“Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” Romanos 12.1
Aplicando a mensagem
Chegamos à seção bíblica em que o apóstolo
Paulo passa a tratar sobre a aplicabilidade da doutrina. Os capítulos 12 a 16
de Romanos é a aplicação da mensagem que o apóstolo desenvolveu ao longo de
toda a epístola (Rm 1 — 11).
Vivemos num tempo em que tudo o que se
conhece o ser humano deseja aplicar na vida prática sem fazer uma reflexão
sobre as implicações da aplicabilidade desse conhecimento. O tema das doutrinas
bíblicas não foge desta ordem. É natural, após de havermos estudado, que se
pergunte: qual o efeito prático que a doutrina da justificação pela fé tem para
a vida?
O apóstolo começa a responder a pergunta a
partir do assunto da santificação: “Mas transformai-vos pela renovação do vosso
entendimento” (Rm 12.2). Ora, a base da santificação do crente é a sua união
com Cristo, pois a partir dessa união foi que o crente rompeu com o pecado e
andou em novidade de vida conforme a eficácia da ressurreição do nosso Senhor
(Rm 6.4,10-11). Como o Espírito Santo é aquele com quem nós andamos; por
intermédio dEle, somos instados a viver somente para Deus segundo a sua
imperiosa vontade. Aqui, ocorre a vocação e o chamado para vivermos uma vida de
santidade.
No culto racional e nas virtudes cristãs
Deste modo, o crente nascido de novo tem uma
ética fundamentada na obra da redenção. A partir desta, somos chamados a
cultuar o nosso Deus com entendimento e sabedoria (Rm 12.1), sendo instrumento
disponível de Deus para abençoar a vida dos nossos irmãos por intermédio do uso
dos dons (Rm 12.6-8). De modo que o amor suplanta e se torna a grande medida
dessa instrumentalidade. Ou seja, fomos separados para amar sem fingimento;
amar cordialmente uns aos outros; sermos intensos no cuidado com o outro e
fervorosos no espírito; alegrando-se na esperança, sendo paciente na tribulação
e perseverando em oração; comunicando a nossa necessidade ao outro; sendo
unânime naquilo que importa; não ambicionando as coisas altas; não desejando o
mal do outro; dando de comer e de beber ao inimigo; não devolvendo o mal com o
mal, mas com o bem (Rm 12.9-21).
Viver esta santidade do amor não é fácil.
Isto requer anular o nosso orgulho, soberba e prepotência. Fomos justificados
gratuitamente pela fé em Jesus Cristo. Então, não
podemos pagar o mal na mesma moeda.
Em Cristo, somos chamados e convocados a ser
amorosamente santos! (Revista Ensinador Cristão nº66-pg.40)
A nova vida em Cristo consiste em viver fervorosamente a vitória da cruz.
INTRODUÇÃO
A conexão entre tudo o que
Paulo escreveu anteriormente (capítulos 1 a 11) e o capítulo 12 de Romanos é
feita por intermédio do uso da partícula grega oun,
traduzida em português como portanto, pois. Nesse contexto, o uso dessa partícula pode se referir
a tudo aquilo que o apóstolo havia escrito anteriormente ou pode também se
referir àquilo que ele escreveu na seção que compreende somente os capítulos 9
a 11. O fato é que esse texto não está fora de lugar. Paulo havia tratado em
detalhes sobre a justificação pela fé e como Deus, em sua soberania, tratou com
os gentios e judeus nesse processo. Agora ele quer que os crentes tomem
consciência de que tudo isso tem implicações práticas na nova vida em Cristo.
Esta é a mais importante Carta de Paulo. Segundo Lawrence Richards, Romanos é “a pedra angular da teologia do Novo Testamento”.
Romanos 12.1,2
Rogo-vos, pois,
irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis o vosso corpo em sacrifício
vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos
conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso
entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita
vontade de Deus.
As Dimensões da
Adoração Cristã
“Rogo-vos, pois,
irmãos..." (12.1). O apóstolo começa o capítulo 12 de Romanos com um
pedido. A palavra “rogar” traduz o termo grego parakalô,
formado pela preposição grega “para” (ao lado, ao lado
de) e “kaleo” (chamar). No grego clássico, essa palavra possuía
uso militar e era usada quando um comandante exortava suas tropas. Aqui o
apóstolo chama os irmãos para perto dele, para ficarem ao lado dele a fim de
que possam receber as exortações que lhes dará em seguida.
