“O SENHOR é o que tira a vido e a dá; faz
descer à sepultura e faz tomar a subir dela” 1Sm 2.6
Ética Cristã, pena de morte e eutanásia
Vivemos um momento de extremos em nosso país. Uns defendem a pena de morte. Outros são contra. O Brasil é um país que não tem uma tradição de pena capital institucionalizada. Por isso, ninguém sabe o que poderia acontecer caso um dia essa modalidade de punição fosse estabelecida em nosso arcabouço legal. Porém, é importante afirmar que em nosso país, conforme a Constituição Federal, a proibição da pena capital consta como cláusula pétrea, isto é, um princípio que jamais pode ser removido do texto constitucional, salvo quando a sociedade resolver elaborar outro documento constitucional; só então, a proibição poderá ser removida.
Ainda assim, não são poucas as pessoas que dedicam energia quanto à militância da causa. O motivo muitas vezes é a sensação de injustiça e de impunidade. Por isso, como ensinadores da Palavra de Deus, o nosso desafio é conceber a ideia de como o seguidor de Cristo deve se posicionar em relação ao assunto: o crente pode ser a favor da pena de morte? É possível conciliar o ensino de Jesus com a prática da eutanásia?
Caro professor, prezada professora, esses dois assuntos são bem sérios. O comentarista da lição trouxe uma explicação bem equilibrada sobre eles. Nesse espaço, priorizamos o da pena capital. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que as Escrituras Sagradas não normatizam o assunto. Embora tenhamos o desenvolvimento da pena capital no Antigo Testamento, bem como as exceções disponíveis no documento antigo, temos o problema da aplicação de uma lei de um estado teocrático para os nossos dias. Em segundo lugar, embora o apóstolo Paulo reconheça a pena capital como medida legítima do estado romano para punir os fora da lei, ele não normatiza a prática em o Novo Testamento. Ainda temos o exemplo de Jesus Cristo, que perdoou a mulher adúltera, ao fim do sofrimento dEle na cruz, o Mestre rogava: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34). Se há um assunto que é normatizado ao longo das Escrituras, e chancelado pelo nosso Senhor, é o de promover o perdão.
O perdão está no âmago da mensagem cristã (Mt 5.38-48; 18.21-35). O perdão dos nossos pecados nos trouxe a salvação. Por isso, não podemos perder de vista essa maravilhosa verdade acerca do perdão. Entretanto, não nos insurgimos contra a legitimidade de o Estado implementar esse estágio de punição, mas pontuamos que não é coerente ao crente ser um militante dele.
A pena de morte e a eutanásia violam a soberania divina. A vida foi dada por Deus e, portanto, pertence a Ele.
Leitura Bíblica em Classe - Romanos 13.3-5; 1 Samuel 2.6,7; João 8.3-5,7,10,11
A vida humana é o ponto de partida para os demais direitos da pessoa. Se o direito à vida não estiver assegurado torna-se impossível a existência dos outros valores. No entanto, em contradição a este pressuposto, temas relacionados à punição com pena de morte e o direito à eutanásia são frequentemente discutidos e aceitos na sociedade atual. Nesta lição estudaremos a presença da pena capital em ambos os testamentos bíblicos, a prática da eutanásia e suas implicações éticas na vida do ser humano.
A vida humana é o ponto de partida para todos os demais direitos da pessoa. Se a vida humana não estiver assegurada, torna-se impossível à realização dos outros valores. No entanto, em contradição a esse pressuposto, temas relacionados à punição com pena de morte e o direito à eutanásia são frequentemente discutidos e aceitos na sociedade pós-moderna. Neste capítulo, estudaremos a presença da pena capital em ambos os testamentos bíblicos, a prática da eutanásia e suas implicações éticas e ainda a vida humana como sendo originária e pertencente a Deus.
A prática da pena de morte, também chamada pena capital, é um instrumento jurídico pelo qual um ser humano é morto como punição por crime cometido. No Brasil, após a Proclamação da República, em 15 de novembro 1889, esse dispositivo foi proibido em caso de crimes civis e retirado do nosso Código Penal. Porém, o nosso atual ordenamento jurídico ainda dispõe da pena capital, que pode ser aplicada em casos de crimes cometidos em tempos de guerra (Art. 5º, XLVII, a, CF 1988). Na maior parte dos países, a pena capital também já foi abolida ou não é mais praticada. Quanto à eutanásia e seus desdobramentos, estudaremos na sequência deste capítulo.
I. A PENA DE MORTE NAS ESCRITURAS
É incontestável a presença da pena de morte nas Escrituras Sagradas. O Antigo Testamento prescreve a pena capital e o Novo Testamento reconhece sua existência, mas não normatiza o assunto. A pena de morte tem sido um dos mais controvertidos temas éticos da atualidade. A maior dificuldade está em conciliar o ordenamento jurídico da pena capital com o sexto mandamento prescrito no Antigo Testamento — “Não matarás” (Êx 20.13) —, que pressupõe a preservação da vida e a proibição do assassinato premeditado.
A outra problematização do instrumento legal da pena de morte é a sua incompatibilidade com o espírito do cristianismo, que pressupõe o perdão, o amor, a compaixão e a misericórdia; no entanto, a pena capital está presente nos escritos neotestamentários. O teólogo pentecostal Esequias Soares pondera que a presença desse instrumento de punição na Bíblia Sagrada possui sentidos diferentes em cada um dos testamentos: “a diferença do Antigo Testamento é que ali a lei prescreve como parte de um sistema legal, e aqui não é mandamento, conselho ou incentivo. O Novo Testamento apenas reconhece que a pena capital existe” (SOARES, 2015, p. 97).
1. No Antigo Testamento
Uma questão ética acerca da “pena retributiva” tem sido amplamente discutida a partir da advertência divina dada no Éden. Depois de criar o homem, o Senhor colocou Adão no jardim para lavrá-lo e guardá-lo (Gn 2.15). Para a subsistência, Deus o autorizou comer livremente de toda a árvore do jardim (Gn. 2.16). No entanto, o homem foi advertido acerca de um perigo real: “Mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17). Argumenta-se que nessas palavras divinas está presente a pena retributiva, o que significa que “a pessoa é moralmente responsável pelos seus atos e o delinquente merece castigo adequado” (HOLMES, 2013, p. 111). No caso específico do Éden, Deus alertou que a desobediência seria punida com a pena capital. Quanto a isso, os eruditos cristãos são concordes em afirmar que a punição aqui se refere tanto com a morte física quanto com a morte espiritual, ambas como efeito e resultado do pecado. Não obstante, o próprio Deus providenciou um meio de aniquilar a pena capital, ao enviar seu Filho para morrer no lugar do homem a fim de salvar a humanidade (Rm 6.23, 1 Co 15.26,54, Hb 2.14).
O homicídio praticado por Caim
O primeiro registro de homicídio registrado nas Escrituras relata o esfacelamento da primeira família da terra. Um problema de relacionamento motivado pelo ciúme e pela inveja resultou no primeiro crime de fratricídio, ou seja, a morte de um irmão por outro irmão. Deus responsabilizou Caim pela bárbara e covarde decisão de assassinar seu irmão Abel (Gn 4.6-10). No diálogo entre Deus e o homicida, arrependido pelo crime cometido, Caim suplicou perdão ao dizer: “É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada” (Gn 4.13). Por conseguinte, apavorado com as consequências de seu ato, o assassino conscientizou-se da desgraça que trouxera sobre a sua vida: “Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e errante na terra, e será que todo aquele que me achar me matará” (Gn 4.14).
As palavras de Caim refletem a ideia da lei retributiva: “quem me encontrar, me matará”. Em vista dessa convicção o assassino arrependido é surpreendido pela resposta divina: “qualquer que matar a Caim sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse” (Gn 4.15). No primeiro homicídio cometido pelo homem, Deus reclama para si todo o direito de vingança, por ser o dono da vida (Gn 4.10) e ao mesmo tempo proíbe que se tome vingança de Caim (Gn 4.15). Deus demonstra compaixão e misericórdia diante do pavor e desespero estampado nas palavras do homicida. Deus não permitiria que ele fosse morto, mas manteria o castigo da expulsão e da vida errante. Caim não recebeu a pena capital, mas uma sentença equivalente a pena perpétua. Os juízos divinos não são apenas retributivos, mas também são pedagógicos, pois têm o propósito de regenerar o ofensor (Hb 12.6,11).
Lameque e o aumento da criminalidade
Na continuidade do capítulo 4 do livro de Gênesis, o autor sagrado descreve a linhagem de Caim (Gn 4.17-22). O texto relata que Lameque, descendente de Caim, era de temperamento violento e comportava-se de modo vingativo e desequilibrado. Lameque requereu uma vida por uma ferida que lhe fizeram e outra por uma pisadura que sofrera. Ele tirou a vida de um homem e de um menino por motivo torpe e totalmente fútil. Em termos jurídicos, de nosso ordenamento jurídico atual, seu crime é tipificado como homicídio duplamente qualificado (Art. 121, §2º, CP). A narrativa bíblica também evidencia a insensibilidade de Lameque, sua falta de arrependimento, arrogância e jactância. Ele se gaba de seus atos criminosos para as suas mulheres (Gn 4.23,24). Diante desse terrível discurso, percebe-se que após a queda e o consequente primeiro homicídio, o ódio e a vingança tomaram proporções assustadoras (Caim é vingado sete vezes, Lameque setenta vezes sete).
