...em continuação aos estudos Costumes Matrimoniais, hoje o assunto comentado será sobre o Divórcio.
O Divórcio nas abordagens:
- Lei Mosaica;
- na Babilônia;
- nos Ensinos de Jesus
- nos Ensinos de Paulo
Os biblicistas discordam quanto ao modo de Jesus e Paulo interpretarem a lei mosaica concernente ao divórcio. Não obstante, as provisões do Antigo Testamento são perfeitamente claras.
Lei mosaica. A lei de Moisés permitia que um homem repudiasse sua mulher quando "ela não for agradável aos seus olhos, por ter ele achado coisa indecente nela" (Deuteronômio 24:1). O objetivo primário desta legislação era impedi-lo de tomá-la de novo depois que ela se houvesse casado com outro homem; isto teria sido "abominação perante o Senhor" (Deut. 24:4). Supunha-se que a lei desestimularia o divórcio em vez de incentivá-lo. Ela exigia um "termo de divórcio" - um documento público garantindo à mulher o direito de casar-se de novo sem sanção civil ou religiosa-. O divórcio não podia ser feito no âmbito privado.
O motivo aceitável para garantir o divórcio era que houvesse alguma "coisa indecente". Os tipos específicos de "indecência" tinham suas próprias penalidades. Por exemplo, o adultério acarretava a morte por apedrejamento. Se o homem acreditava que sua esposa não era virgem por ocasião do casamento, ele podia levá-la aos anciãos da cidade. Se a julgassem culpada, a punição seria a morte (Deut. 22:13-21). Contudo, se o homem houvesse acusado falsamente a esposa, ele seria castigado e devia pagar ao pai dela o dobro do preço usual da noiva. Quando o marido suspeitava que a esposa havia adulterado, ele a levava ao sacerdote, que lhe aplicava a "lei de ciúmes". Tratava-se de um julgamento por "provação", típico das antigas culturas do Oriente Próximo. A mulher devia tomar a água amargosa. Se ela fosse inocente, então a água não lhe faria mal. Se fosse culpada, ficaria doente. Nesse caso ela era apedrejada até morrer como adúltera (Números 5:11-31).
Embora a lei de Moisés permitisse ao homem divorciar-se da esposa, esta não tinha permissão para divorciar-se do marido por motivo algum. Muitas mulheres provavelmente escaparam de circunstâncias desagradáveis sem o termo de divórcio (cf. Juizes 19:2). Legalmente a esposa estava sujeita ao marido enquanto ambos vivessem ou até que ele a repudiasse. Se fosse dado à mulher um certificado de divórcio, ela podia casar-se de novo com qualquer homem, exceto com um sacerdote (Levítico 21:7, 14; Ezequiel 44:22). Contudo, o novo casamento impedia-a com respeito ao primeiro marido - isto é, ele não poderia casar-se de novo com ela, porque ela havia, de fato, cometido adultério contra ele (cf. Mateus 5:32). A despeito das provisões que permitiam o divórcio, Deus não o aprovava. "O Senhor Deus de Israel diz que odeia o repúdio"; ele chamou-o de "violência" e de "infidelidade" (Malaquias 2:16).
O casamento é um ritual antigo; também o é o divórcio. Talvez nada haja tão fundamental numa cultura como suas normas concernentes ao relacionamento entre um homem e uma mulher. Hamurabi, rei babilônio que reinou de 1728 a 1686 a.C. redigiu intricadas leis conhecidas como o Código de Hamurabi. Essas leis lidam com todos os aspectos da vida babilônica, incluindo o divórcio. As leis de divórcio de Hamurabi eram quase tão complicadas quanto as de nosso tempo. Um marido babilônio podia simplesmente dizer à esposa: "Tu não és minha esposa" (ul assati atti), ou que ele a "havia deixado" ou a "havia repudiado". Ele lhe dava "dinheiro de despedida" ou "dinheiro de divórcio". Às vezes se dizia que ele havia "cortado a orla de seu vestido". Uma vez que o vestido muitas vezes simbolizava a pessoa que o usava, isto queria dizer que o marido havia cortado o vínculo matrimonial com a esposa.
