“Eis que os filhos são herança do SENHOR, e o
fruto do ventre, o seu galardão” Sl 127.3
Ética Cristã e Planejamento Familiar
Na lição desta semana, algumas afirmações
precisam ser feitas no sentido de levar nossos irmãos a não terem uma posição
que em nada honre as Escrituras. Ao longo de toda a lição, é importante
destacar estas verdades:
(1) o mandamento de Deus para a procriação é
geral e não específico;
(2) o Planejamento Familiar não é assassinato
de crianças;
(3) a Procriação não é o único propósito do
sexo.
1. O mandamento de Deus para a procriação é
geral e não específico.
O livro do Gênesis mostra com clareza a
generalidade do mandamento ao ser humano de se multiplicar. Não se trata de um
mandamento individual e específico para cada casal ter filhos de maneira
ilimitada. Ainda, as Sagradas Escrituras admitem a vida piedosa de quem não é
casado (1Co 7.17), ou que seja celibatário voluntariamente (Mt 19.12), ou que
pratique a abstinência sexual por um período (1Co 7.5). Ora, nesse sentido, não
há razões bíblicas que impliquem na proibição de o casal planejar a vinda de
uma criança ao mundo.
2. O Planejamento Familiar não é aborto.
Seria desnecessário dizer que o planejamento
familiar não é controle de natalidade. Mas, infelizmente, muitos confundem
essas duas expressões. Por isso, é importante afirmar que o planejamento
familiar não é controle de natalidade. Em países em que há a política de
controle de natalidade, há sim maior disponibilidade para se assassinar
crianças ainda no ventre da mãe. Nesse aspecto, algumas diferenças abissais do
planejamento familiar em relação ao controle de natalidade são: enquanto que no
controle de natalidade a política sempre é do Estado, no planejamento familiar
a decisão compete à consciência de cada casal; enquanto no controle de
natalidade há a porta para o aborto, no planejamento familiar trabalha-se com a
prevenção à gestação por um período de tempo; enquanto que a política de
controle de natalidade é imposta, o planejamento familiar é consciente e
voluntário.
3. A procriação não é o único propósito do
sexo.
É verdade que a procriação seja um propósito
básico e natural do sexo, mas não o único. Deus criou o sexo também com o
propósito de união e recreação do casal. O prazer entre os cônjuges é uma
sedimentação do amor que levou a ambos se unir diante de Deus e dos homens em
casamento. Desfrutar ativamente da vida sexual com o cônjuge amado é uma bênção
de Deus. Revista Ensinador Cristão nº 73
Gerar
filhos, ou não, não é só uma questão de planejamento familiar, mas um encargo
que abrange a obediência aos desígnios divinos para a família.
Leitura
Bíblica em classe: Gênesis 1.24-31
Sabemos que os filhos são dádivas de Deus,
contudo a decisão de tê-los ou não, ou a decisão quanto ao número de filhos é
uma resolução que o casal deve tomar em conjunto. O crente não precisa temer o
planejamento familiar, pois desde que não seja feito por meios abortivos, tal
atitude não é pecaminosa e não trará prejuízos ao casal. Criar e educar filhos
nos dias atuais é uma tarefa nada fácil, por isso é preciso pensar e orar antes
de tomar a decisão de colocar uma criança no mundo.
O planejamento familiar permite aos cônjuges
analisarem algumas questões bem relevantes para uma família funcional, tais
como a saúde física e mental do marido e da mulher, a idade cronológica e as
condições financeiras. Os filhos são para toda a vida, por isso é preciso que o
casal busque a orientação divina por meio da oração e se submeta a ela.
‘Um encargo entregue pelo Senhor
“FRUTIFICAI E MULTIPLICAI-VOS. O
homem e a mulher receberam o encargo de serem frutíferos e de dominarem sobre a
terra e o reino animal. Foram criados para constituírem lares para a família.
Esse propósito de Deus, declarado na criação, indica que Ele volta-se para a
família que o serve e que a criação de filhos é algo de máxima prioridade no
mundo [...]”. Bíblia de Estudo Pentecostal, CPAD, p,34.'