"... pela
compaixão de Deus... ” (12.1). A palavra traduzida aqui como “misericórdia”
traduz o grego oiktimos. Ocorre cinco vezes no Novo
Testamento grego, sendo que quatro vezes é de uso paulino. O adjetivo oiktimon, derivado dessa palavra, é traduzido em Lucas 6.36
como “vosso Pai é misericordioso”. Paulo, portanto, faz um rogo aos seus irmãos
romanos, mas o faz fundamentado na misericórdia de Deus. Essa misericórdia
divina está permeada na sua carta desde o primeiro capítulo até aqui. Foi essa
misericórdia que acolheu a todos eles quando ainda eram pecadores.
"... que
apresenteis... ” (12.1). Para deixar os crentes em prontidão, Paulo usou uma
palavra de cunho militar para exortá-los. Agora, para convocá-los à adoração,
ele usa um termo extraído do ritual do culto levítico. Dentre os muitos
sentidos assumidos por esse vocábulo no grego antigo, o lexicógrafo Walter
Bauer destaca seu sentido figurado na linguagem do sacrifício como oferta. O expositor
bíblico Fritz Rienecker destaca também que “apresentar” (gr. paristemi) possui um sentido técnico para a apresentação de
um sacrifício, significando literalmente “colocar de lado” para qualquer
propósito.
"... o vosso
corpo em sacrifício vivo...” (12.1). Não há dúvida que Paulo tinha em mente o
sistema de sacrifício levítico quando escreveu essas recomendações. Assim como
um animal inocente era ofertado em sacrifício na antiga aliança, da mesma forma
o cristão devia apresentar o seu corpo a Deus. A diferença era que lá a oferta
era apresentada morta e aqui a oferta é apresentada viva. Ao contrário do
pensamento grego, que via o corpo como a prisão da alma, Paulo dá grande
importância à nossa dimensão corpórea. Devemos evitar o dualismo psicofísico
introduzido na cultura ocidental pelo filósofo René Descartes. Na concepção
desse pensador francês, o homem é formado por uma parte pensante e outra
física. Isso não deixa de ser uma verdade, mas da forma como é entendida no
racionalismo cartesiano, fatia o homem em partes distintas e separadas uma da
outra. A consequência é a criação de um dualismo corpo-alma onde se privilegia
a parte racional humana em detrimento do seu lado subjetivo. No contexto
bíblico, o homem é um ser integral, formado por espírito, alma e corpo (1 Ts
5.23; 1 Co 14.14).
“... santo e
agradável a Deus” (12.1). O sacrifício deve ser apresentado vivo, mas também de
forma santa e agradável. No contexto neotestamentário, a palavra “santo” quer
dizer “separado”. É um termo muito comum na Septuaginta grega quando se refere
ao Tabernáculo e aos seus utensílios usados no culto. Aquele que quer servir a
Deus deve ser separado para o seu serviço. Precisa, portanto, se conscientizar
de que há limites que devem ser respeitados. Não há dúvidas de que a falta de
vitalidade no cristianismo hodierno se dá em consequência dessa frouxidão
moral, consequência de um conceito equivocado da doutrina da santificação.
Quando o sacrifício é apresentado vivo e de forma santa, então ele se torna
agradável a Deus. O comentarista americano Robert Gundry destaca que o
sacrifício deve ser primeiramente “... vivo (no sentido de ‘para’) Deus”
(compare 6,13); em segundo lugar, “consagrado para Deus em vez de ser dominado
pelo pecado” (como os pagãos que desonravam seus corpos através das
concupiscências, como mostra Rm 1.24); e, portanto, agradável a Deus”
(comparando com a descrição da queima de sacrifícios de animais como oferta de
“um cheiro agradável ao Senhor” (Lv 1.9,13,17). Só que em Romanos os
sacrifícios estão vivos. Assim, “o serviço do culto é agradável” abrangendo a
totalidade da conduta corporal em vez de se limitar as cerimônias ocasionais ou
até mesmo regulares, como na oferta de sacrifícios de animais sob a lei mosaica.
