Cristo (Rm 8.29), esperando sua salvação completa e gloriosa (Fp 3.21).
2. A IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO
A importância da doutrina da salvação dá-se porque Jesus é o único mediador entre Deus e os homens (1 Tm 2.5). Ele é o único Salvador, e sua obra salvadora abrange todas as dimensões humanas: física, emocional, mental, religiosa, social, econômica, histórica e escatológica. Portanto, algo tão abrangente é de suma importância para ser conhecido por todos os crentes. Ela significa que o crente experimenta uma nova vida em Cristo, onde a salvação é a porta de entrada no Reino de Deus e da vivência das realidades deste Reino, aqui e agora, e que receberá a plenitude dEle na vida eterna. As realidades presentes na salvação no aqui e agora dizem respeito à indelicada posição que o homem ocupa diante de Deus por causa do pecado, que é desafiá-lo em arrogância e “desejo de ser igual a Deus. [Em] asserção de independência humana contra Deus”. 12 O homem encontra-se alienado, fracassado, escravo, rebelde, enfermo e condenado à morte; mas, através da salvação, essa condição é resolvida, dando-lhe condições satisfatórias de viver em harmonia consigo, com Deus e com o próximo. Por melhores que sejam, nem a religiosidade e nem mesmo condições sociais e econômicas favoráveis podem mostrar-se eficazes no combate à angústia do pecado, à culpa e à condenação ao Inferno. Somente a obra salvadora de Cristo, aceita em atitude de fé e confiança, pode trazer alívio a essa terrível condição humana. A salvação de Cristo proporcionou-nos a salvação do Inferno — a chamada morte eterna — e a salvação em relação àquilo que conduz ao Inferno, que é o pecado.
Embora haja na vida do cristão um momento de conversão, de ruptura com uma velha vida e nascimento para uma nova vida em Cristo, é necessário esta ser acompanhada de um sempre maior conhecimento de seus benefícios (1 Tm 2.4). Nesse sentido, deve-se tomar o capacete da salvação e a couraça da justiça (Ef 6.14,17); e preencher a mente e o coração com as verdades e mudanças processadas através da salvação para estarmos livres das investidas de Satanás, que coloca dúvidas, e para compreendermos conceitos e práticas fundamentais da doutrina cristã da salvação e apropriarmo-nos sempre mais dos benefícios espirituais e materiais desta tão grande salvação.
A salvação abrange todas as dimensões da vida; para isso, basta apenas aceitar a Cristo (Rm 10.10) — muitas vezes, seu processo é lento e requer compreensões maiores — é o que chamamos de aperfeiçoamento dos santos. Como a salvação pode ser negligenciada (Hb 2.3), devemos esforçar-nos para conhecer e apropriarmo-nos de todos os seus benefícios, dentre os quais citamos: livramento da condenação do Inferno, libertação do poder do pecado e do poder das trevas (Cl 1.13) para experimentar a redenção em Cristo (1Pe 1.18,19), para cuidar da criação (Rm 8.22), para andar segundo o Espírito (Rm 8.1), para nascer de novo (Jo 3.5) e participar da ressurreição (Cl 3.1).
A realidade da salvação convoca-nos para um agir no mundo, como uma antecipação do Reino de Deus, promovendo a paz, o amor e a justiça numa sociedade caótica e carente de Deus, cujos valores estão cada vez mais deturpados pelos pecados da ganância, do egoísmo, do individualismo, do capitalismo selvagem e de toda variedade de situações que o pecado cria e impõe sobre o homem. Dessa forma, o evangelho torna-se a única solução possível, cabendo àqueles que foram alcançados por ele propagarem essa tão grande verdade a respeito da bondade e do interesse de Deus em proporcionar vida plena a todo ser humano.