Após a narrativa desses fatos seguida pela genealogia de Sete (Gn 5.1-32), as Escrituras registram no capítulo 6 do Gênesis a decadência e a depravação da espécie humana: “viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” (Gn 6.5). O registro bíblico relata a multiplicação da violência, a prática da injustiça, o domínio da vingança, a deterioração da sociedade e o consequente aumento da criminalidade. Ao ver a conduta humana corrompida (Gn 6.12), Deus se arrepende de ter criado o homem e decide enviar o dilúvio como castigo à humanidade (Gn 6.13,17). Ao salvar Noé e sua família (Gn 6.8-10;16) Deus estabelece uma nova dispensação para com a geração pós-diluviana:
Dentro deste contexto, a necessidade de equilíbrio é declarada por Deus por meio do “olho por olho e dente por dente”, a saber, uma proporcionalidade entre o mal causado e a resposta a este mal. Assim, a Lei de Talião é dada para regular as relações sociais desequilibradas em diversos âmbitos, tais como crimes e acidentes contra a pessoa, a comunidade ou mesmo a propriedade. Caso não houvesse lei reguladora, estes processos acabariam em ciclos criminosos de vingança e opressão dos socialmente mais fracos, com respostas desproporcionais e injustas. (MEISTER, 2007, p. 61)
Na tentativa de coibir o desenfreado crescimento da criminalidade e do desproporcional comportamento vingativo, a lei retributiva se apresenta para estabelecer limites e fixar normas a serem adotadas como um princípio regulador para a sociedade. Desse modo, a pena proporcional ao crime será estabelecida a fim de corrigir a postura de vingança violenta inaugurada por Lameque e inserida na cultura daquela época. Como poderemos perceber nos pontos subsequentes, a lei retributiva será exposta e claramente introduzida por Deus, registrada no Pentateuco, por meio dos pactos estabelecidos com o patriarca Noé e o legislador Moisés.
O pacto noético e a lei mosaica
1. No pacto com Noé (após o dilúvio), a pena de morte aparece como punição retributiva (Gn 9.6). Na Lei de Moisés (após a saída do Egito), o mesmo conceito é mantido (Êx 21.23-25). Esse modelo de punição também é conhecido como “lei de talião”. A expressão vem do latim Lex Talionis (lex = “lei” e talis = “tal, de tal tipo”), e consiste na justa reciprocidade do crime e da pena. O Código de Hamurabi (1750-1730 a.C.), que trata sobre delitos e penas, traz um conceito similar ao pacto noético e à lei mosaica.
2. Convém salientar que a lei retributiva não se referia unicamente à pena capital. A essência da lei está na “retribuição” proporcional ao dano causado. Na lei mosaica, as punições com a pena capital eram executadas por meio do apedrejamento, da espada e por meio da fogueira. Eram condenados à morte por apedrejamento os culpados dos seguintes delitos: infanticídio (Lv 20.2-5), adivinhação (Lv 20.27), blasfêmia (Lv 24.15,16), profanação do sábado (Êx 31.14; 35.2), falsa profecia (Dt 13.1-10), a falsa adoração (Dt 17.2-7), filho incorrigível (Dt 21.18-21) e o adultério (Dt 22.22-24). Eram punidos à espada os apóstatas (Êx 32.27), os assassinos (Nm 35.19-21) e os idólatras (Dt 13.13-15).
3. Era queimado na fogueira quem praticasse o coito com a esposa e a sogra (Lv 20.14) e também a filha de sacerdote que praticasse a prostituição (Lv 21.9). Outras punições fora da pena capital também eram executadas: a mutilação (Êx 21.24,25; Dt 25.12), açoites (Dt 22.18; 25.13), multas (Êx 22.1-4; Dt 22.18,19), prisão (Jr 37.15,16), escravidão (Êx 21.2; 2 Rs 4.1), além de outros métodos punitivos. Apesar de prevista, a pena capital não era aplicada de modo generalizado. No crime de assassinato, a pena era aplicada apenas no caso de homicídio premeditado (Êx 21.12). Se o homicídio cometido fosse considerado um acidente ou em defesa pessoal, o homicida involuntário poderia escapar da pena escondendo-se em uma das cidades de refúgio (Êx 21.12,13; Nm 35.2225). Era uma espécie de condenação perpétua; o culpado deveria permanecer na cidade de refúgio até a morte do sumo sacerdote (Nm 35.25).
4. Quanto à discutida contradição entre o sexto mandamento e a pena capital, a explicação pode ser encontrada no significado do verbo hebraico. A prescrição do Decálogo usa o verbo rãtsah na expressão “Não Matarás” (Êx 20.13), o que significa literalmente “não assassinarás”, isto é, a proibição do homicídio doloso ou qualificado. Então, ao cidadão era proibido tirar a vida de outro, e, quando alguém o fazia, a lei exigia que o Estado fizesse justiça. Para o devido processo legal, ao menos duas testemunhas eram requeridas (Dt 17.6). Assim, a morte do homicida com autorização legal era vista como justiça contra a impunidade, e não como uma mera vingança.
A pena capital e o perdão divino
1. Não obstante a severidade dessas punições, havia exceções na aplicação da lei, e até nos casos em que o crime tinha sido premeditado. Quando Davi adulterou e engravidou Bate-Seba, por exemplo, o rei deliberadamente planejou a morte de Urias com a finalidade de ocultar o seu pecado (2 Sm 11.3,4,15). Nesse episódio, Davi cometeu dois crimes dignos de morte: o adultério, cuja pena capital deveria ser executada com apedrejamento, e o assassinato, cuja punição requeria a pena de morte pela espada.
2. No entanto, Deus não permitiu que a pena fosse aplicada ao monarca: “Então, disse Davi a Natã: Pequei contra o Senhor. E disse Natã a Davi: Também o Senhor traspassou [perdoou] o teu pecado; não morrerás” (2 Sm 12.13). Nesse caso, Deus tratou pessoalmente do pecado do Rei com uma dolorosa sentença: a espada nunca se afastaria de sua família (2 Sm 12.10), as mulheres da família de Davi seriam violadas (2 Sm 12.11), as desgraças da família real seriam do conhecimento de todos (2 Sm 12.12) e, por fim, o menino nascido do caso de adultério iria morrer (2 Sm 12.14). A essência da lei retributiva estava presente na sentença, mas a pena capital não foi aplicada ao transgressor. O perdão e os propósitos divinos prevaleceram sobre a lei.
2. No Novo Testamento
No célebre ensino de Cristo conhecido como “Sermão da Monte”, registrado no Evangelho de Mateus, aparentemente a aplicação da pena capital foi encerrada ou recebeu nova interpretação nas repetidas declarações de Jesus: “Ouvistes o que foi dito [...] eu, porém, vos digo [...]”. Jesus usou essa expressão seis vezes no sermão (Mt 5.21,22,27,28,32,38,39,43,44). Nos dois primeiros casos listados por Jesus, a lei exigia que fosse aplicada a pena capital ao transgressor.
O Sermão do Monte e o Assassinato
No primeiro enunciado (Mt 5.21,22,25), Cristo referiu-se ao 6º mandamento preconizado no Decálogo: “Não matarás!” (Êx 20.13), cuja infração era punida severamente com a pena de morte por meio da espada. É inegável que Jesus amplia a interpretação vigente ao colocar o crime de assassinato no mesmo patamar do rancor e do ódio praticado contra o próximo. Uma parcela dos intérpretes dos Evangelhos afirma que Cristo considera a prática da ira e da vingança como pecado tão grave quanto o assassinato: “Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor” (Lv 19.18). Nota-se ainda que Jesus menciona dois tribunais de julgamento — “réu de juízo” e “réu do Sinédrio” —, e formaliza dois tipos de punição — “fogo do inferno” e “aprisionamento” (Mt 5.22,25). Alguns eruditos enxergam aqui a abolição da pena capital; outros intérpretes, porém, advertem que Cristo apenas acrescentou a pena de prisão em caso de calúnia e difamação. Apesar da controvérsia, está presente no ensino de Jesus a essência do cristianismo: amor, perdão e conciliação em lugar de ódio, rancor e desejo de vingança.
O Sermão do Monte e o Adultério
No segundo enunciado (Mt 5.27-30), Cristo referiu-se ao 7º mandamento preconizado no Decálogo: “Não adulterarás” (Êx 20.14). Essa infração também era severamente punida com a pena de morte, sendo o apedrejamento o método utilizado.
Neste caso da instrução acerca da imoralidade, Cristo corrige o falso ensino de que o adultério é caracterizado somente por meio da conjunção carnal. Jesus ensina que inclusive o olhar lascivo é uma forma de adultério. Para os padrões morais do Messias, o pecado não está apenas no “ato”, mas também na “intenção”. A interpretação dada por Jesus demonstra que ambas as condutas — adultério e cobiça — são desaprovadas por Deus: “Não cobiçarás a casa do teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo” (Êx 20.17). Na sequência do sermão, Cristo advertiu que era melhor arrancar um olho e perder uma das mãos, e assim entrar no céu (caolho e aleijado) do que ter todos os membros do corpo lançados no inferno (Mt 5.29,30). Essa passagem é carregada de simbolismos:
Jesus não está ensinando uma doutrina masoquista de automutilação com objetivos espirituais, e tampouco está sugerindo que o caminho para resolver o problema dos maus desejos é infligir cirurgia física radical. A figura de linguagem de Cristo enfatiza a importância crucial de tomarmos quaisquer medidas que forem necessárias a fim de controlarmos nossas paixões naturais, que tendem a explodir se não houver governo. (MOUNCE, 1996, p. 57)
Percebe-se na leitura do ensino de Cristo que o pecado da imoralidade é ampliado e assim a interpretação da lei toma uma nova e maior dimensão. E como prevenção contra esse pecado o sermão nos indica o caminho da “mortificação” da carne. Paulo utiliza esse ensino de Cristo quando escreve suas epístolas orientando os cristãos a mortificarem os desejos da carne (Rm 8.13; Gl 2.20; Cl 3.5). Também fica evidente no texto a inexistência da pena capital para o adultério. A única referência de condenação é a repetição, por duas vezes, da sentença que o corpo do adúltero (a) será “lançado no inferno” (Mt 5.29,30). Não obstante, na opinião de alguns intérpretes, não é possível afirmar, baseado neste texto, que Cristo tenha revogado a pena de morte. Contudo, o claro ensino de Jesus é o de “mortificar” os desejos, e assim evitar o inferno.