"... que é o
vosso culto racional” (12.1). Robert Gundry observa que aqui Paulo contrasta a
adoração pagã com a adoração cristã. Naquela o culto era irracional, adorando a
criatura em lugar do Criador. Por outro lado, no culto cristão, que acontece de
forma racional, o Criador, e não a criatura, se torna o cento da adoração. Essa
recomendação apostólica está em sintonia com aquilo que ele escreveu aos
crentes de Corinto, recomendando-os que fizessem tudo com “decência e ordem” (1
Co 14.40). Um culto cristão que não tem hora para começar nem tampouco para
terminar; que é desprovido de liturgia; em que a pessoa não consegue desligar o
celular; que promove o exibicionismo humano; que é motivado por gordos cachês,
etc.; não é uma adoração racional, muito menos cristã.
“E não vos
conformeis com este mundo...” (12.2). Aqui o apóstolo usa o imperativo presente
com a negativa “não” para alertar os cristãos sobre qual postura devem assumir
neste mundo. O termo schematizesthai,
traduzido aqui como “conformar”, tem o sentido de “moldar”. E o mesmo verbo
usado pelo apóstolo Pedro quando escreveu aos cristãos: “Como filhos
obedientes, não vos conformando com as concupiscências que antes havia em
vossa ignorância” (1 Pe 1.14). Assim como o líquido assume a forma do recipiente
que ocupa, da mesma forma o crente, se não se guiar pela Palavra de Deus, pode
ser moldado de acordo com a cultura à sua volta. Para que isso não aconteça, é
preciso interromper uma ação que pode estar em curso, como sugere o tempo
presente do texto grego desse versículo. O expositor suíço Frédéric Louis Godet
comenta que o “termo esquema denota a maneira de se comportar,
atitude, pose; eschematizesthai, verbo
derivado dele, significa a adoção ou imitação dessa pose ou modo recebido de
conduta. O termo (este) mundo presente é usado nos rabinos para denotar todo o
estado de coisas que antecede a época do Messias; no Novo Testamento, ele
descreve o curso da vida seguido por aqueles que ainda não tenham sido
submetidos à renovação que Cristo opera na vida humana. E esse modo de viver
anterior à regeneração que o crente não deve imitar no uso que faz do seu
corpo. E o que ele tem que fazer? Buscar um novo modelo, um tipo superior, a
ser realizado por meio de um poder que atua dentro dele. Ele deve ser transformado
literalmente, metamorfoseado”.
“.. mas
transformai-vos pela renovação do vosso entendimento” (12.2). Paulo havia
mostrado no capítulo 7, principalmente na última seção do capítulo, sobre o
conflito interior que o cristão enfrenta. Ele disse que querer fazer o que era
bom estava nele, mas não o efetuar. Há uma natureza adâmica que guerreia contra
a nova vida. Essa natureza é estimulada pela cultura mundana que também está
afastada de Deus. O crente, portanto, vive em um mundo que lhe é hostil. Seus inimigos
são o Diabo, a carne e o mundo. O que fazer então para não se deixar subjugar
diante dessa cultura caída? Buscando diariamente a transformação de sua mente.
A palavra “transformar” traduz o grego metamorphoô, que é um
termo usado para descrever a transformação da lagarta em borboleta. A mente do
cristão não é passiva nem tampouco neutra; ela precisa de renovação. Paulo
aconselha os crentes de Filipos ao exercício das virtudes espirituais como uma
forma de renovação da mente (Fp 4.8). Quando o crente não renova a sua mente,
nunca vai se assemelhar a uma linda borboleta, mas a uma lagarta feia.
“...para que
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (12.2).
Uma mente transformada e renovada está pronta para a adoração verdadeira. Não
há dúvida de que a pobreza de nossa adoração é um reflexo das mentes velhas que
participam do culto. Somente uma mente renovada experimenta a boa, agradável e
perfeita vontade de Deus.
SUBSÍDIO BIBLIOLÓGICO
"Até o capítulo 11, Paulo desenvolveu uma argumentação teológica acerca de algumas doutrinas pertinentes à Soteriologia Bíblica. A partir do capítulo 12, ele disseca essas doutrinas sobre a salvação em uma realidade prática. É o Cristianismo vivido e experimentado. É a vida cristã demonstrada através das relações pessoais com Deus, com os irmãos na fé, com as pessoas de fora, com as autoridades constituídas e com as responsabilidades para com a igreja. Não basta conhecer a Teologia do Pecado, da Justificação, da Santificação, teoricamente. É preciso ter experimentado isso tudo, para poder viver vitoriosamente no Espírito. Nos capítulos anteriores, Paulo apresenta o pecado e suas consequências, bem como, o plano de salvação. Já, a partir do capítulo 12, temos o plano da salvação na prática. O Evangelho não é apenas poder para salvar o homem dos seus pecados, mas é também, poder para viver diariamente uma vida vitoriosa e poderosa contra o pecado, contra o mundo e contra o Diabo. Uma vez justificado pela fé, o crente é também capacitado para tornar-se na prática, um vitorioso contra o pecado" (CABRAL, Elienai. Romanos: O Evangelho da Justiça de Deus. 5.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005, p.133).