Suas palavras eram um decreto legal de divórcio. A esposa babilônia podia dizer que "odiava" o marido ou que ela o "deixou", o que significa que ela se recusava a ter relações sexuais com ele. Contudo, nada do que a mulher dissesse podia dissolver o casamento. Ela não tinha o poder de divorciar-se do marido sem consentimento de um tribunal. O divórcio não era problema a não ser que o casamento tivesse sido formalizado. "Se um homem adquire uma esposa, mas não redigiu os contratos para ela, essa mulher não é esposa", segundo o Código de Hamurabi. Contudo, uma vez que as pessoas fossem legalmente casadas, as condições e consequências do divórcio estavam claramente traçadas no Código.
Havia leis de divórcio concernentes a casamentos não consumados, casamentos sem filhos, casamento com uma sacerdotisa, casamento em que o marido era levado cativo durante a guerra, casamento em que a esposa ficava gravemente enferma; e sempre havia provisões específicas acerca de quem devia receber a soma de dinheiro. Um marido podia divorciar-se da esposa quase a seu bel-prazer. Contudo, se ela não era achada em falta, o marido tinha de dar-lhe o dote, muitas vezes uma grande parte de sua propriedade. Isto protegia a esposa de divórcio caprichoso ou casual.
Se houvesse mau procedimento por parte do marido ou da esposa, esperava-se que os tribunais avaliassem o castigo. Uma mulher nunca podia iniciar o processo de divórcio; ela devia esperar que o marido recorresse ao tribunal. Se a mulher não podia provar sua própria inocência e a culpa do marido, ela era afogada. Desnecessário é dizer que só em casos extremos uma mulher buscava o divórcio. Se o marido fosse achado em falta, a esposa "não incorre em castigo" por sua recusa a direitos conjugais e podia retornar à casa paterna.
Uma mulher podia até ser repudiada se ela fosse "uma borboleta, negligenciando assim sua casa e trazendo humilhação ao esposo". Se achada culpada deste crime, "eles lançavam essa mulher à água". Nada era sagrado ou perpétuo no casamento na Babilônia. Ele parece ter sido um acordo secular antes que um compromisso religioso ou moral.
Ensinos de Jesus. No tempo de Jesus havia muita confusão acerca das bases para o divórcio. Os rabinos não estavam de acordo sobre o que constituía o "indecente" de Deut. 24:1. Havia duas opiniões. Os que seguiam o rabino Shammai achavam que o adultério era a única base para o divórcio. Os seguidores do rabino Hillel aceitavam diversas razões para o divórcio, incluindo coisas tais como cozinhar mal. Os Evangelhos registram quatro declarações de Jesus concernentes ao divórcio. Em duas delas, ele permitiu o divórcio no caso de adultério. Em Mateus 5:32, Jesus comentou a posição tanto da mulher quanto a do seu marido: "Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de adultério, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada, comete adultério." Em outra declaração, Jesus falou da posição do homem que repudiava sua mulher: "Quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de adultério, e casar com outra, comete adultério" (Mateus 19:9). Essas duas afirmativas parecem permitir o divórcio na base da infidelidade.
Contudo, em dois outros contextos, Jesus não parece dar aprovação nenhuma ao divórcio. Em Marcos 10:11-12 ele disse: "Quem repudiar sua mulher e casar com outra, comete adultério contra aquela. E se ela repudiar seu marido e casar com outro, comete adultério." Em Lucas 16:18, Jesus faz uma declaração semelhante: "Quem repudiar sua mulher e casar com outra, comete adultério; e aquele que casa com a mulher repudiada pelo marido, também comete adúltero." Como é que as declarações de Jesus permitindo o divórcio por infidelidade se harmonizam com as declarações que parecem proibi-lo inteiramente? A primeira pista encontra-se nas conversações de Jesus com os fariseus (Marcos 10:5-9; Lucas 16:18), nas quais ele insiste em que o divórcio é contrário ao plano de Deus para o casamento.
Embora a lei de Moisés permitisse o divórcio, era apenas uma concessão provisória e relutante. Jesus contraditou a lei ao declarar que, mesmo se o casal divorciado não tivesse sido sexualmente infiel um ao outro, aos olhos de Deus cometeriam adultério se agora se casassem com outros parceiros. Note-se que as declarações de Jesus fazem parte das conversações com os fariseus acerca da lei mosaica, a qual eles acreditavam sancionava o divórcio por outros motivos além do adultério (Deut. 24:1-4). O ponto central de Jesus era que o divórcio nunca deveria ser considerado bom, nem deveria ser tomado levianamente. Assim, em sua declaração citada em Lucas 16:18, ele nem mesmo menciona o assunto do adultério.