A pena capital nos escritos paulinos
Em Romanos 13.3-6, o apóstolo Paulo constata a legalidade da pena de morte e a legitimidade do Estado em usar a espada como punição ao transgressor. O texto paulino evidencia a autoridade do Estado pelas seguintes razões listadas nos versículos: “serva de Deus para teu bem”, “agente vingador para castigar o que faz o mal” e “estão a serviço de Deus”. Todas essas expressões indicam que o Estado tem o dever divino de punir os malfeitores, mas “o apóstolo nada diz quanto ao tipo de sanção e de penalidades que o Estado possa empregar” (STOTT, 2000, p. 417). A controvérsia em relação ao possível apoio do apóstolo à pena capital está presente na frase: “Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada” (Rm 13.4b).
O debate gira em torno do sentido que se deve dar a palavra referente à “espada” (machaira). O apóstolo já usara essa expressão antes com o sentido de morte: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?” (Rm 8.35). No entanto, no texto em apreço, as palavras seguintes parecem indicar que a expressão “espada” deve ser entendida como símbolo geral de juízo “para castigar o que faz o mal” (Rm 13.4c). Ora nem todo mal era castigado com a pena de morte, embora ela não esteja excluída do texto paulino. Portanto, o apóstolo não normatiza a aplicação da pena, não ordena e nem proíbe, apenas reconhece a existência da lei como dispositivo punitivo na sociedade e na cultura de sua época. De fato, a pena capital contém questões complexas para que sejam aplicadas no contexto cristão, “pois o precedente bíblico condenava à morte não só o homicida, mas também o adúltero e o que amaldiçoasse pai ou mãe” (HOLMES, 2013, p. 114). Aqueles que advogam o princípio bíblico para a pena capital estão dispostos em aplicá-la para todos os casos previstos na lei mosaica? A solução não estaria na mensagem transformadora do calvário?
O caso da mulher adúltera
O evangelista João registrou o caso de uma mulher apanhada em adultério (Jo 8.4). João informa que era de manhã cedo e Jesus estava ensinando no Templo (Jo 8.2). Cristo estava rodeado pelas pessoas que o escutavam, e de modo súbito os escribas e fariseus interromperam o discurso de Cristo com uma questão de ordem legal. Eles acusavam uma mulher de adultério e exigiam o parecer de Jesus sobre a aplicação da pena de morte (Jo 8.5). Essas autoridades eram “adeptos fundamentalistas da lei e sua interpretação, aplicação e preservação, eles sentiam-se ameaçados por uma nova escola de pensamento. Assim, tentavam anular Jesus com esta situação” (ARRINGTON, 2003, p. 540).
João registra que se tratava de uma armadilha para apanhar Jesus em alguma contradição: “Isso diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar” (Jo 8.6). O que pretendiam os opositores? Acusar Jesus de violar a lei? Torná-lo impopular com o apedrejamento de uma mulher? Parece que qualquer alternativa é possível para essas questões. Para os escribas e fariseus, não importava qual fosse à decisão, pensavam que só tinham a ganhar levando o problema para Jesus se posicionar.
Entretanto, os acusadores comportaram-se de modo parcial e trouxeram somente a mulher para ser julgada, enquanto a lei exigia a presença das testemunhas e também do adúltero (Nm 35.30; Lv 20.10). Cristo se recusou a participar desse juízo temerário e ilegítimo. Absolveu a mulher da punição, lhe perdoou e a exortou a deixar o pecado (Jo 8.11).
Contudo, uma parte da erudição neotestamentária diverge da citação acima referenciada. Consideram que o perdão de Jesus foi somente religioso e espiritual e que não houve perdão civil ou jurídico, já que a acusação contra ela tinha desmoronado (KAISER Jr, 2016, p. 176). Entretanto, não há dúvidas das lições que devem ser extraídas do incidente: Cristo não foi conivente com o pecado da mulher, mas desaprovou a violência e usou de misericórdia. Assim, apesar da pena de morte estar presente em ambos os Testamentos, os registros bíblicos assinalam que houve espaço para perdão e absolvição: para o rei Davi no Antigo Testamento e para a “mulher adúltera” no Novo Testamento.
II. EUTANÁSIA: CONCEITOS E IMPLICAÇÕES
A eutanásia é o procedimento em que de modo ativo ou passivo uma pessoa pode antecipar ou acelerar o processo de morte. Por vezes é chamada de “morte assistida” ou “suicídio assistido”. No Brasil, a eutanásia é ilegal e desaprovada pelo código de medicina.
1. O Conceito de Eutanásia
Etimologicamente, a palavra “eutanásia” tem origem em dois termos gregos: eu, com o significado de “boa” ou “fácil”, e thánatos, que significa “morte”. A junção desses dois termos resulta na expressão “boa morte”, também conhecida como “morte misericordiosa”. No sentido técnico, “eutanásia” significa antecipar, acelerar a morte ou tirar a vida de pacientes em estágio terminal, que estejam padecendo de dores intensas em consequência de alguma doença incurável. É o ato de matar o doente para não prolongar o grave quadro de seu sofrimento e de seus familiares. As formas usadas podem ser classificadas em eutanásia passiva ou ativa. A primeira consiste em desligar as máquinas e aparelhos que mantém o paciente vivo e a segunda requer a aplicação de qualquer droga que possa acelerar o processo de morte.
A ortotanásia
Enquanto a prática da eutanásia tem sido tema de amplo e controverso debate, a “ortotanásia” é um procedimento comumente aceito e praticado. Embora lexicamente a ortotanásia até possa ser considerada sinônimo de eutanásia, entre ambas há consideráveis diferenças no campo da ética (ANDRADE, 2015, p. 81). A ortotanásia advém das expressões gregas orthos, que significa “correta”, e thánatos, que significa “morte”. A junção desses dois termos resulta na expressão “morte correta”, também conhecida como “morte digna”. A ortotanásia trata os sintomas de uma doença para melhorar a qualidade da vida em estágio terminal. Nesse caso, o tratamento é paliativo, com o propósito de minorar a dor e deixar morrer da maneira mais confortável possível. Não se pretende a morte do paciente; simplesmente se aceita o fato de não poder impedi-la, isto é, permite-se que a vida do paciente cesse naturalmente. Costuma-se diferenciar a “eutanásia” da “ortotanásia” nos seguintes termos: “A ortotanásia seria deixar morrer, enquanto a eutanásia seria fazer morrer”.
2. As Implicações da Eutanásia
As consequências da prática da eutanásia são extremamente danosas e contrárias à dignidade da vida humana. As dúvidas e as interrogações formuladas são complexas: É legalmente autorizado fazer cessar a vida? É correto que as pessoas, especialmente quem está em fase terminal da vida e em profundo sofrimento, decida pelo término da sua vida? É permitido ao ser humano requerer medidas que lhe tirem a vida? É direito de a pessoa determinar o dia de sua morte? É moralmente certo que outras pessoas decidam pela vida do moribundo? Qual a ética adotada quando se decide pelo prolongamento ou pela eliminação da vida? Portanto, diante dessas e outras questões, a prática da eutanásia tem implicações de ordem legal, moral e ética.
Implicações legais
Nos aspectos legais, a Constituição Brasileira assegura a “inviolabilidade do direito à vida” (Art. 5º, CAPUT) e a “eutanásia” é tipificada como crime no Código Penal Brasileiro (CP):
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único – A pena é duplicada: I- se o crime é praticado por motivo egoístico; II- se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
No entanto, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei no 236/12 (Novo Código Penal), em que o juiz poderá deixar de aplicar punição para quem cometer a eutanásia, seja ela passiva, seja ativa:
Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave: Pena – prisão, de dois a quatro anos. §1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima. §2º não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão. (NCP, 2012, Art. 122)
Se aprovado, o novo código possibilitará ao magistrado avaliação subjetiva e pessoal acerca da prática da eutanásia ativa (§1º) e quanto à eutanásia passiva, o doente terminal ficará à mercê da vontade de terceiros (§2º). Nesses termos, a legalização da eutanásia provoca complicações de ordem moral e ética.
Implicações morais
Nas questões de ordem moral, deparamo-nos com a violação do sexto mandamento do Decálogo — “Não Matarás” (Êx 20.13) —, e em decorrência disso o crime de assassinato. E, ainda quando a “eutanásia” é consentida pelo paciente, surge o problema do pecado de suicídio. Associado a isso, questiona-se a participação do médico na condução do suicídio assistido. Nesse caso, o paciente provoca a própria morte com ajuda do médico que providencia os meios de fazer cessar a vida (PALLISTER, 2013, p. 144). Os médicos não deveriam salvar vidas, em lugar de eliminar vidas? Pergunta-se ainda: A quem mais interessa a eutanásia? Ao paciente ou ao seu plano de saúde e à previdência social?