* "Conformeis (12.2)
J. B. Phillips captou o significado dessa exortação numa paráfrase poderosa. 'Não permita que o mundo ao seu redor o bitole de acordo com o seu molde'. O mundo exerce toda a sorte de pressão para nos forçar a adotar sua maneira de pensar. Os crentes, no entanto, não são manipuláveis. Não temos que nos conformar. Podemos ser transformados por Deus em nosso interior". Para conhecer mais leia Guia do Leitor da Bíblia, CPAD, p.748.
Conheça Mais...
Assim como o nosso corpo deve ser ofertado em sacrifício vivo a Deus, da mesma forma a nossa mente também precisa ser (Rm 12.2). Para que a adoração seja verdadeira ela precisa ser realizada por pessoas com a mente transformada. Essa transformação, como mostra o original metamorphousthe, de onde vem o vocábulo metamorfose, significa ser transformado em nossa mais profunda natureza interior.
Romanos 12.3-8
Porque, pela graça
que me é dada, digo a cada um dentre vós que não saiba mais do que convém
saber, mas que saiba com temperança, conforme a medida da fé que Deus repartiu
a cada um. Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os
membros têm a mesma operação, assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em
Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros. De modo que, tendo
diferentes dons, segundo a graça que nos é dada: se é profecia, seja ela
segundo a medida da fé; se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja
dedicação ao ensino; ou o que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte,
faça-o com liberalidade; o que preside, com cuidado; o que exercita
misericórdia, com alegria.
Os Dons da Graça
“Porque, pela
graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não saiba mais do que convém
saber, mas que saiba com temperança, conforme a medida da fé que Deus repartiu
a cada um” (12.3). Os intérpretes chamam a atenção para a mistura cultural
presente na igreja de Roma — formada por judeus e gentios. Todavia, na igreja,
o corpo místico de Cristo, os cristãos não se encontram separados pela etnia.
Eles formam uma unidade na diversidade. Ninguém deve olhar para o outro
demonstrando superioridade, quer por status social, quer por tradição
religiosa.
“Porque assim como
em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação”
(12.4). Essa unidade é vista claramente na analogia do corpo humano, uma das
preferidas pelo apóstolo (1 Co 12). O corpo humano, formado por diversos órgãos
e membros, constitui-se uma unidade. Cada membro tem sua função, uns são mais
utilizados no dia a dia, todavia não se sobressaem em valor em relação aos
demais. Assim também é na igreja de Cristo. Se o corpo fosse formado por um só
membro, então ele não seria de fato corpo, mas uma anomalia. Todos os cristãos
romanos, quer judeus quer gentios, possuíam funções diferentes dentro do
propósito de Deus.
“De modo que,
tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada: se é profecia, seja ela
segundo a medida da fé” (12.6). Paulo destaca a diversidade dos dons, algo
parecido com o que ele escreveu em 1 Coríntios 12, mostrando que eles são fruto
da graça, e não mérito humano. Como escrevia para uma igreja forjada pelo fogo
de Pentecostes (At 2.10), os dons não lhe eram estranhos. O apóstolo não viu
necessidade de dar maiores explicações sobre o uso dos mesmos como fizera na
igreja de Corinto. Aqui ele destaca primeiramente o dom da profecia. No Novo
Testamento, há uma diferença entre a profecia como um dom espiritual,
exercitado por qualquer crente (1 Co 14.12), e o ofício profético, reservado a
alguns a quem Deus escolheu (Ef 4.11). Nesse aspecto, nem sempre quem profetiza
é um profeta, enquanto todo profeta, evidentemente, profetiza. Isso pode ser
ilustrado com as figuras de Agabo, um profeta que aparece no livro de Atos, e
as filhas de Filipe, que mesmo não possuindo o oficio de profeta, no entanto,
profetizavam. Foi ao profeta Agabo, e não às filhas de Filipe, que o Espírito
Santo usou para falar com Paulo (At 11.28; 21.8-11). O conceituado teólogo Wayne
Grudem escreveu em 1988 um livro sobre o dom da profecia no Novo Testamento, ao
qual intitulou de O Dom da Profecia. A tese de Grudem é que a profecia no
Novo Testamento não está no mesmo patamar daquela dos profetas do Antigo Testamento.