O casamento
cristão
pressupõe a formação de uma nova família e, como resultante, o nascimento de
filhos. Está inserida na criação dos filhos, a responsabilidade familiar de
prover o sustento e todo o cuidado indispensável para o desenvolvimento do ser
humano. Por conseguinte, entre outros deveres e obrigações do casal, inclui-se
o planejamento familiar. A Declaração de Fé das Assembleias de Deus professa
que “a família é uma instituição criada por Deus, imprescindível à existência,
formação e realização integral do ser humano, sendo composta de pai, mãe e
filho(s) — quando houver”. Reitera ainda a Declaração que “o pai e a mãe
integram, de forma originária, determinante e estruturante, a família, e a eles
a Bíblia impõe o dever de sustentar, formar, disciplinar os filhos e
instruí-los moral e espiritualmente” (SOARES, 2017, p. 205). No caso de
infertilidade em, pelo menos, um dos cônjuges, nas Assembleias de Deus pode-se
recorrer às técnicas reprodutivas, desde que a fertilização ocorra no interior
do corpo da mulher e os gametas utilizados pertençam ao próprio casal (SOARES,
2017, p. 206). Quanto ao uso de métodos contraceptivos no planejamento
familiar, as Assembleias de Deus preferem o método natural, mas não se opõem ao
uso dos métodos artificiais, desde que não sejam abortivos (BARROS, 1997, p.
93).
Assim sendo, o posicionamento ético cristão
quanto à procriação e o planejamento familiar baseiam-se no equilíbrio entre
esses dois institutos. De um lado, não se deve procriar de modo imprudente e
irrefletido, e, de outro, não se deve deliberadamente, por questões moralmente
injustificáveis, evitar ou impedir toda e qualquer concepção e a consequente
procriação da espécie humana.
I.
CONCEITO GERAL DE PLANEJAMENTO FAMILIAR
Neste capítulo, analisaremos o conceito de
“controle de natalidade” e “planejamento familiar”. Embora, algumas vezes,
essas expressões sejam usadas como sinônimos, entre esses dois institutos existem
diferenças cruciais que não podem ser confundidas ou abarcadas pelo relativismo
cultural.
1. Controle de Natalidade
São procedimentos de políticas demográficas
com o objetivo de diminuir e até impedir o nascimento de crianças. Tais medidas
são adotadas pelos governos para refrear o aumento da população de um país.
Nesse caso, regular o número dos filhos é visto como solução para erradicar os
níveis de pobreza, bem como alternativa para a preservação e o melhor uso dos
recursos naturais. Por ordem do Estado, o número de filhos é limitado à revelia
da vontade dos pais. Para esse fim, são utilizados métodos contraceptivos e até
esterilização permanente. Em países totalitários ocorrem denúncias do uso do
aborto e até do infanticídio como soluções para o controle de natalidade. Em
sentido mais amplo, o controle de nascimento de seres humanos pode ser
considerado como:
Qualquer
ato ou aparelho que mantenha separada duas pessoas de sexo oposto que tenham o
potencial de procriar, qualquer ato ou aparelho que mantenha a pessoa, o macho
ou fêmea, incapaz de realizar a totalidade da função sexual, qualquer ato ou
aparelho que mantenha separados os espermatozoides e os óvulos durante ou após
a relação sexual, e qualquer ato ou aparelho que destrua o produto da concepção
(o zigoto formado pelos gametas masculino e feminino), não obstante a idade do
produto de concepção. (HENRY, 2007, p.140)
Nesse contexto, o controle de natalidade visa
manter o índice populacional dentro dos parâmetros estabelecidos pela
autoridade estatal. Alguns pesquisadores diferenciam o controle de natalidade
do controle populacional. Alegam que o primeiro contempla apenas os métodos
contraceptivos que impedem a procriação e que o segundo atua, inclusive, na
eliminação de pessoas que já nasceram. Seja como for, trata-se de controle da
reprodução humana que, se não observados os princípios éticos e morais, atentam
contra a soberania divina e a inviolabilidade da vida.