Enquadram-se nessa discussão as questões de consciência e o sentimento de culpa. O homem como cidadão pode até compreender os argumentos pró-eutanásia, porém é muito difícil aplacar a consciência, pois ela é a primeira juíza de nossos atos. A culpa é considerada como um arrependimento por uma atitude tomada. Isso acontece quando alguém é obrigado pelas circunstâncias a decidir pela morte de um ente querido. Uma parcela de pessoas fica com a consciência pesada e sofrendo remorso. O sentimento de culpa torna a pessoa refém de sua ação contrária ao instinto natural de velar pela inviolabilidade da vida.
Implicações éticas
As indagações éticas podem ser assim resumidas: É lícito exterminar pessoas doentes? Descartar enfermos, inválidos e idosos não se constitui conceito racista da eugenia? Será ético interromper o tratamento de alguém que está sedado para não sentir dores ou induzido ao coma? As pessoas que desejam morrer estão com a mente sã e em condições psicológicas para essa tomada de decisão? Existem também, as questões éticas de erro médico. Os casos de diagnóstico errado. A pessoa descobre ser portador de uma doença que a fará conviver com dores horríveis, perdas cognitivas, intenso sofrimento, e, por fim, a morte. Desesperado e sem expectativas, o paciente pede então que tirem a sua a vida ou que o deixem morrer antes que a dor se torne insuportável. No entanto, o exame post-mortem conclui que o diagnóstico estava errado. Como lidar com uma tragédia dessas? Acham-se igualmente inseridos nesse contexto os casos de diagnóstico certo, mas de prognóstico errado. Por exemplo, a equipe médica chega à conclusão de que determinada doença levará o paciente a uma morte dolorosa. Não obstante, tempos depois, a cura é descoberta. Matar ou deixar morrer, nesses casos, promovem implicações éticas insolúveis.
III. A VIDA HUMANA PERTENCE A DEUS
Deus é a causa originadora como também a causa sustentadora de toda vida que existe. Deus é o Dono de todas as coisas, inclusive do amanhã (Mt 6.34, Tg 4.13,14). Ele é o único ser capaz de controlar integralmente tudo que existe, o curso da vida, cumprindo cabalmente o seu propósito e frustrando toda oposição (CRUVINEL, 2015, p. 3). Sob essa premissa, a pena de morte e a eutanásia violam a providência e a soberania divina. A vida foi dada por Deus e pertence a Ele.
1. A Fonte Originária da Vida
A Bíblia ensina que Deus trouxe o universo à existência (Gn 1.1) e que Ele próprio sustenta todas as coisas em existência (Hb 1.3). Deus não criou somente a matéria, mas criou também toda a espécie de seres vivos e ainda a humanidade (Gn 1.21-27; Cl 1.16). Os homens, como obra-prima, são uma criação especial e distinta. Deus os criou à sua imagem e semelhança (Gn 1.27), característica não dada a nenhuma outra criatura.
A vida humana passou a existir por causa da vontade de Deus e também continua a existir por sua vontade, pois “todas as coisas subsistem por Ele” (Cl 1.17). Deus está no controle soberano de toda a vida (Dt 32.39; Lc 12.7), e toda vida tem origem nEle: “pois Ele mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (At 17.25). Portanto, o Deus vivo é a fonte originária da vida e unicamente Ele tem autoridade para conceder ou tirar (1 Sm 2.6).
2. O Caráter Sagrado da Vida
A vida humana, sua sacralidade e dignidade têm sua origem e fonte em Deus. A vida existe e subsiste por vontade e com propósitos divinos. Atentar contra a vida é atentar contra a providência e a soberania de Deus, o autor da vida. O poder absoluto sobre a vida e a morte pertence única e exclusivamente a Deus. A atual ideologia que propaga o direito do homem em exterminar a própria vida ou a do outro viola os desígnios divinos (Jo 10.10). Portanto, a vida humana é sagrada e deve ser protegida, cuidada, preservada, respeitada e valorizada.
A sacralidade da vida
Na história das religiões, sagrado é tudo aquilo que é objeto de uma garantia sobrenatural. O reconhecimento de que a vida humana é sagrada respalda-se em três dimensões fundamentais: a razão da sua origem, a razão da sua natureza e a razão do seu destino. Assim, como essas razões são sobrenaturais, a vida é sagrada, não por motivos biológicos, mas por Deus ser o protagonista de sua origem, de sua existência e de seu término. Em consequência, a vida humana é inviolável em quaisquer circunstâncias, fases ou etapas de sua existência. Por isso o sexto mandamento, “não matarás”, possui valor absoluto. Não se devem permitir concessões. Quando o mandamento é relativizado, a sacralidade da vida humana fica ameaçada.
A discussão da sacralidade da vida não pode ser apenas jurídica, mas, sobretudo, um debate de questões éticas. Para os preceitos da ética cristã, a vida humana é sagrada porque tem origem divina, visto que toda vida emana de Deus. Por conseguinte, deve ser inviolável a proibição de intencionalmente alguém tirar a vida de outro ser humano (Êx 20.13). Seja por meio da pena capital, seja por práticas abortivas ou com o uso de qualquer droga com a intenção de matar ou apressar a morte de alguém. A sacralidade da vida humana deve ser protegida e preservada antes e depois do nascimento, desde o momento da concepção até o seu último instante (Sl 116.15; 139.13-16). A vida deve ser respeitada e valorizada como dádiva divina: “Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida” (2 Pe 1.3a).
A dignidade da vida
Ao publicar sua obra A Metafísica da Moral (1797), o filósofo alemão Immanuel Kant, inaugurou o conceito de “imperativo categórico”. Em sua concepção, Kant ensinou que nas relações éticas o dever moral é “imperativo” e, por atingir a todos, sem exceção, também é “categórico”. Em outras palavras, o filósofo queria dizer que “a moral deve ser igual para todos, o tempo todo, e em todos os lugares”. Ele se posicionava contra o “relativismo moral” e contra a doutrina do utilitarismo, ou seja, a de que “os fins justificam os meios”. Para Kant, a ética deve ser fundamentada em princípios universais, e não em regras circunstanciais. Desse modo, quando aplicamos o conceito do “imperativo categórico” em relação à vida, a inviolabilidade recebe valor absoluto, ou seja, um respeito incondicional à dignidade humana é o reconhecimento do sagrado da vida, e não a sua banalização:
No Brasil, hoje vivemos uma situação paradoxal. Há proteção legal da vida de plantas e animais. O mesmo não ocorre com a vida humana. As plantas e os animais usufruem da proteção de ONGs, do público e da autoridade em geral, quando em propriedade particular. Em lugares públicos, a atitude muda, pois aí ninguém se sente responsável. Quando o vizinho derruba uma árvore em seu pátio, porque ameaça cair sobre sua residência, outros logo se encarregam de avisar as autoridades sob o pretexto de defender o meio ambiente. Onde fica a eminente dignidade humana? O homem foi reduzido a simples objeto? Deve o homem fazer tudo que sabe, sem prever as consequências? O homem é meio ou fim em si mesmo? (ZILLES, 2007, p. 344)
O autor da citação acima questiona a existência de espaço para a sacralidade e a dignidade da vida humana na sociedade hodierna. Reclama que, por parte de alguns setores, a vida das plantas e dos animais recebe maior atenção que a própria vida do ser humano. Isso nos remete ao problema da vulgarização da vida. Em nome do pseudodireito de morrer e também do suposto direito legal de matar, como nos casos do suicídio, aborto, pena de morte e eutanásia, a sacralidade e a dignidade humana são desrespeitadas e tornaram-se corriqueiras.
Entretanto, essa não deve ser a postura cristã. Se a vida é sagrada por ocasião da concepção, deve permanecer sagrada durante todo o seu percurso, e não poderá deixar de ser sagrada em seu derradeiro dia. No caso de alguma enfermidade, o paciente tem o direito de receber tratamento adequado tanto na busca da cura como no alívio de suas dores. Procedimentos dolorosos e ineficazes podem ser evitados a fim de resguardar a dignidade humana, porém, exterminar a vida é uma afronta ao Príncipe da Vida (At 3.15).
Buscar a morte como alívio para o sofrimento é decisão condenada nas Escrituras. Jó, por exemplo, embora sofrendo dores terríveis, reconheceu o caráter sagrado da vida e com dignidade não aceitou a sugestão de sua esposa em amaldiçoar a Deus e morrer (Jó 2.9). Por fim, o patriarca enalteceu a providência e a soberania divina sobre a existência humana: “Bem sei eu que tudo podes, e nenhum dos teus pensamentos pode ser impedido” (Jó 42.2). Quanto à pena capital, vale a pena ratificar a seguinte assertiva do apologista assembleiano: “é como a bomba atômica: existe, mas não é para ser usada. Ela não vai resolver, como nunca resolveu, o problema da violência e da criminalidade” (SOARES, 2014, p. 97).
A vida humana, sua sacralidade e dignidade, têm origem em Deus. Atentar contra esse dom divino é colocar-se contra a soberania de Deus, o autor da vida. O poder absoluto sobre a vida e a morte pertence a Deus. A atual ideologia que propaga o direito do homem em exterminar a própria vida, ou a do outro, viola o propósito divino (Jo 10.10).