Ele argumenta que essas profecias “eram simplesmente um relatório bastante
humano — e, às vezes, parcialmente equivocado — do que o Espírito Santo trazia
à mente de uma pessoa em especial”. Para fundamentar sua tese, Grudem cita o
caso de Ágabo, profeta do Novo Testamento. Primeiramente, ao fazer uma análise
de Atos 21.10,11, Grudem acusa Ágabo de tentar falar como os profetas do Antigo
Testamento: “a frase introdutória de Ágabo — “Assim diz o Senhor” — sugere uma
tentativa de falar como os profetas do A.T. que diziam: “Assim diz o Senhor...”.
Grudem vai mais longe em seu argumento e tenta agora provar que Ágabo mentiu e
que, se vivesse nos dias do Antigo Testamento, seria apedrejado como falso
profeta. “Pelo padrão do A.T.”, diz ele, “Ágabo teria sido condenado como falso
profeta, porque em Atos 21.27-35 nenhuma de suas previsões é cumprida”. De
acordo com Grudem, o primeiro erro de Ágabo teria sido a sua previsão errada de
quem “amarraria” a Paulo. Ágabo dissera que seriam os judeus, quando na verdade
foram os romanos. O segundo erro de Ágabo, na análise de Grudem, foi ter se
enganado quanto ao fato de ter predito que os judeus “entregariam” Paulo nas
mãos dos gentios quando na verdade as autoridades romanas (gentios) o teriam
tomado à força das mãos dos judeus.
Pois bem, eu
lamento que Wayne Grudem, na sua análise, chegue a essa conclusão totalmente
divorciada do texto bíblico. A sua exegese simplesmente não se sustenta dentro
do contexto da teologia lucana registrada em Atos. Em primeiro lugar, se Ágabo,
de fato, tivesse errado ou mentido como sugeriu Grudem, Lucas — que escreveu o
livro de Atos e acompanhou Paulo a partir de Atos 16.10 — teria sido o primeiro
a dizer isso. Pelo contrário, não há nada na teologia lucana que sugira isso. A
teologia carismática de Lucas, como demonstrou Roger Stronstad, mostra que
Ágabo está dentro daquilo que foi profetizado na era messiânica — a restauração
do Espírito profético na era da igreja. Lucas mostra Ágabo, dentro da nova era
messiânica, como um verdadeiro profeta do Senhor. A acusação de que Ágabo se
confundiu e errou ao trocar “judeus” por “romanos”, simplesmente não se
sustenta. O profeta previu a causa do aprisionamento de Paulo, o que está
claramente mostrado em Atos 21.27-30, que ele foi motivado pelos judeus.
“Quando os sete dias estavam quase a terminar, os judeus da Ásia, vendo-o no
templo, alvoroçaram todo o povo e lançaram mão dele” (At 21.27). Os judeus
foram a causa do aprisionamento de Paulo, e o Espírito profético que estava
sobre Ágabo viu com antecipação esse fato. Se um juiz manda prender um marginal
e o policial cumpre a ordem, ninguém vai dizer que o policial prendeu o
bandido, mas que o juiz fez isso. O juiz foi a causa da prisão. Da mesma forma,
quem causou o aprisionamento de Paulo foram os judeus, e não os gentios.
Grudem, que se apega a minúcias do texto grego, quando tenta desacreditar o
profeta Ágabo, deveria ter percebido que o termo grego “agarraram” (gr. epiballô) usado em Atos 21.27,30, tem o sentido de
“capturar”, “lançar as mãos sobre”, e é usado em relação aos judeus, e não aos
romanos.
O segundo suposto
erro de Ágabo, na análise de Grudem, está nos detalhes do cumprimento da
profecia. Em vez de Paulo ter sido “entregue”, na verdade ele teria sido
“tomado” à força pelos gentios. Isso é confundir seis com meia dúzia. Grudem
aqui gasta muita tinta fazendo cruzamento de referências para mostrar que,
levando-se em conta esses detalhes, Ágabo errou redondamente. Um exemplo da
profecia do Antigo Testamento resolve essa questão dos detalhes que acompanham
aquilo que o cronista registra em pronunciamento profético. A profecia possui
uma essência, uma mensagem principal, sendo que os detalhes não a contradizem.