O
Relatório de Kissinger
O “Relatório de Kissinger”, datado de 30 de
setembro de 1974, foi redigido pelo então secretário de Estado dos Estados
Unidos Henry Kissinger. Para entender os atuais programas de natalidade, é
indispensável o conhecimento do referido relatório norte-americano. O documento
recebeu o título “Implicações do Crescimento da População Mundial para a
Segurança e os Interesses Externos dos Estados Unidos”, classificado como
“confidencial” sob o código NSSM 200. O texto foi desclassificado pela Casa
Branca e deixou de ser sigiloso em 1989. O relatório estabelece políticas e
estratégias para a redução do crescimento populacional dos países em
desenvolvimento. As ações recomendadas para o “controle de natalidade” envolvem
a ampla divulgação e comercialização indiscriminada de anticonceptivos orais,
uso do dispositivo intrauterino (DIU), esterilização de homens e mulheres e o
uso de preservativos. E, dentre outras políticas de controle, o documento
destaca a prática do aborto:
Embora
os órgãos que estão participando deste estudo não tenham recomendações
específicas para propor em relação ao aborto, acredita-se que as questões
seguintes são importantes e devem ser consideradas no contexto de uma
estratégia global de população: – nunca um país reduziu o crescimento da sua
população sem recorrer ao aborto. (NSSM 200, 1974, p. 182)
Ressalta também o relatório a importância do
papel da mulher no controle dos nascimentos. Ideias como o empoderamento
feminino, direito sobre o próprio corpo, disputa com os homens na esfera
política e no mercado de trabalho são apontados como essenciais para o sucesso
do programa:
A
condição e a utilização das mulheres nas sociedades dos países subdesenvolvidos
são particularmente importantes na redução do tamanho da família […] As
pesquisas mostram que a redução da fertilidade está relacionada com o trabalho
da mulher fora do lar. (NSSM 200, 1979, p. 1301)
Estudiosos do controle populacional avaliam
que foi a partir desse relatório que assustadoramente se implantaram, nos
países em desenvolvimento, diversos e variados processos políticos para a
redução dos nascimentos. Incluem-se como consequência do “Relatório de
Kissinger” as propostas para a institucionalização da educação sexual nas
escolas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Desse modo, o
controle de natalidade nos países subdesenvolvidos estaria a serviço dos
interesses econômicos das grandes potências, e não apenas com a manutenção
ambiental do planeta. Apesar das controvérsias acerca do assunto, ressalta-se
sua contribuição, positiva e negativa, para a redução populacional.
Taxa de
natalidade no Brasil
Em 26 de outubro de 2016, dados divulgados
pelo IBGE avaliaram que o envelhecimento da nação, não excluindo a melhoria da
qualidade de vida, estaria relacionado com a queda de nossa taxa de
fecundidade. Na década de 1980, a taxa de nascimento era estimada em 4,12
filhos por mulher. No ano 2000, a taxa caiu para 2,39 filhos. E, de acordo com
as estimativas do IBGE, esse número deverá cair para 1,51 em 2030 e chegará ao
índice de 1,50 no ano de 2060. Coincidência ou não, nossa taxa de fecundidade
diminuiu drasticamente após o documento norte-americano conhecido como
“Relatório de Kissinger”. Desde 1974, o Brasil adota medidas para fins de
controle das taxas de natalidade. Analistas apontam que “estabeleceu-se,
através da mídia principalmente, que uma família ideal teria o número máximo de
dois filhos por casal. Além disso, acontece até hoje a distribuição de pílulas
anticoncepcionais e camisinhas, bem como a venda desses produtos a preços
acessíveis e sem controle médico” (PENA, 2017, p. 1).
2.
Planejamento Familiar
Diferente do “controle de natalidade”, que
consiste em evitar o nascimento dos filhos por meio do controle estatal, a
proposta do “planejamento familiar” é de instituir a paternidade-maternidade
responsável. Trata-se de uma decisão voluntária e sensata por parte dos pais
quanto ao número de filhos que possam criar e educar com dignidade. No planejamento
familiar, fatores diversos são analisados, tais como, a saúde dos pais, as
condições e a renda da família, o tempo entre uma e outra gestação e o
espaçamento de nascimento entre um e outro filho. No contexto cristão, quanto
ao número de filhos, o casal deve buscar orientação divina por meio da oração e
submeter-se à direção do Espírito Santo.
O planejamento familiar é algo restrito à
realidade de cada lar constituído. Algumas famílias terão condições
econômicas, psicológicas e estruturais para criar um único filho e outras podem
criar um número maior de filhos. E isso, quando respeitadas as condições e ou
as limitações particulares, não enaltece e nem deprecia as famílias. Alguns
lares lutam contra a infertilidade e se submetem a tratamentos diversos para
viabilizar a gravidez. Em certos casos, o tratamento é eficaz e a gravidez
acontece, e em outros não. Existem ainda as situações em que a fecundidade é
tamanha que se faz necessário o uso de métodos contraceptivos. Portanto,
ratifica-se que cada família deve, sob o temor de Deus, adequar-se às suas
particularidades para planejar o nascimento de seus filhos.