Ética Cristã, pena de morte e eutanásia
Vivemos um momento de extremos em nosso país. Uns defendem a pena de morte. Outros são contra. O Brasil é um país que não tem uma tradição de pena capital institucionalizada. Por isso, ninguém sabe o que poderia acontecer caso um dia essa modalidade de punição fosse estabelecida em nosso arcabouço legal. Porém, é importante afirmar que em nosso país, conforme a Constituição Federal, a proibição da pena capital consta como cláusula pétrea, isto é, um princípio que jamais pode ser removido do texto constitucional, salvo quando a sociedade resolver elaborar outro documento constitucional; só então, a proibição poderá ser removida.
Ainda assim, não são poucas as pessoas que dedicam energia quanto à militância da causa. O motivo muitas vezes é a sensação de injustiça e de impunidade. Por isso, como ensinadores da Palavra de Deus, o nosso desafio é conceber a ideia de como o seguidor de Cristo deve se posicionar em relação ao assunto: o crente pode ser a favor da pena de morte? É possível conciliar o ensino de Jesus com a prática da eutanásia?
Caro professor, prezada professora, esses dois assuntos são bem sérios. O comentarista da lição trouxe uma explicação bem equilibrada sobre eles. Nesse espaço, priorizamos o da pena capital. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que as Escrituras Sagradas não normatizam o assunto. Embora tenhamos o desenvolvimento da pena capital no Antigo Testamento, bem como as exceções disponíveis no documento antigo, temos o problema da aplicação de uma lei de um estado teocrático para os nossos dias. Em segundo lugar, embora o apóstolo Paulo reconheça a pena capital como medida legítima do estado romano para punir os fora da lei, ele não normatiza a prática em o Novo Testamento. Ainda temos o exemplo de Jesus Cristo, que perdoou a mulher adúltera, ao fim do sofrimento dEle na cruz, o Mestre rogava: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34). Se há um assunto que é normatizado ao longo das Escrituras, e chancelado pelo nosso Senhor, é o de promover o perdão.
O perdão está no âmago da mensagem cristã (Mt 5.38-48; 18.21-35). O perdão dos nossos pecados nos trouxe a salvação. Por isso, não podemos perder de vista essa maravilhosa verdade acerca do perdão. Entretanto, não nos insurgimos contra a legitimidade de o Estado implementar esse estágio de punição, mas pontuamos que não é coerente ao crente ser um militante dele.
A pena de morte e a eutanásia violam a soberania divina. A vida foi dada por Deus e, portanto, pertence a Ele.
Leitura Bíblica em Classe - Romanos 13.3-5; 1 Samuel 2.6,7; João 8.3-5,7,10,11
A vida humana é o ponto de partida para os demais direitos da pessoa. Se o direito à vida não estiver assegurado torna-se impossível a existência dos outros valores. No entanto, em contradição a este pressuposto, temas relacionados à punição com pena de morte e o direito à eutanásia são frequentemente discutidos e aceitos na sociedade atual. Nesta lição estudaremos a presença da pena capital em ambos os testamentos bíblicos, a prática da eutanásia e suas implicações éticas na vida do ser humano.
A vida humana é o ponto de partida para todos os demais direitos da pessoa. Se a vida humana não estiver assegurada, torna-se impossível à realização dos outros valores. No entanto, em contradição a esse pressuposto, temas relacionados à punição com pena de morte e o direito à eutanásia são frequentemente discutidos e aceitos na sociedade pós-moderna. Neste capítulo, estudaremos a presença da pena capital em ambos os testamentos bíblicos, a prática da eutanásia e suas implicações éticas e ainda a vida humana como sendo originária e pertencente a Deus.
A prática da pena de morte, também chamada pena capital, é um instrumento jurídico pelo qual um ser humano é morto como punição por crime cometido. No Brasil, após a Proclamação da República, em 15 de novembro 1889, esse dispositivo foi proibido em caso de crimes civis e retirado do nosso Código Penal. Porém, o nosso atual ordenamento jurídico ainda dispõe da pena capital, que pode ser aplicada em casos de crimes cometidos em tempos de guerra (Art. 5º, XLVII, a, CF 1988). Na maior parte dos países, a pena capital também já foi abolida ou não é mais praticada. Quanto à eutanásia e seus desdobramentos, estudaremos na sequência deste capítulo.
I. A PENA DE MORTE NAS ESCRITURAS
É incontestável a presença da pena de morte nas Escrituras Sagradas. O Antigo Testamento prescreve a pena capital e o Novo Testamento reconhece sua existência, mas não normatiza o assunto. A pena de morte tem sido um dos mais controvertidos temas éticos da atualidade. A maior dificuldade está em conciliar o ordenamento jurídico da pena capital com o sexto mandamento prescrito no Antigo Testamento — “Não matarás” (Êx 20.13) —, que pressupõe a preservação da vida e a proibição do assassinato premeditado.
A outra problematização do instrumento legal da pena de morte é a sua incompatibilidade com o espírito do cristianismo, que pressupõe o perdão, o amor, a compaixão e a misericórdia; no entanto, a pena capital está presente nos escritos neotestamentários. O teólogo pentecostal Esequias Soares pondera que a presença desse instrumento de punição na Bíblia Sagrada possui sentidos diferentes em cada um dos testamentos: “a diferença do Antigo Testamento é que ali a lei prescreve como parte de um sistema legal, e aqui não é mandamento, conselho ou incentivo. O Novo Testamento apenas reconhece que a pena capital existe” (SOARES, 2015, p. 97).
1. No Antigo Testamento
Uma questão ética acerca da “pena retributiva” tem sido amplamente discutida a partir da advertência divina dada no Éden. Depois de criar o homem, o Senhor colocou Adão no jardim para lavrá-lo e guardá-lo (Gn 2.15). Para a subsistência, Deus o autorizou comer livremente de toda a árvore do jardim (Gn. 2.16). No entanto, o homem foi advertido acerca de um perigo real: “Mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17). Argumenta-se que nessas palavras divinas está presente a pena retributiva, o que significa que “a pessoa é moralmente responsável pelos seus atos e o delinquente merece castigo adequado” (HOLMES, 2013, p. 111). No caso específico do Éden, Deus alertou que a desobediência seria punida com a pena capital. Quanto a isso, os eruditos cristãos são concordes em afirmar que a punição aqui se refere tanto com a morte física quanto com a morte espiritual, ambas como efeito e resultado do pecado. Não obstante, o próprio Deus providenciou um meio de aniquilar a pena capital, ao enviar seu Filho para morrer no lugar do homem a fim de salvar a humanidade (Rm 6.23, 1 Co 15.26,54, Hb 2.14).
O homicídio praticado por Caim
O primeiro registro de homicídio registrado nas Escrituras relata o esfacelamento da primeira família da terra. Um problema de relacionamento motivado pelo ciúme e pela inveja resultou no primeiro crime de fratricídio, ou seja, a morte de um irmão por outro irmão. Deus responsabilizou Caim pela bárbara e covarde decisão de assassinar seu irmão Abel (Gn 4.6-10). No diálogo entre Deus e o homicida, arrependido pelo crime cometido, Caim suplicou perdão ao dizer: “É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada” (Gn 4.13). Por conseguinte, apavorado com as consequências de seu ato, o assassino conscientizou-se da desgraça que trouxera sobre a sua vida: “Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e errante na terra, e será que todo aquele que me achar me matará” (Gn 4.14).
As palavras de Caim refletem a ideia da lei retributiva: “quem me encontrar, me matará”. Em vista dessa convicção o assassino arrependido é surpreendido pela resposta divina: “qualquer que matar a Caim sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse” (Gn 4.15). No primeiro homicídio cometido pelo homem, Deus reclama para si todo o direito de vingança, por ser o dono da vida (Gn 4.10) e ao mesmo tempo proíbe que se tome vingança de Caim (Gn 4.15). Deus demonstra compaixão e misericórdia diante do pavor e desespero estampado nas palavras do homicida. Deus não permitiria que ele fosse morto, mas manteria o castigo da expulsão e da vida errante. Caim não recebeu a pena capital, mas uma sentença equivalente a pena perpétua. Os juízos divinos não são apenas retributivos, mas também são pedagógicos, pois têm o propósito de regenerar o ofensor (Hb 12.6,11).
Lameque e o aumento da criminalidade
Na continuidade do capítulo 4 do livro de Gênesis, o autor sagrado descreve a linhagem de Caim (Gn 4.17-22). O texto relata que Lameque, descendente de Caim, era de temperamento violento e comportava-se de modo vingativo e desequilibrado. Lameque requereu uma vida por uma ferida que lhe fizeram e outra por uma pisadura que sofrera. Ele tirou a vida de um homem e de um menino por motivo torpe e totalmente fútil. Em termos jurídicos, de nosso ordenamento jurídico atual, seu crime é tipificado como homicídio duplamente qualificado (Art. 121, §2º, CP). A narrativa bíblica também evidencia a insensibilidade de Lameque, sua falta de arrependimento, arrogância e jactância. Ele se gaba de seus atos criminosos para as suas mulheres (Gn 4.23,24). Diante desse terrível discurso, percebe-se que após a queda e o consequente primeiro homicídio, o ódio e a vingança tomaram proporções assustadoras (Caim é vingado sete vezes, Lameque setenta vezes sete).