Vejamos o livro de 2 Reis 9.1-10. Nesse texto, o profeta Eliseu chama um dos
filhos dos profetas e manda-o entregar uma profecia a Jeú, comandante das
forças de Israel. Eliseu deu instruções detalhadas ao seu discípulo dizendo que
deveria levar um vaso de azeite e, lá chegando, profetizar: “Assim diz o
Senhor: Ungi-te rei sobre Israel. Então, abre a porta, e foge, e não te
detenhas” (2 Rs 9.3). Era só isso que o profeta mandou dizer. Mas veja os
detalhes que são acrescentados na entrega da profecia nos versículos 6 a 10:
“Então, se levantou, e entrou na casa, e derramou o azeite sobre a sua cabeça,
e lhe disse: Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Ungi-te rei sobre o povo do
Senhor, sobre Israel. E ferirás a casa de Acabe, teu senhor, para que eu vingue
o sangue de meus servos, os profetas, e o sangue de todos os servos do Senhor
da mão de Jezabel. E toda a casa de Acabe perecerá; e destruirei de Acabe todo
varão, tanto o encerrado como o livre em Israel. Porque à casa de Acabe hei de
fazer como à casa de Jeroboão, filho de Nebate, e como à casa de Baasa, filho
de Aías. E os cães comerão a Jezabel no pedaço de campo de Jezreel; não haverá
quem a enterre. Então abriu a porta e fugiu” (2 Rs 9.6-10).
Se Paulo foi
“entregue” ou “tomado à força” em nada muda a essência da profecia de Agabo da
mesma forma que os detalhes da profecia do discípulo dos profetas em nada
destoou da profecia original que lhe foi entregue por Eliseu. A essência da
profecia era clara (Paulo será preso), como era clara a profecia de Eliseu
(Deus ungiu a Jeú rei). Ambas se cumpriram na íntegra!
Os Melhores Dons
Cabe ainda
observar sobre os dons no contexto paulino que os melhores dons eram aqueles
que maior edificação trazem à igreja. Visto que a profecia, uma fala inspirada
pelo Espírito Santo, alcançava o maior número de pessoas, Paulo a via como o
mais útil. O critério a ser adotado, portanto, no uso dos dons espirituais é a
edificação.
“Se é ministério,
seja em ministrar...” (12.7). A palavra “ministério” é a tradução do grego diakonia, e aqui significa “serviço”. Paulo escrevia para
uma igreja jovem, formada por leigos, portanto, esse termo não possuía a
conotação de “ministro” que lhe é atribuída hoje. Todavia, o “ministro” como
uma função, e não como um ofício, pode ser visto aqui da mesma forma que Paulo
se refere à função dos que “ensinam”, isto é, os mestres, nesse mesmo
versículo. Devemos, no entanto, observar que o clericalismo rígido como o
conhecemos hoje só aparece no segundo século da igreja cristã. Isso não quer
dizer que a organização ou instituição não são importantes. São, mas não podem
se sobressair à igreja. A instituição está contida na igreja, e não o
contrário.
“... se é ensinar,
haja dedicação ao ensino” (12.7). Paulo passa então a se dirigir aos mestres
(gr.didaskalos). Os mestres estão listados como um dos dons
quíntuplos do ministério, ao lado de apóstolos, profetas, evangelistas e
pastores (Ef 4.11). Eles são importantes porque através da instrução ajudam na
formação espiritual da igreja. Lucas os cita em Atos 13.1, quando a igreja
enviou pela primeira vez os seus missionários. Uma igreja sem instrução não
cresce, apenas incha. É por isso que os mestres precisam ser diligentes e
esmerar-se no exercício de seus ofícios. Outros dons listados por Paulo são os
de exortar, contribuir, presidir e exercer misericórdia (v. 8).
SUBSÍDIO BIBLIOLÓGICO
"Paulo usou o exemplo do corpo humano para ensinar como os cristãos devem viver e trabalhar juntos. Assim como os membros do corpo funcionam sob o comando do cérebro, também os cristãos devem trabalhar juntos sob o comando e a autoridade de Jesus Cristo.