Métodos
contraceptivos
Denomina-se de “métodos contraceptivos” os
procedimentos que são empregados para evitar a concepção ou a gravidez. Em
outras palavras, tais métodos, impedem que os espermatozoides fertilizem o
óvulo. Dentre os métodos atualmente disponíveis existem os irreversíveis ou
permanentes (esterilização cirúrgica) e os reversíveis ou temporários (utilizados
durante o ato sexual). Diante dos variados métodos existentes, a Igreja
posiciona-se contrária ao uso do DIU (Dispositivo Intrauterino) e a denominada
pílula do “dia seguinte” por possuírem características abortivas. Quanto ao uso
do DIU, cientistas da área médica e estudiosos da ética cristã, avaliam que:
Não
existe consenso completo sobre o modo de funcionamento do DIU. Sabe-se que a
peristalse tubária aumenta e passa rapidamente o óvulo das trompas para o
útero. O DIU mantém as partes do útero separadas e pode interferir na
implantação normal do óvulo. Não foi demonstrado que óvulos fertilizados
tivessem sido abortados do útero, contudo a ovulação ocorre, os espermatozoides
não são impedidos de entrar na trompa do falópio e as trompas não são bloqueadas
aos óvulos — e a implantação não ocorre. (HENRY, 2007, p. 138)
Diante dessa controvérsia, entende-se que o
DIU não impede a fertilização e sim a implantação do óvulo já fertilizado.
Nesse caso, trata-se de técnica condenada pelas Escrituras por atentar contra a
inviolabilidade da vida. Quanto à pílula do “dia seguinte”, a oposição da
Igreja para o seu uso relaciona-se com as mesmas questões éticas do DIU, pois a
citada pílula é usada após o coito, e “não tem como objetivo o isolamento do
espermatozoide e do óvulo, mas procura alterar, por meio do uso de hormônios, a
parede do útero para tornarem impossível a implantação do óvulo” (HENRY, 2007,
p. 139), tornando-se em condenável técnica abortiva.
Por fim, assume-se neste tópico que a
contraconcepção em análise é aquela que se pratica no âmbito do casamento
bíblico, sem mancha, sem mácula, monogâmico e heterossexual (Hb 13.4). O
pressuposto adotado para o uso de métodos contraceptivos no planejamento
familiar refere-se ao entendimento de que o sexo não é exclusivamente
procriação. Entende-se também que a procriação deve ser responsável e fundada
no amor para com o cônjuge e os filhos que virão a nascer. Condena-se o uso dos
métodos contraceptivos quando usado fora do casamento, para encobrir as
consequências de atividade sexual ilícita, quando usado como ideologia meramente
humana, quando não se quer assumir a responsabilidade da maternidade e
paternidade divinamente instituída, e quando as técnicas possuem
características abortivas.
II. O
QUE AS ESCRITURAS DIZEM SOBRE O PLANEJAMENTO FAMILIAR
O planejamento familiar não é um tema
exclusivo de nossa época. Ele está presente nas páginas do Antigo e do Novo
Testamento. E todos os exemplos bíblicos ratificam a inviolabilidade da vida e
a intervenção divina em favor das famílias de acordo com sua soberana vontade.
1. A Família e a Procriação da Espécie
Após criar o primeiro casal, Deus os abençoou
e lhes disse: “Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra” (Gn 1.28).
Nesse primeiro mandamento, Deus requereu à reprodução do gênero humano. Após o
dilúvio, o sobrevivente Noé e seus filhos também receberam mandamento acerca da
procriação: “Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra” (Gn 9.1). Note-se
que essa é uma ordem universal direcionada às gerações pré e pós-diluviana.
Repara-se que Deus não especificou qual seria o fator multiplicador e nem
quantos filhos deveriam ser gerados por família. Observa-se ainda que os
propósitos são idênticos: homens e mulheres devem se reproduzir para “encher a
terra”.
O
modelo bíblico para a procriação
A procriação nas páginas da Bíblia Sagrada
envolve um homem e uma mulher que, unidos pelos laços do matrimônio e por meio
do ato sexual, reproduzem a espécie humana.