Após a narrativa desses fatos seguida pela genealogia de Sete (Gn 5.1-32), as Escrituras registram no capítulo 6 do Gênesis a decadência e a depravação da espécie humana: “viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” (Gn 6.5). O registro bíblico relata a multiplicação da violência, a prática da injustiça, o domínio da vingança, a deterioração da sociedade e o consequente aumento da criminalidade. Ao ver a conduta humana corrompida (Gn 6.12), Deus se arrepende de ter criado o homem e decide enviar o dilúvio como castigo à humanidade (Gn 6.13,17). Ao salvar Noé e sua família (Gn 6.8-10;16) Deus estabelece uma nova dispensação para com a geração pós-diluviana:
Dentro deste contexto, a necessidade de equilíbrio é declarada por Deus por meio do “olho por olho e dente por dente”, a saber, uma proporcionalidade entre o mal causado e a resposta a este mal. Assim, a Lei de Talião é dada para regular as relações sociais desequilibradas em diversos âmbitos, tais como crimes e acidentes contra a pessoa, a comunidade ou mesmo a propriedade. Caso não houvesse lei reguladora, estes processos acabariam em ciclos criminosos de vingança e opressão dos socialmente mais fracos, com respostas desproporcionais e injustas. (MEISTER, 2007, p. 61)
Na tentativa de coibir o desenfreado crescimento da criminalidade e do desproporcional comportamento vingativo, a lei retributiva se apresenta para estabelecer limites e fixar normas a serem adotadas como um princípio regulador para a sociedade. Desse modo, a pena proporcional ao crime será estabelecida a fim de corrigir a postura de vingança violenta inaugurada por Lameque e inserida na cultura daquela época. Como poderemos perceber nos pontos subsequentes, a lei retributiva será exposta e claramente introduzida por Deus, registrada no Pentateuco, por meio dos pactos estabelecidos com o patriarca Noé e o legislador Moisés.
O pacto noético e a lei mosaica
1. No pacto com Noé (após o dilúvio), a pena de morte aparece como punição retributiva (Gn 9.6). Na Lei de Moisés (após a saída do Egito), o mesmo conceito é mantido (Êx 21.23-25). Esse modelo de punição também é conhecido como “lei de talião”. A expressão vem do latim Lex Talionis (lex = “lei” e talis = “tal, de tal tipo”), e consiste na justa reciprocidade do crime e da pena. O Código de Hamurabi (1750-1730 a.C.), que trata sobre delitos e penas, traz um conceito similar ao pacto noético e à lei mosaica.
2. Convém salientar que a lei retributiva não se referia unicamente à pena capital. A essência da lei está na “retribuição” proporcional ao dano causado. Na lei mosaica, as punições com a pena capital eram executadas por meio do apedrejamento, da espada e por meio da fogueira. Eram condenados à morte por apedrejamento os culpados dos seguintes delitos: infanticídio (Lv 20.2-5), adivinhação (Lv 20.27), blasfêmia (Lv 24.15,16), profanação do sábado (Êx 31.14; 35.2), falsa profecia (Dt 13.1-10), a falsa adoração (Dt 17.2-7), filho incorrigível (Dt 21.18-21) e o adultério (Dt 22.22-24). Eram punidos à espada os apóstatas (Êx 32.27), os assassinos (Nm 35.19-21) e os idólatras (Dt 13.13-15).
3. Era queimado na fogueira quem praticasse o coito com a esposa e a sogra (Lv 20.14) e também a filha de sacerdote que praticasse a prostituição (Lv 21.9). Outras punições fora da pena capital também eram executadas: a mutilação (Êx 21.24,25; Dt 25.12), açoites (Dt 22.18; 25.13), multas (Êx 22.1-4; Dt 22.18,19), prisão (Jr 37.15,16), escravidão (Êx 21.2; 2 Rs 4.1), além de outros métodos punitivos. Apesar de prevista, a pena capital não era aplicada de modo generalizado. No crime de assassinato, a pena era aplicada apenas no caso de homicídio premeditado (Êx 21.12). Se o homicídio cometido fosse considerado um acidente ou em defesa pessoal, o homicida involuntário poderia escapar da pena escondendo-se em uma das cidades de refúgio (Êx 21.12,13; Nm 35.2225). Era uma espécie de condenação perpétua; o culpado deveria permanecer na cidade de refúgio até a morte do sumo sacerdote (Nm 35.25).
4. Quanto à discutida contradição entre o sexto mandamento e a pena capital, a explicação pode ser encontrada no significado do verbo hebraico. A prescrição do Decálogo usa o verbo rãtsah na expressão “Não Matarás” (Êx 20.13), o que significa literalmente “não assassinarás”, isto é, a proibição do homicídio doloso ou qualificado. Então, ao cidadão era proibido tirar a vida de outro, e, quando alguém o fazia, a lei exigia que o Estado fizesse justiça. Para o devido processo legal, ao menos duas testemunhas eram requeridas (Dt 17.6). Assim, a morte do homicida com autorização legal era vista como justiça contra a impunidade, e não como uma mera vingança.
A pena capital e o perdão divino
1. Não obstante a severidade dessas punições, havia exceções na aplicação da lei, e até nos casos em que o crime tinha sido premeditado. Quando Davi adulterou e engravidou Bate-Seba, por exemplo, o rei deliberadamente planejou a morte de Urias com a finalidade de ocultar o seu pecado (2 Sm 11.3,4,15). Nesse episódio, Davi cometeu dois crimes dignos de morte: o adultério, cuja pena capital deveria ser executada com apedrejamento, e o assassinato, cuja punição requeria a pena de morte pela espada.
2. No entanto, Deus não permitiu que a pena fosse aplicada ao monarca: “Então, disse Davi a Natã: Pequei contra o Senhor. E disse Natã a Davi: Também o Senhor traspassou [perdoou] o teu pecado; não morrerás” (2 Sm 12.13). Nesse caso, Deus tratou pessoalmente do pecado do Rei com uma dolorosa sentença: a espada nunca se afastaria de sua família (2 Sm 12.10), as mulheres da família de Davi seriam violadas (2 Sm 12.11), as desgraças da família real seriam do conhecimento de todos (2 Sm 12.12) e, por fim, o menino nascido do caso de adultério iria morrer (2 Sm 12.14). A essência da lei retributiva estava presente na sentença, mas a pena capital não foi aplicada ao transgressor. O perdão e os propósitos divinos prevaleceram sobre a lei.
2. No Novo Testamento
No célebre ensino de Cristo conhecido como “Sermão da Monte”, registrado no Evangelho de Mateus, aparentemente a aplicação da pena capital foi encerrada ou recebeu nova interpretação nas repetidas declarações de Jesus: “Ouvistes o que foi dito [...] eu, porém, vos digo [...]”. Jesus usou essa expressão seis vezes no sermão (Mt 5.21,22,27,28,32,38,39,43,44). Nos dois primeiros casos listados por Jesus, a lei exigia que fosse aplicada a pena capital ao transgressor.
O Sermão do Monte e o Assassinato
No primeiro enunciado (Mt 5.21,22,25), Cristo referiu-se ao 6º mandamento preconizado no Decálogo: “Não matarás!” (Êx 20.13), cuja infração era punida severamente com a pena de morte por meio da espada. É inegável que Jesus amplia a interpretação vigente ao colocar o crime de assassinato no mesmo patamar do rancor e do ódio praticado contra o próximo. Uma parcela dos intérpretes dos Evangelhos afirma que Cristo considera a prática da ira e da vingança como pecado tão grave quanto o assassinato: “Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor” (Lv 19.18). Nota-se ainda que Jesus menciona dois tribunais de julgamento — “réu de juízo” e “réu do Sinédrio” —, e formaliza dois tipos de punição — “fogo do inferno” e “aprisionamento” (Mt 5.22,25). Alguns eruditos enxergam aqui a abolição da pena capital; outros intérpretes, porém, advertem que Cristo apenas acrescentou a pena de prisão em caso de calúnia e difamação. Apesar da controvérsia, está presente no ensino de Jesus a essência do cristianismo: amor, perdão e conciliação em lugar de ódio, rancor e desejo de vingança.
O Sermão do Monte e o Adultério
No segundo enunciado (Mt 5.27-30), Cristo referiu-se ao 7º mandamento preconizado no Decálogo: “Não adulterarás” (Êx 20.14). Essa infração também era severamente punida com a pena de morte, sendo o apedrejamento o método utilizado.
Neste caso da instrução acerca da imoralidade, Cristo corrige o falso ensino de que o adultério é caracterizado somente por meio da conjunção carnal. Jesus ensina que inclusive o olhar lascivo é uma forma de adultério. Para os padrões morais do Messias, o pecado não está apenas no “ato”, mas também na “intenção”. A interpretação dada por Jesus demonstra que ambas as condutas — adultério e cobiça — são desaprovadas por Deus: “Não cobiçarás a casa do teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo” (Êx 20.17). Na sequência do sermão, Cristo advertiu que era melhor arrancar um olho e perder uma das mãos, e assim entrar no céu (caolho e aleijado) do que ter todos os membros do corpo lançados no inferno (Mt 5.29,30). Essa passagem é carregada de simbolismos:
Jesus não está ensinando uma doutrina masoquista de automutilação com objetivos espirituais, e tampouco está sugerindo que o caminho para resolver o problema dos maus desejos é infligir cirurgia física radical. A figura de linguagem de Cristo enfatiza a importância crucial de tomarmos quaisquer medidas que forem necessárias a fim de controlarmos nossas paixões naturais, que tendem a explodir se não houver governo. (MOUNCE, 1996, p. 57)
Percebe-se na leitura do ensino de Cristo que o pecado da imoralidade é ampliado e assim a interpretação da lei toma uma nova e maior dimensão. E como prevenção contra esse pecado o sermão nos indica o caminho da “mortificação” da carne. Paulo utiliza esse ensino de Cristo quando escreve suas epístolas orientando os cristãos a mortificarem os desejos da carne (Rm 8.13; Gl 2.20; Cl 3.5). Também fica evidente no texto a inexistência da pena capital para o adultério. A única referência de condenação é a repetição, por duas vezes, da sentença que o corpo do adúltero (a) será “lançado no inferno” (Mt 5.29,30). Não obstante, na opinião de alguns intérpretes, não é possível afirmar, baseado neste texto, que Cristo tenha revogado a pena de morte. Contudo, o claro ensino de Jesus é o de “mortificar” os desejos, e assim evitar o inferno.