Embora a salvação tenha implicações para a eternidade e religue o ser humano a Deus, ela manifesta-se também no tempo presente, na reconciliação do relacionamento do ser humano com o outro, “no pão sobre a mesa, no bem-estar do corpo, numa mente sadia” e num relacionamento saudável consigo e com a criação. “Esta vida humana reconciliada com Deus anda em justiça, amor e na prática do bem (At 27.20,31,34; Rm 1.16; Ef 1.1-14)”. 13
A compreensão da doutrina da salvação nos primórdios era entendida como fuga do mundo, depreciando-se a criação e desconfiando de todas as coisas da vida nesta terra. Hoje, os pentecostais já pensam de outra maneira, sentindo sua responsabilidade que engloba a vida em sua plenitude. O sopro do Espírito, através da educação teológica, tem aberto os olhos para a estética, as artes e as questões públicas e políticas; portanto, uma salvação que tem implicações práticas de construir uma vida melhor. 14 Entretanto, os extremos devem ser salientados, pois uma preocupação com a vida apenas aqui nesta terra tem indícios de Teologia da Prosperidade, o que novamente é uma afronta à obra de Cristo na cruz que, além de preparar-nos uma vida plena aqui na terra, prepara-nos especialmente para a vida além.
3. A SALVAÇÃO PROMETIDA NO ÉDEN
O pecado é a ruptura da comunhão do homem com Deus e a ruptura da comunhão dos homens entre si; é o fechamento do homem sobre si mesmo como multiforme atitude de ruptura com os demais e também com a natureza, a flora e a fauna, promovendo destruição e morte. Essa é a realidade do homem desde que ele pecou no Jardim do Éden. Como consequência natural do pecado, Deus disse que a terra perderia parte de sua capacidade produtiva; por conseguinte, todos os animais e plantas também sofreriam as consequências. Deus ainda disse que tanto o homem quanto a mulher teriam esforços excessivos e dores para organizarem suas vidas fora do Éden e que seus próprios corpos experimentariam as consequências do pecado até mesmo nas situações econômicas e sociais e, por fim, a terrível sentença de morte. Portanto, o pecado foi a pior tragédia para o homem como jamais se presenciou na história.
Num sentido ético, as consequências do pecado foram que: 15 (1) ocorreu a depravação ou corrupção da natureza humana. No pentecostalismo, tal depravação não impede que o homem responda positivamente ao gesto gracioso de Salvação que Deus oferece; (2) originou-se a culpa como obrigação de reparar pelo pecado cometido diante da santidade divina; (3) uma pena teria que ser paga, ocasionando sofrimento e perdas para reparar o dano; outra consequência do pecado foi que, ao se sentirem culpados, o homem e a mulher (4) afastaram-se de Deus, alienaram-se dEle — o que é um estado natural do homem pecador —, mas a salvação em Cristo proporciona o reencontro com Deus religando a comunhão com o Criador, que é necessária e vital para o ser humano.
A partir do momento que pecou, a raça humana passou a expressar e vivenciar a maldade; até então, viviam nus um diante do outro, ou seja, não havia limites para conhecerem um ao outro, e eles podiam relacionar-se com confiança plena; a partir do pecado, eles tiveram que encobrir a maldade do coração para conseguirem relacionar-se. A obra de Cristo permite-nos conviver em verdade e sinceridade, pois a maldade do coração é substituída pela capacidade de relacionar-se em amor, bondade e cuidados como uma consequência prática da salvação.