Deus nos dá muitas habilidades e dons para que possamos edificar a sua igreja. Para usá-los eficientemente, devemos:
(1) entender que todas as nossas habilidades e todos os nossos dons vêm de Deus;
(2) entender que nem todos são dotados das mesmas habilidades e dos mesmos dons;
(3) saber quem somos e o que fazemos melhor;
(4) dedicar nossas habilidades e nossos dons ao serviço de Deus, não para alcançar sucesso pessoal;
(5) estar dispostos a empregar as habilidades e os dons que temos com todo o nosso coração, colocando tudo à disposição da obra de Deus, sem reter coisa alguma.
Os dons de Deus diferem quanto à sua natureza, poder e eficiência, de acordo com sua sabedoria e bondade, não conforme a nossa fé (12.6). Deus deseja conceder-nos o poder espiritual necessário para desempenharmos cada uma de nossas responsabilidades. Mas não podemos obter mais habilidades e dons mediante nosso esforço e nossa determinação para nos tornarmos servos ou mestres mais eficientes. Deus concede os dons à sua igreja, distribui a fé e o seu poder conforme a sua vontade. Nossa tarefa é sermos fiéis e procurarmos formas de servir aos outros com aquilo que Cristo nos dá" (Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal. Rio de Janeiro: CPAD, p.1572).
Romanos 12.9-21
O amor seja não
fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem. Amai-vos cordialmente uns aos
outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros. Não sejais
vagarosos no cuidado; sede fervorosos no espírito, servindo ao Senhor;
alegrai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, perseverai na oração;
comunicai com os santos nas suas necessidades, segui a hospitalidade; abençoai
aos que vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis. Alegrai-vos com os que se
alegram e chorai com os que choram. Sede unânimes entre vós; não ambicioneis
coisas altas, mas acomodai-vos às humildes; não sejais sábios em vós mesmos. A
ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas honestas perante todos os
homens. Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens.
Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está
escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. Portanto, se o teu
inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque,
fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes
vencer do mal, mas vence o mal com o bem.
Fervendo no
Espírito
Esta seção que se
estende do versículo 9 ao 21 de Romanos 12 reúne diversos conselhos de Paulo.
Vou relacioná-los aqui:
• Evitar o
fingimento (12.9) — os relacionamentos precisam ser autênticos. Não
podemos expressar a koinonia cristã com
um coração hipócrita. (um Amor Ágape)
• Evitar flertar
com o mal (12.9) — o conselho de Paulo é que os crentes devem detestar o
mal. No original, a ideia é a de repulsa pelo mal.
• Evitar a
primazia (12.10) — esse problema será resolvido quando o outro, e não nós,
ocupar o primeiro lutar. O egoísmo é uma das principais e piores formas de
pecado.
• Evitar a frieza
espiritual (12.11) — a ideia do texto no original é que os crentes devem
“ferver no Espírito Santo”. Fervor não é sinônimo de fanatismo nem tampouco de
barulho. Fervor significa o cristão ter um coração incendiado pelo Espírito
Santo. (A palavra vagarosos traduz o termo grego okneros, que possui também o sentido de preguiçoso, descuidado e indolente)
• Saber esperar
(12.12) — a esperança do cristão é fundamentada na justificação pela fé.
Ela se alicerça nas promessas de Deus. Paulo falou da esperança cristã em
Romanos 5.
Saber ser
resignado (12.12) — não é fácil ser paciente no sofrimento. Todavia, as
tribulações no evangelho de Paulo fazem parte do crescimento na fé.
• Saber orar (12.12) —
só vence na oração quem sabe esperar. Perseverar na oração é um dos mais
repetidos mandamentos bíblicos. Precisamos ser perseverantes na oração.
• Aprender a
compartilhar (12.13) — Paulo sempre demonstrou preocupação com a vida
social da igreja. Sempre procurou ajudar os mais necessitados. Resgatou um
mandamento de Jesus que havia sido esquecido, o qual nem mesmo os Evangelhos
registraram: “Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber” (At 20.35).
• Aprender a acolher
(MAS) — ser hospitaleiro é uma virtude que o cristão nascido de novo
precisa exercitar. Quem é hospitaleiro sabe dividir com o outro parte de sua
vida. E um excelente antídoto contra o veneno do egoísmo.
• Aprender a
abençoar (12.14) — amaldiçoar é mais fácil do que abençoar. Mas Paulo
exorta os crentes a abençoar seus inimigos. Acredito que o sentimento de
vingança é a causa da prisão espiritual de muitos cristãos.