A pena capital nos escritos paulinos
Em Romanos 13.3-6, o apóstolo Paulo constata a legalidade da pena de morte e a legitimidade do Estado em usar a espada como punição ao transgressor. O texto paulino evidencia a autoridade do Estado pelas seguintes razões listadas nos versículos: “serva de Deus para teu bem”, “agente vingador para castigar o que faz o mal” e “estão a serviço de Deus”. Todas essas expressões indicam que o Estado tem o dever divino de punir os malfeitores, mas “o apóstolo nada diz quanto ao tipo de sanção e de penalidades que o Estado possa empregar” (STOTT, 2000, p. 417). A controvérsia em relação ao possível apoio do apóstolo à pena capital está presente na frase: “Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada” (Rm 13.4b).
O debate gira em torno do sentido que se deve dar a palavra referente à “espada” (machaira). O apóstolo já usara essa expressão antes com o sentido de morte: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?” (Rm 8.35). No entanto, no texto em apreço, as palavras seguintes parecem indicar que a expressão “espada” deve ser entendida como símbolo geral de juízo “para castigar o que faz o mal” (Rm 13.4c). Ora nem todo mal era castigado com a pena de morte, embora ela não esteja excluída do texto paulino. Portanto, o apóstolo não normatiza a aplicação da pena, não ordena e nem proíbe, apenas reconhece a existência da lei como dispositivo punitivo na sociedade e na cultura de sua época. De fato, a pena capital contém questões complexas para que sejam aplicadas no contexto cristão, “pois o precedente bíblico condenava à morte não só o homicida, mas também o adúltero e o que amaldiçoasse pai ou mãe” (HOLMES, 2013, p. 114). Aqueles que advogam o princípio bíblico para a pena capital estão dispostos em aplicá-la para todos os casos previstos na lei mosaica? A solução não estaria na mensagem transformadora do calvário?
O caso da mulher adúltera
O evangelista João registrou o caso de uma mulher apanhada em adultério (Jo 8.4). João informa que era de manhã cedo e Jesus estava ensinando no Templo (Jo 8.2). Cristo estava rodeado pelas pessoas que o escutavam, e de modo súbito os escribas e fariseus interromperam o discurso de Cristo com uma questão de ordem legal. Eles acusavam uma mulher de adultério e exigiam o parecer de Jesus sobre a aplicação da pena de morte (Jo 8.5). Essas autoridades eram “adeptos fundamentalistas da lei e sua interpretação, aplicação e preservação, eles sentiam-se ameaçados por uma nova escola de pensamento. Assim, tentavam anular Jesus com esta situação” (ARRINGTON, 2003, p. 540).
João registra que se tratava de uma armadilha para apanhar Jesus em alguma contradição: “Isso diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar” (Jo 8.6). O que pretendiam os opositores? Acusar Jesus de violar a lei? Torná-lo impopular com o apedrejamento de uma mulher? Parece que qualquer alternativa é possível para essas questões. Para os escribas e fariseus, não importava qual fosse à decisão, pensavam que só tinham a ganhar levando o problema para Jesus se posicionar.
Entretanto, os acusadores comportaram-se de modo parcial e trouxeram somente a mulher para ser julgada, enquanto a lei exigia a presença das testemunhas e também do adúltero (Nm 35.30; Lv 20.10). Cristo se recusou a participar desse juízo temerário e ilegítimo. Absolveu a mulher da punição, lhe perdoou e a exortou a deixar o pecado (Jo 8.11).
Contudo, uma parte da erudição neotestamentária diverge da citação acima referenciada. Consideram que o perdão de Jesus foi somente religioso e espiritual e que não houve perdão civil ou jurídico, já que a acusação contra ela tinha desmoronado (KAISER Jr, 2016, p. 176). Entretanto, não há dúvidas das lições que devem ser extraídas do incidente: Cristo não foi conivente com o pecado da mulher, mas desaprovou a violência e usou de misericórdia. Assim, apesar da pena de morte estar presente em ambos os Testamentos, os registros bíblicos assinalam que houve espaço para perdão e absolvição: para o rei Davi no Antigo Testamento e para a “mulher adúltera” no Novo Testamento.
II. EUTANÁSIA: CONCEITOS E IMPLICAÇÕES
A eutanásia é o procedimento em que de modo ativo ou passivo uma pessoa pode antecipar ou acelerar o processo de morte. Por vezes é chamada de “morte assistida” ou “suicídio assistido”. No Brasil, a eutanásia é ilegal e desaprovada pelo código de medicina.
1. O Conceito de Eutanásia
Etimologicamente, a palavra “eutanásia” tem origem em dois termos gregos: eu, com o significado de “boa” ou “fácil”, e thánatos, que significa “morte”. A junção desses dois termos resulta na expressão “boa morte”, também conhecida como “morte misericordiosa”. No sentido técnico, “eutanásia” significa antecipar, acelerar a morte ou tirar a vida de pacientes em estágio terminal, que estejam padecendo de dores intensas em consequência de alguma doença incurável. É o ato de matar o doente para não prolongar o grave quadro de seu sofrimento e de seus familiares. As formas usadas podem ser classificadas em eutanásia passiva ou ativa. A primeira consiste em desligar as máquinas e aparelhos que mantém o paciente vivo e a segunda requer a aplicação de qualquer droga que possa acelerar o processo de morte.
A ortotanásia
Enquanto a prática da eutanásia tem sido tema de amplo e controverso debate, a “ortotanásia” é um procedimento comumente aceito e praticado. Embora lexicamente a ortotanásia até possa ser considerada sinônimo de eutanásia, entre ambas há consideráveis diferenças no campo da ética (ANDRADE, 2015, p. 81). A ortotanásia advém das expressões gregas orthos, que significa “correta”, e thánatos, que significa “morte”. A junção desses dois termos resulta na expressão “morte correta”, também conhecida como “morte digna”. A ortotanásia trata os sintomas de uma doença para melhorar a qualidade da vida em estágio terminal. Nesse caso, o tratamento é paliativo, com o propósito de minorar a dor e deixar morrer da maneira mais confortável possível. Não se pretende a morte do paciente; simplesmente se aceita o fato de não poder impedi-la, isto é, permite-se que a vida do paciente cesse naturalmente. Costuma-se diferenciar a “eutanásia” da “ortotanásia” nos seguintes termos: “A ortotanásia seria deixar morrer, enquanto a eutanásia seria fazer morrer”.
2. As Implicações da Eutanásia
As consequências da prática da eutanásia são extremamente danosas e contrárias à dignidade da vida humana. As dúvidas e as interrogações formuladas são complexas: É legalmente autorizado fazer cessar a vida? É correto que as pessoas, especialmente quem está em fase terminal da vida e em profundo sofrimento, decida pelo término da sua vida? É permitido ao ser humano requerer medidas que lhe tirem a vida? É direito de a pessoa determinar o dia de sua morte? É moralmente certo que outras pessoas decidam pela vida do moribundo? Qual a ética adotada quando se decide pelo prolongamento ou pela eliminação da vida? Portanto, diante dessas e outras questões, a prática da eutanásia tem implicações de ordem legal, moral e ética.
Implicações legais
Nos aspectos legais, a Constituição Brasileira assegura a “inviolabilidade do direito à vida” (Art. 5º, CAPUT) e a “eutanásia” é tipificada como crime no Código Penal Brasileiro (CP):
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único – A pena é duplicada: I- se o crime é praticado por motivo egoístico; II- se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
No entanto, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei no 236/12 (Novo Código Penal), em que o juiz poderá deixar de aplicar punição para quem cometer a eutanásia, seja ela passiva, seja ativa:
Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave: Pena – prisão, de dois a quatro anos. §1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima. §2º não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão. (NCP, 2012, Art. 122)
Se aprovado, o novo código possibilitará ao magistrado avaliação subjetiva e pessoal acerca da prática da eutanásia ativa (§1º) e quanto à eutanásia passiva, o doente terminal ficará à mercê da vontade de terceiros (§2º). Nesses termos, a legalização da eutanásia provoca complicações de ordem moral e ética.
Implicações morais
Nas questões de ordem moral, deparamo-nos com a violação do sexto mandamento do Decálogo — “Não Matarás” (Êx 20.13) —, e em decorrência disso o crime de assassinato. E, ainda quando a “eutanásia” é consentida pelo paciente, surge o problema do pecado de suicídio. Associado a isso, questiona-se a participação do médico na condução do suicídio assistido. Nesse caso, o paciente provoca a própria morte com ajuda do médico que providencia os meios de fazer cessar a vida (PALLISTER, 2013, p. 144). Os médicos não deveriam salvar vidas, em lugar de eliminar vidas? Pergunta-se ainda: A quem mais interessa a eutanásia? Ao paciente ou ao seu plano de saúde e à previdência social?