A resposta que Adão e Eva deram a Deus ao serem questionados por Ele após pecarem aponta para o fato de que o homem é incapaz de resolver o problema do pecado e de sua salvação. Ambos transferiram suas culpas para outros, e foi justamente essa a solução que Deus já havia providenciado: a substituição. Naquele instante, Deus transferiu a culpa para um animal inocente, cuja pele foi usada para cobrir a nudez, o qual simbolizava Cristo, que seria o sacrifício perfeito para salvar a raça humana e cobrir a nudez do pecado. Deus anunciou no Éden o que é chamado de protoevangelho, ou seja, a primeira vez na história humana em que é proclamado que Deus daria um jeito definitivo para a queda do homem. Deus não abandonou o homem, pois sabia que este não sobreviveria nesse estado, que lhe rouba toda a alegria e vitalidade. O intento de Satanás não ultrapassa a tentativa de ferir o calcanhar do homem, mas Cristo, através de sua salvação outorgada na cruz, esmaga-lhe a cabeça, significando uma solução definitiva para o estado do homem (Gn 3.15). A peçonha do pecado, que Satanás tenta passar ao ser humano quando fere seu calcanhar, é aniquilada pela morte redentora de Cristo. Portanto, Deus promete a salvação ao ser humano apesar de sua condição de rebelado, de pecador e de inimigo de Deus por causa do pecado. Ainda mais: Deus pode realizar o que promete, pois Ele é fiel.
O Senhor prometeu salvação ao homem desde que este pecou no Jardim do Éden. A partir desse momento, Deus moveu-se na história humana a ponto de, em todas as suas intervenções, manifestar sua intenção de salvar, curar e preservar a raça humana. Existe a história geral da humanidade como micro-história, protagonizada pelos homens, e também a história da salvação como macro-história, protagonizada pelo próprio Deus. A história humana é emoldurada pela história de Deus e tem a ver com as intervenções que Ele faz de acontecimentos ligados entre si pelo nexo soteriológico/revelacional. Assim sendo, Deus revela-se à humanidade através da história da salvação, a macro-história, cujos eventos são essenciais para que a mensagem do evangelho seja entendida.
Jesus inseriu-se na história da salvação como seu executor, proclamador e mediador, criando a redenção com sua morte. Os apóstolos declararam fé no novo evento divino e interpretaram-no de forma soteriológica. É feita uma nova revelação da história da salvação a Paulo, o qual se sente chamado a expô-la aos pagãos. Tal revelação é a exposição do desígnio divino de redenção (Gl 1.12ss). O apóstolo João dá uma claríssima base histórico-soteriológica em que Jesus ocupa posição central ao longo da trajetória da história da salvação. A Igreja, por sua vez, acolhe o Antigo Testamento no Novo Testamento significando que a fé cristã é fé numa ação divina para a salvação ao longo da história. 16 Assim, o fio vermelho (linha central) de toda a Bíblia é Cristo, de onde decorre toda a história humana. A morte de Cristo na cruz e sua ressurreição são o ápice da história da salvação que Deus vivencia com a raça humana. Nessa morte, todo o amor, misericórdia e bondade de Deus manifestaram-se como um gesto salvífico sem comparações na história.
As intervenções de Deus na história têm como alvo central a revelação de si mesmo ao homem através de seu Filho. Assim, a própria Bíblia, a consciência e natureza e, finalmente, Cristo, são a revelação de Deus na história. As intervenções de Deus na história da humanidade são sempre cheias de amor, bondade e justiça, inclusive as intervenções particulares (histórias individuais de cada um). As suas intervenções vão muito além da fé pessoal naquilo que Ele é capaz de fazer, ou seja, elas extravasam o limite de fé. Se nossa fé pessoal fosse limitada, Deus deixaria de ser Deus, pois seu agir vai muito além de nossa capacidade de crer, e não haveria história da salvação para contar.