• Aprender a se
identificar com o próximo (12.15) — devemos estar nas festas bem como nos
velórios. E fácil se alegrar com quem está alegre, mas não é fácil chorar com
quem chora. Para viver a vida cristã plena, uma coisa não pode ser feita sem a
outra.
• Aprender a se
humilhar (12.16) — estar em evidência é uma tentação que assedia todo
cristão. Ninguém quer ficar por baixo, mas sempre no topo. A tentação de estar
na vitrine o tempo todo é uma das armas mais letais do Diabo.
• Aprender a perdoar
(12.17-20) — uma das razões que a Bíblia dá para Deus ter se agradado da
oração de Salomão foi que ele não desejou a morte de seus inimigos (1 Rs 3.11).
Se quisermos orar com eficácia, devemos esvaziar o coração de todo sentimento
de vingança.
• Aprender a lutar
(12.21) — vencer o mal com o bem é uma arma eficaz no combate cristão.
Como novas criaturas, o amor precisa moldar nosso comportamento e ser a razão do nosso serviço.
SUBSÍDIO BIBLIOLÓGICO
"O serviço cristão em relação aos nossos irmãos na fé (12.9-21)
Nestes versículos está a base do serviço cristão que é o amor. Os deveres mencionados e todas as exortações devem estar debaixo do princípio do amor.
12.9 - 'O amor seja não fingido'. A palavra 'fingimento' fica melhor traduzida por hipocrisia, que no grego é anupokritos. Na Versão Inglesa do Rei Tiago a expressão é: 'sem dissimulação'. Portanto, o sentido real é que, a demonstração de qualquer sentimento para com as pessoas seja puro e 'com toda a sinceridade'.
12.9 - 'Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem'. Aborrecer o mal é negar tudo que possa prejudicar a outrem.
Podemos servir aos nossos irmãos na fé tendo uma atitude, não só de amor (v. 9), mas pelo espírito fraterno desenvolvido entre todos (v. 10), pelo favor do espírito e serviço a Deus (v.11), pela esperança e paciência (v.12), pela hospitalidade e a generosidade entre os domésticos da fé (v. 13), pela participação sincera dos sentimentos dos outros (v. 15), pelo perdão aos inimigos (v. 16), pela retribuição do mal com o bem (v. 17) e por viver em paz com todos (v. 18).
12.9 - 'Não vos vingueis a vós mesmos'. Em outras palavras, a vingança pertence a Deus, por isso, devemos deixar com Deus a vingança para com aqueles que nos maltratam. Somos frágeis e incapazes de fazer vingança com justiça. A expressão 'daí lugar à ira' não deve ser entendida como o dar razão à manifestação da ira, mas sim com o sentido de dar tempo à ira para que ela se extinga, isto é, deixá-la passar. Também tem o sentido de 'dar lugar à ira de Deus', à vingança divina, uma vez que a 'vingança pertence a Deus" (CABRAL, Elienai. Romanos: O Evangelho da Justiça de Deus. 5.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005, p.137).
CONCLUSÃO
Nesta lição aprendemos que o capítulo 12 de Romanos forma um conjunto de exortações a respeito do viver a nova vida em Cristo. Como observamos, essas exortações estão relacionadas a vários aspectos do viver cristão e envolvem a mordomia da adoração cristã, onde é mostrado o valor do corpo e da mente no serviço de Deus. Atenção é dada à mordomia dos dons espirituais, onde Paulo combate a apatia e o individualismo. A Igreja é o corpo de Cristo e como corpo ela deve viver. Por último o apóstolo exorta a respeito do exercício das virtudes cristãs, destacando a prática do viver cristão vitorioso.
Fonte:
Lições Bíblicas - Maravilhosa Graça - O Evangelho de Jesus Cristo revelado na Carta aos Romanos - 2º.trim_2016 CPAD - Comentarista Jose Gonçalves
Livro de Apoio - Maravilhosa Graça - O Evangelho de Jesus Cristo revelado na Carta aos Romanos - Comentarista José Gonçalves
Romanos. O Evangelho da Justiça de Deus - 5ª.ed.CPAD
Revista Ensinador Cristão-nº66
Guia do Leitor da Bíblia - CPAD
Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal
Bíblia de Estudo Pentecostal
Bíblia de Estudo Defesa da Fé
Dicionário Bíblico Wycliffe
Dicionário Teológico CPAD