As Escrituras ensinam que suscitar a
descendência é uma responsabilidade da família, intimamente ligada à
perpetuação da raça humana. A reprodução humana é um processo divinamente
criado que depende da união dos gametas masculino e feminino. Cada um — o macho
e a fêmea — possui a sua própria célula reprodutora: a do homem é o
espermatozoide e a da mulher é o óvulo. Essas células reprodutoras possuem cada
uma 23 cromossomos, o que corresponde à metade encontrada em outras células do
organismo. Por isso, para gerar um novo ser vivo, é indispensável à união dos
gametas do macho e da fêmea. Essa união resulta em 46 cromossomos, gerando a
primeira célula do ser vivo, chamada de zigoto ou célula-ovo. A partir daí, a
combinação do material genético do homem e da mulher dará origem a uma terceira
combinação, que resultará na perpetuação da descendência e da raça humana.
Portanto, a procriação bíblica requer naturalmente a relação sexual entre um
homem e uma mulher.
Quanto ao modelo de procriação artificial,
nossa Declaração de Fé assevera o seguinte:
As
técnicas em que a fertilização ocorre fora do corpo da mulher, com a respectiva
manufatura do embrião, são condenáveis por desrespeitarem o processo de
fecundação natural que deve ocorrer no interior do ventre materno […]
Condenamos as técnicas reprodutivas que requerem o descarte de embriões e doação.
Rejeitamos a maternidade de substituição, mediante a qual se doa
temporariamente o útero, por ferir a pureza monogâmica. Não admitimos a
reprodução post-mortem em virtude da cessação do vínculo matrimonial. (SOARES,
2017, p. 206)
Sob essa questão, a igreja posiciona-se
favorável ao uso das demais técnicas artificiais de reprodução desde que não
atentem contra a pureza da relação sexual monogâmica. O texto normativo
reconhece a reprodução artificial desde que a fertilização (processo no qual
tem início a vida humana) ocorra no interior do corpo da mulher e os gametas
utilizados pertençam ao próprio casal (SOARES, 2017, p. 206).
2. O Planejamento Familiar no Antigo
Testamento
Na Antiga Aliança, a fertilidade era vista
como uma dádiva: “Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre,
o seu galardão” (Sl 127.3). Nesse contexto, ter muitos filhos era sinal de
benevolência do Altíssimo e sinônimo de felicidade (Sl 127.5). A esterilidade
era motivo de discriminação (1 Sm 1.6,7), provocava desavenças (Gn 30.1,2) e
era vista como vergonha (Gn 30.23). Em contraste a essa cultura, as esposas dos
patriarcas foram estéreis e sofreram muito até que Deus lhes abriu a madre.
Sara concebeu na velhice e gerou apenas um filho: Isaque (Gn 21.2). Isaque, ao
casar-se, durante 20 anos orou pelo ventre de Rebeca, e ela gerou dois filhos:
Jacó e Esaú (Gn 25.21). Raquel, a esposa amada de Jacó, após anos de espera
também concebeu apenas dois filhos: José e Benjamim (Gn 35.24). Percebe-se, então,
no caso dos patriarcas, a intervenção divina e as diferenças do multiplicador
de família para família.
A Lei do Levirato
Para o povo hebreu, suscitar descendência era
algo primordial para a família e para o cumprimento da promessa abraâmica (Gn.
12.3; 13.16). Gerar filhos era uma bênção divina que representava prestígio
social e continuidade dos laços sanguíneos (Sl 128.1-6; Pv 31.28). Por isso,
desde o princípio foi instaurado entre os hebreus a lei do levirato. O vocábulo
vem do latim levir, que significa “cunhado”,
e consiste no ato de suscitar descendência ao homem que tenha morrido sem
deixar filhos. Nesse caso, o cunhado deveria se casar com a viúva e gerar com
ela uma descendência para seu irmão. Desse modo, o filho que nascesse seria
considerado filho do falecido, fazendo com que a memória deste jamais fosse
esquecida.