Enquadram-se nessa discussão as questões de consciência e o sentimento de culpa. O homem como cidadão pode até compreender os argumentos pró-eutanásia, porém é muito difícil aplacar a consciência, pois ela é a primeira juíza de nossos atos. A culpa é considerada como um arrependimento por uma atitude tomada. Isso acontece quando alguém é obrigado pelas circunstâncias a decidir pela morte de um ente querido. Uma parcela de pessoas fica com a consciência pesada e sofrendo remorso. O sentimento de culpa torna a pessoa refém de sua ação contrária ao instinto natural de velar pela inviolabilidade da vida.
Implicações éticas
As indagações éticas podem ser assim resumidas: É lícito exterminar pessoas doentes? Descartar enfermos, inválidos e idosos não se constitui conceito racista da eugenia? Será ético interromper o tratamento de alguém que está sedado para não sentir dores ou induzido ao coma? As pessoas que desejam morrer estão com a mente sã e em condições psicológicas para essa tomada de decisão? Existem também, as questões éticas de erro médico. Os casos de diagnóstico errado. A pessoa descobre ser portador de uma doença que a fará conviver com dores horríveis, perdas cognitivas, intenso sofrimento, e, por fim, a morte. Desesperado e sem expectativas, o paciente pede então que tirem a sua a vida ou que o deixem morrer antes que a dor se torne insuportável. No entanto, o exame post-mortem conclui que o diagnóstico estava errado. Como lidar com uma tragédia dessas? Acham-se igualmente inseridos nesse contexto os casos de diagnóstico certo, mas de prognóstico errado. Por exemplo, a equipe médica chega à conclusão de que determinada doença levará o paciente a uma morte dolorosa. Não obstante, tempos depois, a cura é descoberta. Matar ou deixar morrer, nesses casos, promovem implicações éticas insolúveis.
III. A VIDA HUMANA PERTENCE A DEUS
Deus é a causa originadora como também a causa sustentadora de toda vida que existe. Deus é o Dono de todas as coisas, inclusive do amanhã (Mt 6.34, Tg 4.13,14). Ele é o único ser capaz de controlar integralmente tudo que existe, o curso da vida, cumprindo cabalmente o seu propósito e frustrando toda oposição (CRUVINEL, 2015, p. 3). Sob essa premissa, a pena de morte e a eutanásia violam a providência e a soberania divina. A vida foi dada por Deus e pertence a Ele.
1. A Fonte Originária da Vida
A Bíblia ensina que Deus trouxe o universo à existência (Gn 1.1) e que Ele próprio sustenta todas as coisas em existência (Hb 1.3). Deus não criou somente a matéria, mas criou também toda a espécie de seres vivos e ainda a humanidade (Gn 1.21-27; Cl 1.16). Os homens, como obra-prima, são uma criação especial e distinta. Deus os criou à sua imagem e semelhança (Gn 1.27), característica não dada a nenhuma outra criatura.
A vida humana passou a existir por causa da vontade de Deus e também continua a existir por sua vontade, pois “todas as coisas subsistem por Ele” (Cl 1.17). Deus está no controle soberano de toda a vida (Dt 32.39; Lc 12.7), e toda vida tem origem nEle: “pois Ele mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (At 17.25). Portanto, o Deus vivo é a fonte originária da vida e unicamente Ele tem autoridade para conceder ou tirar (1 Sm 2.6).
2. O Caráter Sagrado da Vida
A vida humana, sua sacralidade e dignidade têm sua origem e fonte em Deus. A vida existe e subsiste por vontade e com propósitos divinos. Atentar contra a vida é atentar contra a providência e a soberania de Deus, o autor da vida. O poder absoluto sobre a vida e a morte pertence única e exclusivamente a Deus. A atual ideologia que propaga o direito do homem em exterminar a própria vida ou a do outro viola os desígnios divinos (Jo 10.10). Portanto, a vida humana é sagrada e deve ser protegida, cuidada, preservada, respeitada e valorizada.
A sacralidade da vida
Na história das religiões, sagrado é tudo aquilo que é objeto de uma garantia sobrenatural. O reconhecimento de que a vida humana é sagrada respalda-se em três dimensões fundamentais: a razão da sua origem, a razão da sua natureza e a razão do seu destino. Assim, como essas razões são sobrenaturais, a vida é sagrada, não por motivos biológicos, mas por Deus ser o protagonista de sua origem, de sua existência e de seu término. Em consequência, a vida humana é inviolável em quaisquer circunstâncias, fases ou etapas de sua existência. Por isso o sexto mandamento, “não matarás”, possui valor absoluto. Não se devem permitir concessões. Quando o mandamento é relativizado, a sacralidade da vida humana fica ameaçada.
A discussão da sacralidade da vida não pode ser apenas jurídica, mas, sobretudo, um debate de questões éticas. Para os preceitos da ética cristã, a vida humana é sagrada porque tem origem divina, visto que toda vida emana de Deus. Por conseguinte, deve ser inviolável a proibição de intencionalmente alguém tirar a vida de outro ser humano (Êx 20.13). Seja por meio da pena capital, seja por práticas abortivas ou com o uso de qualquer droga com a intenção de matar ou apressar a morte de alguém. A sacralidade da vida humana deve ser protegida e preservada antes e depois do nascimento, desde o momento da concepção até o seu último instante (Sl 116.15; 139.13-16). A vida deve ser respeitada e valorizada como dádiva divina: “Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida” (2 Pe 1.3a).
A dignidade da vida
Ao publicar sua obra A Metafísica da Moral (1797), o filósofo alemão Immanuel Kant, inaugurou o conceito de “imperativo categórico”. Em sua concepção, Kant ensinou que nas relações éticas o dever moral é “imperativo” e, por atingir a todos, sem exceção, também é “categórico”. Em outras palavras, o filósofo queria dizer que “a moral deve ser igual para todos, o tempo todo, e em todos os lugares”. Ele se posicionava contra o “relativismo moral” e contra a doutrina do utilitarismo, ou seja, a de que “os fins justificam os meios”. Para Kant, a ética deve ser fundamentada em princípios universais, e não em regras circunstanciais. Desse modo, quando aplicamos o conceito do “imperativo categórico” em relação à vida, a inviolabilidade recebe valor absoluto, ou seja, um respeito incondicional à dignidade humana é o reconhecimento do sagrado da vida, e não a sua banalização:
No Brasil, hoje vivemos uma situação paradoxal. Há proteção legal da vida de plantas e animais. O mesmo não ocorre com a vida humana. As plantas e os animais usufruem da proteção de ONGs, do público e da autoridade em geral, quando em propriedade particular. Em lugares públicos, a atitude muda, pois aí ninguém se sente responsável. Quando o vizinho derruba uma árvore em seu pátio, porque ameaça cair sobre sua residência, outros logo se encarregam de avisar as autoridades sob o pretexto de defender o meio ambiente. Onde fica a eminente dignidade humana? O homem foi reduzido a simples objeto? Deve o homem fazer tudo que sabe, sem prever as consequências? O homem é meio ou fim em si mesmo? (ZILLES, 2007, p. 344)
O autor da citação acima questiona a existência de espaço para a sacralidade e a dignidade da vida humana na sociedade hodierna. Reclama que, por parte de alguns setores, a vida das plantas e dos animais recebe maior atenção que a própria vida do ser humano. Isso nos remete ao problema da vulgarização da vida. Em nome do pseudodireito de morrer e também do suposto direito legal de matar, como nos casos do suicídio, aborto, pena de morte e eutanásia, a sacralidade e a dignidade humana são desrespeitadas e tornaram-se corriqueiras.
Entretanto, essa não deve ser a postura cristã. Se a vida é sagrada por ocasião da concepção, deve permanecer sagrada durante todo o seu percurso, e não poderá deixar de ser sagrada em seu derradeiro dia. No caso de alguma enfermidade, o paciente tem o direito de receber tratamento adequado tanto na busca da cura como no alívio de suas dores. Procedimentos dolorosos e ineficazes podem ser evitados a fim de resguardar a dignidade humana, porém, exterminar a vida é uma afronta ao Príncipe da Vida (At 3.15).
Buscar a morte como alívio para o sofrimento é decisão condenada nas Escrituras. Jó, por exemplo, embora sofrendo dores terríveis, reconheceu o caráter sagrado da vida e com dignidade não aceitou a sugestão de sua esposa em amaldiçoar a Deus e morrer (Jó 2.9). Por fim, o patriarca enalteceu a providência e a soberania divina sobre a existência humana: “Bem sei eu que tudo podes, e nenhum dos teus pensamentos pode ser impedido” (Jó 42.2). Quanto à pena capital, vale a pena ratificar a seguinte assertiva do apologista assembleiano: “é como a bomba atômica: existe, mas não é para ser usada. Ela não vai resolver, como nunca resolveu, o problema da violência e da criminalidade” (SOARES, 2014, p. 97).
A vida humana, sua sacralidade e dignidade, têm origem em Deus. Atentar contra esse dom divino é colocar-se contra a soberania de Deus, o autor da vida. O poder absoluto sobre a vida e a morte pertence a Deus. A atual ideologia que propaga o direito do homem em exterminar a própria vida, ou a do outro, viola o propósito divino (Jo 10.10).
Fonte:
Livro de Apoio – Valores Cristãos - Enfrentando as questões morais de nosso tempo - Douglas Baptista
Lições Bíblicas 2º Trim.2018 - Valores Cristãos - Enfrentando as questões morais de nosso tempo - Comentarista: Douglas Baptista
Livro de Apoio – Valores Cristãos - Enfrentando as questões morais de nosso tempo - Douglas Baptista
Lições Bíblicas 2º Trim.2018 - Valores Cristãos - Enfrentando as questões morais de nosso tempo - Comentarista: Douglas Baptista
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