(Evidentemente, Marcos 10:5-9 registra apenas as palavras de Jesus que se relacionam com o ponto central da conversação.) Nas duas passagens de Mateus (uma delas é um relato completo do que está registrado em Marcos 10), Jesus permite o divórcio por um motivo somente ― "imoralidade", ou intercurso sexual ilícito. O pensamento de Jesus é claro: ao criar uma união sexual com alguém que não seja o parceiro matrimonial, a pessoa dissolve seu casamento. Neste caso, o decreto de divórcio simplesmente reflete o fato de que o casamento já foi rompido.
O homem que se divorcia de sua esposa por esta causa "não a faz adúltera", pois ela já o é. O divórcio por imoralidade geralmente liberta o parceiro inocente para casar de novo sem incorrer na culpa de adultério (Mateus 19:9), mas às vezes este ponto é questionado. Embora Jesus permitisse o divórcio por adultério, ele não o exigiu. Muito ao contrário: Insistindo em que o divórcio rompe o plano de Deus para o casamento, ele abriu a porta ao arrependimento, ao perdão e à cura num casamento infiel, como fez no caso de outras relações desfeitas pelo pecado. A reconciliação era o método de Jesus para solucionar os problemas matrimoniais.
Deus havia demonstrado esta forma de reconciliação e perdão quando mandou Oséias casar-se com uma prostituta, depois lhe disse que a resgatasse após ela ter-se vendido a outro homem. Deus perdoou a Israel exatamente assim. Quando o povo de Israel continuou a adorar ídolos, Deus o enviou para o cativeiro; mas ele o redimiu e o trouxe de volta para si (Jeremias 3:1-14; cf. Isaías 54).
Ensinos de Paulo. Em I Coríntios 7:15, Paulo diz que um cristão cujo consorte retirou-se do casamento devia estar livre para formalizar o divórcio: "... se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos não fica sujeito à servidão, nem o irmão, nem a irmã." 2 Não obstante, Paulo incentiva o crente a manter o casamento, na esperança de que o parceiro incrédulo venha a ser salvo e os filhos não sofram.
Evidentemente, Paulo está pensando em pessoas que se casaram antes da conversão, porque ele diz aos crentes que nunca se casem com incrédulos (I Coríntios 7:39; II Coríntios 6:14-18). Observe-se que esta situação é bem diferente daquela que Jesus mencionou no episódio narrado em Mateus 19 e Marcos 10. Jesus estava falando aos mestres da Lei - em realidade, aos maus intérpretes da Lei - ao passo que Paulo falava aos cristãos, muitos deles gentios que nunca tinham vivido sob a Lei de Moisés. Os leitores de Paulo haviam mudado seu modo de vida após o casamento, e tentavam influenciar seus cônjuges a fazerem o mesmo. Eles eram obrigados a pensar não somente em seu próprio bem-estar, mas também no bem-estar dos cônjuges e filhos. Por essas razões, e pelo fato de que a monogamia é o plano de Deus, os casamentos devem ser mantidos sem separação. Paulo procurava desestimular o divórcio, a despeito de ser prática-indubitavelmente comum na cultura greco-romana da Corinto pagã. Em assim fazendo, ele se revelava como verdadeiro e leal porta-voz da Lei.
* Veja E. A. Speiser, The Anchor Bible: Gênesis (Nova Iorque: Doubleday and Company, 1964), pp. 182-185.
2 Alguns sustentam que esta frase ― "não fica sujeito à servidão" ― significa que o cônjuge cristão abandonado pode legalmente passar do divórcio para novo casamento. Mas outros eruditos questionam esta interpretação
Fonte::
- site Ouça a Palavra do Senhor
- TENNEY, Merril C. ; PACKER, J.I.; WHITE, William Jr. Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos: 1ª Ed. São Paulo. Editora Vida, 1988.
O divórcio não é uma solução dada por Deus é uma alternativa que o homem e a mulher encontraram para dizer que não querem lutar um pelo outro que não querem pagar o preço que esta aliança exige. É deixar de viver em família...