O primeiro caso bíblico relata que Er era casado
com Tamar e morreu sem deixar descendentes. Então, Judá, seu pai, ordenou ao
seu segundo filho, Onã, que tomasse a viúva para suscitar com ela descendência
ao seu irmão (Gn 38.7,8). Porém, diz o texto que Onã “toda vez que possuía a
mulher do seu irmão, derramava o sêmen no chão para evitar que seu irmão
tivesse descendência” (Gn 38.9b, NVI). Realizava ele o que hoje é chamado de
“coito interrompido”, considerado no texto como um mal pelo qual o Senhor o
matou (Gn 38.10). Contudo, o castigo de Onã não se deu pelo fato de ele usar um
método contraceptivo — aliás, um dos menos eficazes —, mas pela sua postura
egoísta por saber que “a descendência não seria sua” (Gn 38.9a, NVI). Cerca de
500 anos depois, essa cultura foi incorporada na Lei mosaica com um adendo de
não obrigatoriedade. O cunhado poderia recusar o casamento com a viúva do irmão
(Dt 25.7a). A mulher então deveria levar o caso ao conhecimento dos anciãos (Dt
25.7b). Se o homem persistisse em não tomar a cunhada por esposa, a viúva
deveria pegar uma das sandálias dos pés do cunhado e cuspir no seu rosto em
sinal de protesto (Gn 25.9). A partir dessa ação, a casa do descumpridor de seu
dever passaria a ser conhecida como “a casa do descalçado” (Gn 25.10).
3. O
Planejamento Familiar no Novo Testamento
Na Nova Aliança, a fertilidade também é
exaltada. Ao visitar Maria e anunciar a sua gravidez, o anjo lhe disse: “Salve
agraciada; o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres” (Lc 1.28). Na
mesma ocasião, ao contar para Maria acerca da gravidez de Isabel, o anjo
enfatizou: “Isabel, tua prima, concebeu um filho em sua velhice; e é este o
sexto mês para aquela que era chamada estéril” (Lc 1.36). Isabel gerou um único
filho, João, o batista (Lc 1.59-60), e Maria, após o nascimento de Jesus, gerou
ao menos quatro filhos e duas filhas (Mt 13.55,56). Repara-se, em ambos os
casos, a intervenção divina e a diferença no fator multiplicador de uma casa
para outra casa.
Os deveres da família cristã Em sua Epístola
aos Efésios, Paulo trata dos deveres dos maridos, das esposas e dos filhos (Ef
5.21-33; 6.1-4). Como fundamento para esses deveres, o apóstolo estabelece a
regra da sujeição mútua (Ef 5.21). Nem o marido é sem a mulher e nem a mulher é
sem o marido (1 Co 11.11). No texto bíblico, as mulheres recebem a incumbência
de serem submissas aos esposos (Ef 5.22), os maridos são exortados a amar suas
mulheres do mesmo modo como Cristo amou a Igreja (Ef 5.25), e os filhos são
orientados a obedecer e honrar pai e mãe (Ef 6.1,2). Uma família cristã que
observa esses princípios vive em harmonia, e as deliberações são tomadas de
comum acordo entre o marido e a mulher, cabendo a decisão final à cabeça do lar
(Ef 5.23). Não obstante, as decisões no âmbito do lar têm como pressuposto o
amor, e não a arbitrariedade ou autoritarismo. Com essa percepção, o
planejamento familiar não é ignorado ou negligenciado, ao contrário, o número
de filhos e as condições para criá-los são avaliados por meio do diálogo, da
oração e do temor ao Senhor.
III.
ÉTICA CRISTÃ NA LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE FILHOS
A limitação do número dos filhos requer
aprovação divina por meio da oração e motivações que sejam coerentes com a
ética cristã. Por meio da prole dos patriarcas e das famílias registradas no
Novo Testamento, percebe-se que o fator multiplicador era variado de geração a
geração.
1. A Questão do Fator Multiplicador
Quem se opõe ao planejamento familiar
considera a limitação do número dos filhos uma desobediência ao mandamento de
procriação (Gn 1.28). Por isso ensinam que a mulher deve gerar filhos
indefinidamente. Contrariando essa ideia, a mulher não é fértil todos os dias.
O Criador agraciou a mulher com apenas três dias férteis a cada mês, indicando
que ela não tem o dever de gerar filhos a vida toda. Deus não estipulou qual
deveria ser o número de filhos. Portanto, o mandamento de multiplicação é
cumprido quando o casal gera um filho, pois eram duas pessoas e agora passaram
a ser três. Deve-se ainda entender que a ordem de procriação é “geral” e não
“específica”, ou seja, Deus ordenou a reprodução da raça, e não
obrigatoriamente que cada pessoa se reproduza. Em consequência, algumas pessoas
vão reproduzir muito, outras vão reproduzir pouco e outras não vão reproduzir.