Segundo Oscar Culmann (1902–1999), toda a história da salvação está virtualmente contida num único evento: no fato de que todo o passado da história da salvação tende para essa intervenção; dela brota todo o presente e representa todo o futuro da redenção, ou seja, para a morte de Cristo na cruz, inaugurando o “já agora” da redenção, quando estamos na fase intermediária da salvação definitiva chamada de “ainda não” escatológico. A morte de Cristo na cruz foi a batalha decisiva da história da salvação, mas a vitória final será dada no fim da história. Dessa forma, vive-se, na atualidade, na tensão (spannung) aflitiva e hostil empenhada pela força das trevas e do mundo entre o “já agora” e o “ainda não”. 17 A morte de Cristo, embora sendo o centro da história, não é o seu fim; porém, profeticamente, tem caráter final, conclusivo, sendo o início da vitória final. Em Cristo, a salvação de Deus revela sua integralidade e torna-se visível. 18
Deus faz a macro-história acontecer quando cria todas as coisas e intervém quando for preciso. A título de exemplificação, ele interviu: quando do sacrifício temporário para o pecado original; para proteger Caim; no Dilúvio, para refrear o mal; na Torre de Babel, para evitar o caos; no chamado de Abraão e nascimento de Isaque; na ascensão de José, para preservar seu povo da fome; na liberação do Egito com milagres evitando a opressão de seu povo; no provimento das necessidades de Israel na travessia do deserto; na conquista da Terra Prometida; na escolha de Davi e de sua linhagem como rei; no envio de profetas que avisaram seu povo da destruição e do cativeiro; na ida para o cativeiro, para eliminar a idolatria de seu povo; na ascensão de Ester a um trono pagão para proteger seu povo; na libertação do cativeiro babilônico; tudo isso visando à sua maior intervenção na história humana: o envio de seu Filho ao mundo. O Senhor interveio, ainda, na descida do Espírito Santo em Pentecostes; na disseminação do evangelho aos gentios através de Paulo; na capacitação da igreja para a revelação de Jesus Cristo na terra; no chamamento particular de cada um para a salvação; na escolha e chamado para o ministério de cada um. Ele, da mesma forma, intervirá na volta de Jesus para arrebatar seu povo e também quando se fizerem novas todas as coisas e, enfim, morarmos para sempre com Ele na nova Jerusalém.
Existem três instâncias humanas que a promessa de salvação opera. Temos a passada e instantânea, que se refere tanto ao sacrifício efetuado temporalmente na cruz no tempo passado e a imposição do alcance dessa morte no pecador agora redimido que confiou em Cristo para o perdão e que, assim, torna-se filho de Deus e co-herdeiro com Cristo (Cl 1.22). A segunda instância é a presente e progressiva, cuja ação santificadora do Espírito demonstra em atitudes, palavras e ações (Fruto do Espírito) o que aconteceu internamente no passado (Fp 3.12-13; 2Pe 3.18). A terceira instância é a futurista e escatológica, que é a finalização definitiva da salvação em que nem o pecado nem a morte terão qualquer domínio sobre o crente e quando estaremos para sempre com o Senhor.
Deus tem poder ilimitado e demonstra sua intervenção na história, apesar de os acontecimentos e catástrofes apontarem, muitas vezes, para o caos. Além disso, o protagonismo humano na história, na maioria das vezes, é destrutivo, tendo em vista sua situação de pecado; todavia, a história da salvação de Deus em Cristo terá um final feliz e tem força sobre os acontecimentos presentes, pois foi efetuado com um alto preço na cruz do Calvário. Cabe aos alcançados por essa salvação utilizar sua capacidade profética de interpretar o tempo presente e denunciar onde os seres humanos violam a história da salvação divina. Os alcançados trabalham em favor do evangelho para que a salvação alcance os confins da terra, os corações mais endurecidos e as situações de miséria humana como, por exemplo, fome, guerras, opressão e destruição, a fim de que os benefícios dessa salvação sejam acessíveis a todos os que sofrem pelas condições precárias da vida humana e também pelas perdas que o pecado causou a toda a humanidade. Ele é antes do início, foi crucificado (passado), reina agora invisível e voltará no fim dos séculos para estabelecer seu reinado eterno.
Fonte: Livro de Apoio - 4º Trim/17 – A Obra da Salvação - Claiton Ivan Pommerening
Lições Bíblicas Adultos 4º trimestre/17 - A Obra da Salvação — Jesus Cristo é o caminho, a verdade e a vida – Comentarista: Claiton Ivan Pommerening
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