Não gerar filhos é pecado?
Gerar filhos é uma ordenança do Criador para
toda a humanidade (Gn 1.22). Trata-se de um projeto divino para a perpetuação
da espécie humana criada à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26). No entanto,
deixar de gerar filhos não caracteriza desobediência a uma norma que é “geral”,
e não “específica”. Não gerar filhos não é pecado desde que os motivos alegados
não atentem contra a soberania divina. Do contrário, os solteiros e os viúvos
(1 Co 7.8), os eunucos (Mt 19.12) e os casados estéreis (Lc 23.29) estariam em
pecado. E, se fosse pecado não procriar, até a privação sexual voluntária,
autorizada nas Escrituras, estaria em contradição (1 Co 7.5). Desse modo, gerar
ou não filhos, bem como o fator multiplicador, depende da vontade e do projeto
do Senhor para cada família.
2. A Questão Ética no Planejamento Familiar
Planejar não é pecado. Cristo elogiou o
planejamento do construtor e do rei guerreiro (Lc 14.28-32). O pecado está na
presunção em não pedir a aprovação divina no projeto (Tg 4.13-15). O cristão
deve aconselhar-se com Deus para tomada de qualquer decisão (Tg 1.5; 1 Jo
5.14). Nossas motivações devem ser apresentadas ao Senhor em oração e devem ser
desprovidas de vaidade e de egoísmo (Tg 4.2,3). Assim, é vaidade a mulher não
querer procriar para não alterar a beleza e a estrutura do corpo. Infelizmente,
em nossos dias, o culto ao corpo seduz algumas mulheres a se posicionarem
contra a maternidade. Igualmente se classifica como egoísmo não gerar filhos
para fugir da responsabilidade paterno-materna. O esquivar-se das obrigações da
paternidade é uma postura presente no hedonismo. Também incorrem em erro
aqueles que, pela falta de planejamento, procriam em demasia e não conseguem
prover o suficiente e indispensável para os filhos. Desse modo, a paternidade
irresponsável torna-se culpada pelas mazelas a que sua prole estará exposta
durante toda a vida.
É pecado limitar o nascimento dos filhos?
O homem não peca pela simples limitação ou
espacejamento do nascimento de seus filhos. Comete pecado quando suas
motivações são presunçosas e utilitaristas. Portanto, postergar o nascimento
dos filhos até que se possa cuidar melhor da família, limitar o número dos
filhos para que se possa criá-los com dignidade e espaçar o tempo de nascimento
entre um e outro filho para melhor acolher mais uma criança não podem ser
considerados como pecado, pois as Escrituras ensinam ao homem cuidar bem de sua
família (1 Tm 5.8). As famílias que se preocupam em planejar são mais
bem-sucedidas na criação e no sustento de seus filhos. O resultado tem sido
satisfatório sob vários aspectos, tais como: possibilidade de propiciar um
adequado plano de saúde, educação apropriada, alimentação equilibrada e
saudável, compatível vestuário e calçados, e tempo de qualidade para estar com
os filhos. Para tanto, ao planejar o nascimento dos filhos, sempre se faz
necessário consultar a vontade soberana do Senhor (Mt 6.10). O cristão que
consulta ao Senhor e aceita a vontade divina na limitação do número de seus
filhos é abençoado em toda a sua família (Sl 128.1-6).
“O controle da natalidade é medida de caráter
coercitivo, determinada por governos, com o intuito de diminuir o crescimento
populacional. Como o cristão deve posicionar-se ante essa atitude impositiva,
por parte dos governos em diversos países do mundo?
Entendemos que o cristão não deve concordar
com o ‘controle da natalidade’, visto que, visando fins utilitaristas e
econômico-sociais, configura uma intervenção direta na vontade de um casal,
quanto a ter ou não ter filhos.
O planejamento familiar não interfere na
decisão do casal. Apenas orienta quanto à natalidade” (LIMA, Elinaldo Renovato
de. Ética Cristã: Confrontando as questões morais do nosso tempo. 1ª
Edição. RJ: CPAD, 2002, pp.61-62).
Fonte:
Livro de Apoio – Valores Cristãos - Enfrentando as questões morais de nosso tempo - Douglas Baptista
Lições Bíblicas 2º Trim.2018 - Valores Cristãos - Enfrentando as questões morais de nosso tempo - Comentarista: Douglas Baptista
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